40% dos feminicídios da primeira década dos anos 2000 ocorreram após escalada da ofensiva do governo mexicano contra cartéis, em 2007; 'não há política que gere mais violência do que a da proibição', pontua pesquisadora
Uma mulher chega a uma delegacia de polícia no México. Sua filha saiu de casa e não voltou. A moça disse que voltaria, mas não se sabe nada sobre ela. “Ela deve ter fugido com o namorado”.
“Talvez esteja metida com o tráfico de drogas”. Essas são as respostas que muitas mulheres escutam dos policiais quando vão denunciar o desaparecimento de seus familiares, conta Laura Carlsen, diretora do programa Américas do Centro para Políticas Internacionais (Center for International Policy), com sede na Cidade do México.
“Talvez esteja metida com o tráfico de drogas”. Essas são as respostas que muitas mulheres escutam dos policiais quando vão denunciar o desaparecimento de seus familiares, conta Laura Carlsen, diretora do programa Américas do Centro para Políticas Internacionais (Center for International Policy), com sede na Cidade do México.
As forças policiais chegam a ameaçar as famílias que insistem, lamenta a socióloga e ativista colombiana Tania Correa. Elas denunciam a escalada de violência que a política proibicionista contra o tráfico de drogas provocou em seus países e defendem uma abertura controlada para a legalização dessas substâncias.
“A proibição não tem funcionado”, diz Carlsen. Ela e Correa estiveram em Madri para participar de um colóquio organizado em março pela Associação Mulheres de Guatemala (AMC) intitulado “Feminicídio: crimes (in)visíveis na ‘guerra contra as drogas’”. As ativistas explicaram à plateia espanhola porque as mulheres são vítimas diretas do narcotráfico e, ao mesmo tempo, passam despercebidas para grande parte da população da América Latina.
“O feminicídio é a morte de uma mulher pelo fato de ser mulher. Não apenas há o componente da violência, mas também o de gênero”, indica Carlsen. Para ela, a própria guerra entre o Estado e os cartéis do narcotráfico não é reconhecida como outros conflitos armados, apesar das consequências nas vidas de seres humanos serem inegáveis. “Há mais mortes de homens do que de mulheres, porém eles são os combatentes”, observa Carlsen. “Com as mulheres, há um significado especial, porque elas não tomam parte na guerra”.
Os corpos das mulheres são como territórios a serem conquistados. Eles se transformam em mensagens para um líder do narcotráfico, para um policial ou para um delator através de suas namoradas, filhas e irmãs. “São bandeiras de guerra”, denuncia Correa, coordenadora da iniciativa colaborativa “Mulheres, resistências e poderes na sombra”, do Fundo de Ação Urgente da América Latina.
Entre as particularidades dos abusos contra as mulheres no México, ela destaca um ponto crucial: “Segundo as pesquisas, mais da metade dos ataques que as mulheres sofrem vêm de agentes policiais”, alerta Carlsen. Nesse sentido, Correia também relata: “Quando as famílias vão denunciar o sequestro, às vezes elas encontram policiais que estão protegendo os perpetradores, e isso é perigoso para elas.”
De acordo com Carlsen, a responsabilidade da escalada da violência no “corredor da droga” da América Latina repousa em grande parte nas políticas proibicionistas dos estados latino-americanos e dos Estados Unidos na “guerra às drogas”. “Em alguns países, como a Colômbia, que vive também o conflito com as FARCs, é mais complexo demonstrar esse impacto. Porém, no México, percebe-se uma correlação muito clara a partir da ofensiva armada estatal de dezembro de 2006”, argumenta.
As estatísticas da Comissão Nacional para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres do governo do México – criticadas por não refletir a magnitude real do problema –, de 2012, contemplam esse aumento: “Em quatro anos, os níveis de homicídio voltaram a alcançar os mesmos de 30 anos atrás: 40% das mortes de mulheres por homicídio durante última década aconteceram nos últimos três anos [entre 2007 e 2010]; dito de outra forma, a taxa de homicídios de mulheres em 2010 foi mais do que o dobro (4,37 por 100 mil mulheres) do que a registrada em 2007 (2,03 por 100 mil mulheres)”, contabiliza o relatório estatal.
No noroeste do país (Chihuahua, Coahuila, Nuevo León, Tamaulipas, Durango e Zacatecas), o risco de morte para mulheres por homicídio aumentou mais de 400% nestes anos.
As estatísticas de um relatório da ONU Mulheres de 2012 refletem a mesma tendência de alta, para os dois sexos, nas mortes por homicídio. Na opinião das ativistas, “os altíssimos índices de impunidade” são uma das causas para que o conta-gotas das vítimas não cesse. “Os delitos não são investigados. Há mais de 90% de impunidade nos crimes contra mulheres no México. Eles matam mulheres porque podem, sabem que não vai lhes acontecer nada”, denuncia Carlsen.
Além disso, as ofensivas contra o narcotráfico também tomaram a forma de “políticas de repressão de opositores políticos, de defensores de direitos humanos, de dissidências e grupos armados, como ocorreu com as FARCs na Colômbia”, ressalta Correa.
Manifestação em Ciudad Juarez. Alex Briseño / Flickr CC
As defensoras dos direitos humanos acreditam que é hora de admitir que as políticas de militarização contra as drogas não têm funcionado e de dar lugar a um debate sobre como e em que ritmo legalizá-las. “Como está sendo feito em algumas regiões dos Estados Unidos com a maconha”, diz Carlsen.
Constanza Sánchez, pesquisadora sobre a economia política de drogas ilícitas e a criminalidade internacional organizada, concorda que as estratégias até agora têm sido ineficazes. “O problema é que existem substâncias altamente solicitadas, principalmente por países de alta renda, que estão proibidas”, argumenta Sánchez, também coordenadora da área de Leis, Políticas e Direitos Humanos na Fundação ICEERS (Centro Internacional de Educação e Pesquisa Etnobotânica). “Estas duas circunstâncias fazem do comércio clandestino um negócio muito lucrativo, que está nas mãos de muitos atores em um contexto de insegurança.”
Segundo ela, a violência nesses países não se deriva apenas dos mercados da droga, ainda que esteja relacionada a eles. Sánchez lembra que a violência contra as mulheres já tinha profundas raízes nos lares mexicanos.
Carlsen admite que a tolerância e a normalização da violência contra as mulheres é uma questão cultural. Diante das manifestações de milhares de mexicanos pelos 43 estudantes desaparecidos em Ayotznapa em outubro do ano passado, a ativista se indaga por que os milhares de feminicídios não causam a mesma indignação na sociedade mexicana. Segundo os dados recolhidos no relatório da ONU Mulheres mencionado anteriormente, foram registradas 2.335 mortes de mulheres por supostos homicídios em 2010 no México: 6,4 por dia.
Sánchez explica que todos esses anos de luta contra as drogas levaram à constatação de que “o mercado não desaparece, ele se transforma”. Quando as ofensivas se concentraram mais sobre os cultivos na Bolívia e no Peru, aumentaram as plantações da folha de coca na Colômbia. Quando os traficantes tiveram sua atuação mais dificultada neste país, aumentou o trânsito pelas rotas mexicanas. A droga, porém, continua chegando aos consumidores.
Sánchez admite que o debate da legalização das drogas está na mesa. As causas: o aumento da violência e, também, “ainda que mencionado de maneira mais velada”, o alto custo das políticas proibicionistas. E tudo para que nada mude demais. Por isso, “agora muitos governos adotam o discurso de controlar os efeitos das drogas na área da saúde, sem proibir seu consumo”.
As consequências da legalização não estão claras. “Existe a dúvida sobre até que ponto deixarão de existir os cartéis se as drogas forem legalizadas. Se poderiam se dedicar a outros negócios, como a extorsão ou o tráfico de pessoas”. Sánchez considera que é necessário arriscar: “Não me lembro de uma política que gere mais violência do que a da proibição”.
Fonte: Opera Mundi
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