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sábado, 27 de fevereiro de 2021

Pró-Esia - Fábrica de Versos... A filosofia do homem que mora em um castelo de areia: “Tento não me apegar a nada

Márcio Mizael vive do efêmero numa praia do Rio de Janeiro. Ele mora na rua desde os 8
Márcio Mizael Matolas nasceu há 44 anos em um bairro paupérrimo do Rio de Janeiro, mas hoje mora num castelo. Construído num dos calçadões com o metro quadrado mais caro da cidade, ele tem vista livre para o Atlântico, vizinhos nobres e uma quadra de vôlei no quintal. O homem usa coroa de rei e os banhistas param para tirar fotos junto à fortaleza. Seu reinado, porém, é tão efêmero como a areia, mas foi assim que concebeu sua forma de viver: “As pessoas gostam muito de possuir. Eu tento não me apegar a nada”.

Márcio Mizael Matolas nasceu há 44 anos em um bairro paupérrimo do Rio de Janeiro, mas hoje mora num castelo. Construído num dos calçadões com o metro quadrado mais caro da cidade, ele tem vista livre para o Atlântico, vizinhos nobres e uma quadra de vôlei no quintal. O homem usa coroa de rei e os banhistas param para tirar fotos junto à fortaleza. Seu reinado, porém, é tão efêmero como a areia, mas foi assim que concebeu sua forma de viver: “As pessoas gostam muito de possuir. Eu tento não me apegar a nada”.

O homem, apelidado “Castelinho”, perdeu o pai assassinado antes de nascer e aos oito anos se lançou à rua. Começou vendendo quadrinhos, revistas e livros velhos no bairro do Flamengo, na zona sul da cidade, sem saber ler uma palavra do que oferecia. Foi na praia desse bairro onde lembra ter construído seu primeiro castelo: uma pirâmide. “Depois aprendi a fazer pirâmides incas, maias, astecas... Via os desenhos nas revistas”, relembra quase quatro décadas depois sob a sombra de uma árvore da praia do Pêpe, na Barra de Tijuca.

Com cerca de 10 anos, Castelinho já fazia seu dinheiro, ajudava a mãe e era conhecido no bairro. Sempre rodeado de livros, os moradores ensinaram ele a ler. Não sabe dizer quantas obras já devorou desde então, mas há uma que não esquece, mesmo porque já a leu quatro vezes. Capitães de Areia, de Jorge Amado, narra o cotidiano de um grupo de meninos sem teto na Bahia e também o dele próprio. “Ele retrata bem a vivência de rua, o sentimento de egoísmo e de solidão”, diz este rei de bermuda.

Um dia uma família se dispôs a adotá-lo, mas ele se recusou. “Eu sempre quis o carinho da minha família, não de outra”, explica. “Sempre vi as mães dos outros abraçando os filhos e eu chorava muito com isso. Ela já me abraçou quando eu fui mais velho, mas sabe essa coisa de que, quando arranha, é difícil tirar a marca?”.

Com 14 anos, Castelinho acumulava mais de 15.000 livros numa rua de Leblon e nos tempos vagos ia para a praia para construir sereias e jacarés que o mar levava antes de qualquer um admirar. Começou também a brincar com origami, a arte japonesa de dobrar papel que um senhor lhe ensinou no hospital quando se recuperava do atropelamento de um ônibus. Fazia borboletas, mas também bonecos complexos. Casou e foi, por fim, morar sob um teto. Não deu certo. Tampouco os relacionamentos que vieram depois. “Poxa, há tanto tempo que não sinto o amor... Elas não entendem minha liberdade. Em seguida querem mudar como eu vivo. Me dizem: pô, eu não quero morar num castelo!”, diz rindo, com seu sorriso quebrado, da sua própria ironia.


O habitáculo onde ele mora, nos fundos desse palácio, tem até seu jeito. Escondido na estrutura de areia, o buraco tem sacos de dormir e redes no chão e prateleiras de livros nas paredes. Na porta fica Humana, a cachorra. “Já fiz castelo em Copacabana, onde tem um monte de turista. Mas aqui é sossegado, posso ler”. Protegido de desabamentos por sacos de areia e pilares de madeira, Castelinho não teme a chuva tropical do verão. “É pior o sol, que seca tudo e estraga”, diz, prometendo se dedicar umas quantas horas a restaurar sua obra.

Castelinho acha que lembrar do pior momento da vida é um exercício difícil. Mas recorda o mais feliz. “Uma vez eu fiz um castelo mirabolante em Copacabana, me deitei na frente dele e pensei: Cara, sou foda!”. No sol escaldante do início do verão, cigarro numa mão e uma latinha de cerveja na outra, o homem alimenta seu sonho: montar um ateliê onde trabalhar com mais matéria efêmera.


Durante a conversa, duas mulheres de chinelo de salto, vestidos de renda compridos e óculos de espelho posam com duas crianças na frente do palácio. Sentam numa cadeira de madeira batizada de “Trono das Estrelas” e lançam as melenas para um lado. “Pode botar a coroa!”, grita Castelinho de longe. As visitantes o ignoram, terminam suas fotos e vão embora sem soltar um centavo. “Antes eu brigava, tentava explicar que isto aqui não nasce sozinho, que preciso carregar areia, água, que preciso manter a estrutura, que as costas doem. Mas há um tempo que resolvi que era um desgaste, e que viva a arte!”.

Fonte:El País

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Imigrantes no Acre vivem limbo em meio à Covid-19 e clima tenso na fronteira

Situação vivida pelos imigrantes na fronteira também expressa indiferença por parte dos governos nacionais quanto à questão migratóriaFronteiras fechadas, condições precárias, risco de contrair Covid-19 e um clima crescente de tensão. Eis um resumo da situação vivenciada no momento por imigrantes que estão no estado do Acre, mais exatamente na região de fronteira do Brasil com Peru e Bolívia.

Fronteiras fechadas, condições precárias, risco de contrair Covid-19 e um clima crescente de tensão. Eis um resumo da situação vivenciada no momento por imigrantes que estão no estado do Acre, mais exatamente na região de fronteira do Brasil com Peru e Bolívia.

Um grupo de pelo menos 500 imigrantes está na região de Assis Brasil, com a intenção de deixar o Brasil por via terrestre. Na quarta (24) chegou ao município mais um ônibus com 60 imigrantes. O roteiro é semelhante dos que já estão na região há mais tempo: eles chegaram ao estado de avião, desembarcam na capital Rio Branco e seguem de ônibus para Assis Brasil (último ponto brasileiro da fronteira).

A maioria do grupo é composta por pessoas de nacionalidade haitiana, mas também há representantes de outras nacionalidades. Segundo dados da Caritas Dioecesana de Rio Branco, ao menos 40% dos imigrantes que estão em Assis Brasil são mulheres e crianças.

A maior parte está em dois abrigos improvisados dentro de escolas públicas no município. De acordo com a Pastoral do Migrante local, há também 80 pessoas dormindo na rua e 70 acampadas na Ponte Binacional que liga a cidade acreana a Iñapari, já no lado peruano, como forma de protesto.

Com o fechamento da ponte, caminhões dos dois lados da fronteira não conseguem passar. O protesto gera grande insatisfação por parte dos motoristas, que temem prejuízos com as cargas paradas e querem a reabertura da via.

Pessoas que acompanham a situação na fronteira ouvidas pelo MigraMundo temem que ocorra um conflito na região, caso a insatisfação alcance níveis mais altos.

Jornada incerta

Em razão da pandemia, muitos imigrantes perderam seus empregos e passaram a enfrentar dificuldades financeiras no Brasil – que também vive mau momento na economia, agravado pela Covid-19.

Diante desse cenário, mesmo com as fronteiras fechadas, alguns decidem apostar em uma nova migração para tentar obter melhores condições de vida em outro país.

Essa jornada, que já é complicada em circunstâncias normais, se torna ainda mais penosa, complexa e perigosa diante da Covid-19. Para tentar frear a disseminação do vírus, países em todo o mundo vêm fechando fronteiras e adotando critérios cada vez mais severos para admitir pessoas de outros países em seus territórios.

Como resultado, os imigrantes que tentam sair do país para seguir viagem por outras nações do continente vivem uma situação de limbo. Possuem pouco ou nenhum dinheiro para se manter no Brasil, ao mesmo tempo que não conseguem passar para outros países. Ao mesmo tempo, ficam ainda mais suscetíveis ao contágio pelo novo coronavírus.

As fake news também possuem uma parcela de culpa pela situação na fronteira. Correm entre os imigrantes boatos de que as fronteiras do Peru e dos Estados Unidos estão abertas, o que encoraja muitas pessoas a venderem tudo na esperança do “sonho americano”.

Um comunicado em creole haitiano, escrito pela Defensoria Pública da União (DPU), já circula entre grupos de WhtsApp acessados por imigrantes e visa conscientizar sobre os riscos de tentar sair do Brasil no momento.

Alguns, inclusive, já decidiram fazer o caminho de volta e desistiram de sair do Brasil. Um grupo de cerca de 20 pessoas deixou a ponte na sexta-feira (19) e seguiu para a capital do Acre, Rio Branco, tendo São Paulo como destino final.

“Por pior que esteja a situação dos migrantes nas cidades de origem em que estão residindo, ao menos nelas é possível conseguir algum bico pra prover o sustento. Assis Brasil oferece zero empregos, sem falar nos riscos de Covid-19 nos abrigos. Estamos tentando divulgar pros grupos de migrantes que a fronteira não está aberta e que esse não é o melhor momento para tentar sair do Brasil”, explica a defensora pública Larissa Moisés, que integrou uma comitiva da DPU que conheceu de perto a situação na fronteira com o Peru.

A Defensoria relata haver imigrantes que tentam driblar o fechamento da fronteira peruana com a ajuda de coiotes. No entanto, a fiscalização peruana tem conseguido impedir a entrada da maioria dos que se arriscam por essa opção, além de usar a força para impedir travessias por meio da ponte. Quem tenta fazer o mesmo por meio da fronteira com a Bolívia também não tem obtido sucesso.

Tensão no Acre e indiferença federal

O próprio estado do Acre vivem um momento delicado em meio à questão migratória. A estação chuvosa tem sido mais intensa que o normal, causando transbordamento de rios e enchentes em todo o estado. A pandemia também alcança patamares cada vez mais altos, inclusive em Assis Brasil. O estado já contabiliza ao menos 55 mil casos do vírus, com 975 mortes, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde.

Diante desse cenário, o prefeito de Assis Brasil, Jerry Correia (PT), decretou estado de calamidade pública no município e pede constantemente por ajuda do governo federal para resolver a questão.

“Pedimos que o MPE e MPF se posicionem a respeito da crise humanitária que vivemos aqui. Eu pergunto: é humanitário permitir que crianças e mulheres grávidas fiquem por dias em uma ponte debaixo de sol e chuva? Esta prefeitura não deixou de assistir essas pessoas em nenhum momento. Mesmo no limite de nossas condições temos garantido água, comida, abrigo e atendimento médico. Chegamos a fornecer 1.500 refeições por dia. É uma situação de guerra que foge totalmente da nossa capacidade de gerenciamento. Estamos pedindo socorro”, afirmou o prefeito em mensagem compartilhada com grupos da sociedade civil que atuam no Acre.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até esteve no Acre na última quarta-feira (24), mas sequer passou perto da região de fronteira. A medida federal mais efetiva até o momento foi a autorização do uso da Força Nacional de Segurança Pública no Acre.

A portaria, assinada pelo Ministério da Justiça em 17 de fevereiro, vale por 60 dias e estabelece que o efetivo deve auxiliar “nas atividades de bloqueio excepcional e temporário de entrada no país de estrangeiros, em caráter episódico e planejado”.

O efetivo de 12 militares já se juntou a policiais federais, agentes do batalhão de choque da Polícia Militar e do Grupo Especial de Fronteiras (Gefron) que atuam na região.

Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores informou que tem mantido contato com as autoridades peruanas sobre a questão, e confirmou que o fechamento da fronteira é motivado pela pandemia de novo coronavírus.

O governo peruano, por sua vez, diz que estuda uma forma para liberar a passagem dos imigrantes pelo território, mas que por enquanto a fronteira não será liberada.

Resolver a questão da fronteira virou uma espécie de “pergunta de um milhão de dólares”, segundo a defensora. “Eu e várias pessoas da comitiva nos perguntamos isso o dia todo no tempo que estivemos lá”.

A Caritas e a Pastoral do Migrante informam que mantêm “diálogo constante com as lideranças dos imigrantes para minimizar o impacto negativo, assistindo as suas necessidades: alimentação, medicamento, kits de higiene pessoal e coletiva na medida do possível.

Ponto de passagem e mobilidade seletiva

O Acre ficou conhecido na última década como ponto de entrada no Brasil da migração haitiana, especialmente entre 2010 e 2015. Nos anos seguintes, o estado se consolidou como um local de passagem de imigrantes: tanto são verificados aqueles que deixam o Brasil para outros países quanto outros que fazem o caminho inverso, de ingressar no território brasileiro.

Em meados de 2020, ganhou destaque a situação vivida por imigrantes, em sua maioria venezuelanos, que acamparam sob chuva e sol na ponte que liga Peru e Brasil, na esperança de solicitar refúgio em território brasileiro.

A situação na fronteira mobilizou entidades da sociedade civil e a Defensoria Pública da União, que protocolaram ações junto à Justiça brasileira em favor dos imigrantes. Um tipo de ação que não é possível no atual contexto, uma vez que o desejo do grupo em Assis Brasil é de ingressar no Peru para seguir viagem pelo continente.

Para Letícia Mamed, professora de Teoria Social/Sociologia da Universidade Federal do Acre (UFAC), esse contexto reforça a necessidade de se pensar em uma estrutura permanente no estado que atenda aos desafios trazidos pela temática migratória.

“É preciso suplantar a tendência a uma atuação emergencial, que lida com o problema de modo circunstancial, para encarar o desafio de pensar e desenvolver uma política ativa e realista ao contexto do Acre, em conformidade com o seu atual posicionamento nas rotas internacionais de migração”.

A pesquisadora também critica o caráter seletivo adotado pelos governos nacionais – tanto o brasileiro quanto o peruano – quanto à admissão de pessoas de outros países. Ambos têm adotado medidas restritivas à mobilidade humana em entradas por via terrestre ou aquaviária, mas flexibilizam o acesso por via aérea, que tende a ser usado por pessoas mais abastadas.

“Isso evidencia, portanto, o tratamento diferenciado e seletivo dispensado pelos governos aos imigrantes: aos empobrecidos, oriundos da América Latina, Caribe e África, majoritariamente negros, a política assume caráter restritivo e repressivo; aos abastados, provenientes dos países considerados desenvolvidos, a política é ampla e condescendente, capaz de implementar procedimentos que conciliam as preocupações sanitárias e a preservação do direito humano à mobilidade”, analisa.

Fonte: Migra Mundo

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Após superar 250 mil mortos, Brasil registra mais de 1500 óbitos nas últimas 24h

O Brasil registra hoje (25) o dia com mais mortos pela covid-19 desde o início do surto, em março de 2020. Um ano após o primeiro infectado, o país vive seu pior momento. Também hoje foi superada a marca de 250 mil mortos, de acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Foram 1.541 óbitos no dia, totalizando 251.498 desde o início da pandemia do novo coronavírus.

O Brasil registra hoje (25) o dia com mais mortos pela covid-19 desde o início do surto, em março de 2020. Um ano após o primeiro infectado, o país vive seu pior momento. Também hoje foi superada
 a marca de 250 mil mortos, de acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Foram 1.541 óbitos no dia, totalizando 251.498 desde o início da pandemia do novo coronavírus.
O balanço do Conass indica o dia 7 de janeiro como o mais letal, com 1.841 mortos. Entretanto, na ocasião, foram somados registros de dias anteriores em razão da falta de repasse de dados por alguns estados. Diante disso, a partir da métrica sem considerar erros estatísticos, hoje foi o dia com maior número de vítimas. Também é o dia que registra maior média de mortos por dia, calculada em sete dias.

Mortes em alta

A média de mortes está em curva com forte tendência de crescimento. Desde segunda-feira (22), a média de vítimas subiu mais de 10%. Hoje, o cálculo está em 1.149 mortes por dia, número superior ao pior momento do primeiro impacto da covid-19 no país, entre junho e setembro. Também há 30 dias essa média está acima de mil mortes por dia.

Em relação ao número de novos casos diários, igualmente há tendência de crescimento. Isso reafirma o descontrole na pandemia no Brasil desde o início do ano, apontada pelo Imperial College de Londres. No último período, o país registrou 65.998 novos casos. Desde março, são 10.390.461 infectados, sem considerar a subnotificação. O Brasil é o segundo país com mais mortes no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e o terceiro em número de infectados, atrás dos norte-americanos e da Índia.

Colapso na saúde

O pior momento do surto de covid-19 no Brasil está evidenciado no colapso do sistema de saúde de várias cidades. Em São Paulo, as cidades de Araraquara e região vivem o esgotamento de leitos. O estado também registra recordes diários de internados em UTIs. Na Bahia, o governo anunciou medidas rígidas de isolamento com a proximidade da falta de leitos. O cenário se repete por todo o país. Manaus, assim como na primeira onda, antecedeu a tragédia em nível nacional, entrando em colapso já em janeiro.

Em Santa Catarina, a taxa de ocupação das UTIs ultrapassa os 90% em grande parte do estado que, na média, tem 84% de esgotamento. No Paraná e Rio Grande do Sul, situações semelhantes, com as capitais dos respectivos estados com menos de 10% de oferta de leitos. A situação é trágica em todo o Brasil. O Nordeste ainda segue com surto mais controlado, mas as curvas epidemiológicas ascendentes começam a ameaçar a estabilidade local.



Brasil na contramão

O Brasil está na contramão do mundo em relação à disseminação da covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou ontem que a média global de infectados e mortos pelo coronavírus caiu pela sexta semana consecutiva. O país sul-americano é uma das poucas exceções dentro dessa tendência. Na última semana, os casos de covid-19 caíram 11% e as mortes, 20%, mas dos 66 mil óbitos registrados em todo o mundo, 7.445 foram no Brasil.

A redução do número médio de mortes no mundo tem relação, especialmente, com medidas de isolamento social adotadas em larga escala na Europa. Elas reduziram drasticamente o contágio (mais de 80% em três meses no Reino Unido, por exemplo). Além disso, o avanço nas campanhas de vacinação. Mas o Brasil retoma de forma tímida o processo de imunização e a campanha nacional segue frágil. A boa notícia é a segurança das vacinas que são atestadas no cotidiano, como informa o cardiologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Marcio Bittencourt.

 


Vacinas salvam

Outro país que vê a curva de mortalidade reduzir e o surto de covid-19 ser controlado é Israel. Lá, já foram vacinados com uma dose, mais de 90% da população. E com duas doses, de forma definitiva, mais da metade dos cidadãos. O Reino Unido também tem alcance amplo no processo de vacinação a partir do sistema público de saúde local, o NHS (National Health Service). E se aproxima de 30% da população imunizada.

Em alta velocidade também estão os Estados Unidos. Desde o início do ano – após a saída de Donald Trump da presidência – os norte-americanos reduziram o contágio em mais de 70%. E seguem em ritmo acelerado. Mais de 66 milhões de pessoas receberam alguma dose da vacina, maior número absoluto do mundo. E 20% da população já recebeu pelo menos uma dose de vacina. Os imunizados somam 14%.

Enquanto isso, o Brasil tem 3,55% da população atingida pela primeira dose e 2,8% imunizada. De todas as vacinas disponíveis, 7,6 milhões já foram aplicadas. Além da morosidade no processo de imunização, o país patina diante de um governo federal, sob presidência de Jair Bolsonaro, negacionista. Mesmo diante dos milhares de mortos e milhões de adoecidos, Bolsonaro continua a rejeitar ações de controle do vírus e incentivar aglomerações, como fez desde o início do surto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Perícia não encontra provas de pedofilia em eletrônicos de PC Siqueira

Durante perícia realizada em dispositivos eletrônicos do youtuber PC Siqueira, investigado por pedofilia desde o ano passado, a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, não encontrou evidências que possam incriminá-lo. As informações são do Notícias da TV.

Durante perícia realizada em dispositivos eletrônicos do youtuber PC Siqueira,
 investigado por pedofilia desde o ano passado, a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, não encontrou evidências que possam incriminá-lo. As informações são do Notícias da TV.

Os relatórios expedidos pelo órgão apontam que PC não armazenava ou compartilhava fotos ou vídeos de conteúdo pornográfico de menores de idade, não teve conversas com outras pessoas sobre o tema e também não fez buscas em sites de pesquisas a respeito do assunto. Durante a investigação, foram analisados o computador, HD externo, celular, videogame e outros dispositivos eletrônicos do youtuber.
Conversa em ‘contexto jocoso’

Ainda segundo o portal, há um só documento em que o tema investigado foi encontrado em um computador: em uma conversa entre 2008 e 2011, PC Siqueira falava com uma garota identificada como Vanessa pelo aplicativo QQ, popular no início dos anos 2000. De acordo com o relatório, os dois flertavam de maneira suave e a conversa não tinha teor sexual.

Em meio à conversa, duas frases escritas por PC foram destacadas no relatório: “Na verdade, eu sou pedófilo” e “Tenho essas coisas para atrair menores de idade”. De acordo com o documento, as duas falas foram extraídas de um contexto jocoso.

A primeira frase foi enviada pelo youtuber depois Vanessa disse que sua carteira tinha desenhos de bichos. Ela também mostrou a cópia de um RG antigo, de quando ainda era menor de idade. Já a segunda foi dita depois que PC mostrou seu quarto a ela, pela sua webcam. Vanessa comentou sobre alguns brinquedos no local, e ele brincou dizendo que eram para atrair menores de idade.

Mesmo com o resultado na busca pericial, a investigação do caso segue em andamento e não tem previsão de conclusão.

O caso

O youtuber PC Siqueira virou alvo de comentários nas redes sociais no dia 10 de junho de 2020, depois de ter uma suposta conversa vazada envolvendo pedofilia. Um perfil no Twitter publicou um vídeo em que PC teria enviado a foto de uma criança de 6 anos nua para um amigo (relembre aqui).

No vídeo com supostas mensagens de PC, o youtuber teria enviado uma foto das partes íntimas de uma criança de 6 anos para um amigo. No registro, o youtuber teria dito que tratava-se da filha de uma conhecida dele, com quem teria feito um chamada de vídeo. “Ela mandou a filha mostrar a bunda pra você”, questionou. “Meio que sim”, teria respondido Siqueira.

Em outro trecho da suposta conversa, PC Siqueira ainda teria dito que não foi a primeira vez que a mulher “mandou foto” da menina. Antes, o responsável por receber a foto chega a questionar a idade da garota, ao que o youtuber respondeu: 6 anos. “Mandou foto da menina como?”, questiona o amigo. “hahahaha tem gente assim no mundo. Como cê acha?”, disse PC. “Pelada caraio?”, devolveu o outro lado. “hahahaha lógico”, retorna o youtuber.

À época, PC Siqueira negou as acusações e disse ter sido alvo de uma “articulação criminosa” que tentou acusá-lo de “algo terrível”. O objetivo era com certeza me descredibilizar, fazer com que minha voz fosse calada e que a opinião pública me agredisse cegamente. Mas se trata de uma mentira escancarada e grotesca!”, disse.

Fonte:BHAZ

Pró-Esia - Fábrica de Versos... Nordestes mil – as múltiplas narrativas de Juliana Linhares

Foi no teatro que Juliana Linhares se encontrou primeiramente com a arte.
A entrevistada da seção #ArtistaFOdA desta semana nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, e atualmente mora no Rio de Janeiro. Ela conta que acabou entrando num grupo de teatro escolar após uma sugestão feita pela sua mãe, que pensou nessa possibilidade para poder ajudá-la com alguns exercícios de interpretação de texto. “Eu entrei no teatro e mal sabiam eles que o teatro ia tomar a minha vida como tomou. Nem eu imaginava que eu ia me encontrar tanto lá.”
A entrevistada da seção #ArtistaFOdA desta semana nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, e atualmente mora no Rio de Janeiro. Ela conta que acabou entrando num grupo de teatro escolar após uma sugestão feita pela sua mãe, que pensou nessa possibilidade para poder ajudá-la com alguns exercícios de interpretação de texto. “Eu entrei no teatro e mal sabiam eles que o teatro ia tomar a minha vida como tomou. Nem eu imaginava que eu ia me encontrar tanto lá.”

A partir daí, ela começou a se apresentar em alguns lugares e, com 17 anos, percebeu que também tinha uma habilidade para cantar. Mas ela ainda não se entendia como cantora.

“Eu sempre falo isso. Quando você é cantor ou cantora, você tem mais noção do que a sua voz representa ou do que ela pode representar, ou pelo menos deveria ter. Porque na hora que você se coloca como cantor, a pessoa está muito ali para te ouvir. Eu sinto que eu sou cantora desde o momento em que eu entendi que podia assumir esse lugar, que eu sabia o que estava dizendo, que eu sabia o que estava fazendo.”

Dona de uma voz potente, Juliana já se apresentou por muitos palcos pelo país, seja com a banda Pietá, que surgiu em meados de 2011, quando ela estudava direção teatral na UNIRIO, ou até mesmo com espetáculos musicais, dos quais ela fez parte do elenco. A artista também integra o projeto Iara Ira ao lado de Duda Brack e Julia Vargas. Partindo da imagem de Iara, tradicional figura do folclore brasileiro, o projeto surgiu com a ideia de unir, pela primeira vez, três das destacadas vozes femininas da jovem geração da MPB, para então rever esta lenda, tirando a sereia do imaginário de um canto letárgico e nostálgico. As canções de Iara Ira estão disponíveis nas plataformas digitais e podem ser acessadas aqui.

Sobre o surgimento da banda Pietá, que também é composta por Frederico Demarca e Rafael Lorga, ela comenta: “Foi um momento de descoberta de uma autoralidade, de diferentes formas. Tanto dentro da banda, com um processo de música autoral, que era uma coisa muito nova pra mim como, ao mesmo tempo, pude também descobrir a autoralidade da minha própria voz, nesse estudo do canto.”

De lá pra cá, 2020 foi um ano que abriu também novas possibilidades na sua carreira, a partir do lançamento do seu primeiro trabalho solo. “A minha identidade como cantora se tornou muito misturada com a identidade do Pietá. E foi muito difícil pra mim entender quem eu era. É muito doido quando você é cantora de uma banda e lança um trabalho solo”.

Em dezembro do ano passado, ela lançou o EP “Perdendo o Juízo” como uma primeira experiência no campo das composições. “Eu vim amadurecendo uma coisa no meu coração, entendendo que eu precisava compor, que eu estava com a necessidade de me colocar dessa forma no mundo. De entender que eu posso, que eu sou capaz sim, e que eu não preciso me comparar às composições do Pietá. Então, no meio do processo do disco que eu estou preparando para este ano, eu fui convidada para participar de um lançamento de uma aceleradora de mulheres do Rio Grande do Norte, de Natal, chamada Pólen Aceleradora, e elas resolveram fazer um desafio que era desenvolver em 02, 03 meses um EP de 03 canções, com 03 vídeos de apresentação, produzido por mulheres.”

Juliana convidou a cantora Josyara, que é sua amiga, para poder assinar a produção musical deste trabalho. “Foi uma estreia nossa e foi muito importante para a nossa relação.” O EP conta também com outras parcerias, como é o caso do single que dá nome ao trabalho – uma composição desenvolvida em conjunto com Julia Branco, que também participa dos vocais da música.

Assista ao vídeo oficial de “Perdendo o Juízo”:

Mas é em 2021 que Juliana acredita que acontecerá de fato a sua estreia numa carreira solo. Ela lançará ainda no primeiro semestre o disco “Nordeste Ficção”. Para o desenvolvimento deste trabalho, ela compartilha que foi buscando entender sobre o que poderia falar e sobre o que seria interessante da sua voz falar nesse momento.

“Dentro de tudo isso, eu escolhi um tema que é o Nordeste Ficção, que é a invenção do Nordeste. E eu queria trazer para o disco, trazer para esta pauta do trabalho, neste momento, esta discussão. A discussão de um Nordeste inventado, que data de algo muito recente. De um Nordeste inventado após o surgimento de um regionalismo como conceito, e de como isso foi estabelecido, instaurado, reproduzido e continua sendo repetido até hoje, inclusive através deste disco que eu vou lançar. Eu não quero com o meu disco quebrar nada. Eu só quero falar sobre isso.”

Ela também conta que este lançamento trará parcerias muito importantes, de pessoas que fizeram parte da sua formação musical, como é o caso do artista Zeca Baleiro, uma referência para o desenvolvimento do seu trabalho.

“No disco, eu queria brincar com as ficções que existem, que a gente estabeleceu, que a gente gosta e que a gente segue. Eu vou seguir defendendo o cuscuz, eu vou seguir defendendo o forró… Mas, ao mesmo tempo, eu quis também brincar com as coisas que são menos esperadas. Eu queria que as pessoas entendessem que o Nordeste sempre é muito mais diverso. Que essas fronteiras estão em eterna modificação. Que as fronteiras não são criações geográficas. Elas são criações de discursos políticos, elas vêm a partir de lutas políticas, então a gente está aqui pra mexer, para fazer essas fronteiras balançarem.”

A artista comenta que o disco tem um tom festivo e que também aborda outros assuntos que fazem parte das suas vivências. “Fiz uma música que é uma lambada divertida para uma mulher, e durante o show eu quero poder falar sobre isso, quero fortalecer esse tipo de afeto, de amor, de relacionamento, de existência.”

Ainda conversando sobre o que motivou esta criação, ela conclui: “Ser nordestino é muito complexo. A gente é muito múltiplo, a gente é muito diferente. Cada estado é uma coisa… E colocaram a gente numa mesma massa. Ao mesmo tempo, não é só que colocaram, mas a gente mesmo reproduz também um tipo de história do Nordeste que nos faz permanecer em alguns lugares, com dificuldade de virar essa chave. Eu quero mais é poder falar sobre as fronteiras fluidas, sobre o discurso político potente de transformação. Poder entender como a gente foi parar nesse lugar, quais são os feitos midiáticos que fazem a gente ser dessa forma, o que a gente incorporou e reproduziu, e como a gente pode modificar isso a partir do momento em que tomamos consciência e entendemos que estamos vivos. Que Nordeste é esse que a gente quer agora? Eu quero seguir nessa construção viva e não enraizada. Esse lugar enraizado do Nordeste é equivocado, ele é fake. A gente está livre para poder fazer acontecer.”

Para acompanhar os novos trabalhos de Juliana, é só seguir o seu perfil no Instagram: @xulianalinhares. A banda @pieta_ também está por lá, e ela adiantou que logo mais será lançado um novo single do grupo, ainda em fevereiro.

Acompanhe a seção #ArtistaFOdA, que se propõe a semanalmente apresentar trabalhos de artistas LGBTQIAP+ das mais diversas linguagens, e siga @planetafoda.
*@planetafoda é a página de conteúdos LGBTQIAP+ produzidos pela rede FOdA, da Mídia NINJA, junto a colaboradores em todo o Brasil.

Fonte: Mídia Ninja

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Moro mandou a Dallagnol dossiê contra ministro do STJ Ribeiro Dantas

Sergio Moro, quando era juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, elaborou dossiê sobre o ministro do Superior Tribunal de Justiça Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e o enviou ao procurador Deltan Dallagnol. Após pressão da autoproclamada força-tarefa da “lava jato”, Ribeiro Dantas deixou de ser relator dos processos da operação na corte.

Sergio Moro, quando era juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, elaborou dossiê sobre o ministro do Superior Tribunal de Justiça Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e o enviou ao procurador Deltan Dallagnol. Após pressão da autoproclamada força-tarefa da “lava jato”, Ribeiro Dantas deixou de ser relator dos processos da operação na corte.

As mensagens constam de petição apresentada pela defesa do ex-presidente Lula, nesta segunda-feira (22/2), ao Supremo Tribunal Federal. O diálogo faz parte do material apreendido pela Polícia Federal no curso de investigação contra hackers responsáveis por invadir celulares de autoridades. A ConJur manteve as abreviações e eventuais erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.

Em conversa no Telegram em 17 de dezembro de 2015, Sergio Moro diz a Deltan Dallagnol que precisa de manifestação do MPF no pedido de revogação da prisão preventiva do pecuarista José Carlos Bumlai até às 12h do dia seguinte. Em seguida, o então juiz federal critica a atuação de Ribeiro Dantas.

“Olhem isso que bizarro. Marcelo Navarro denegava soltura em casos MUITO MENOS GRAVES e com muitos menos fundamentos. Ele não substituía sempre com base no argumento de que a pena é superior a 4 anos!!! Vou selecionar uns acórdãos de casos bem mais fracos ainda, mas segue análise feita aqui e as ementas.”

Moro então envia a Dallagnol decisões de Ribeiro Dantas quando era desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, compiladas por José Avelino de Souza Júnior, diretor do Núcleo de Processamento dos Feitos Penais da corte.

“Dr. Deltan, basicamente o Min. Marcelo Navarro, então Des. Fed. do TRF5, manteve a maioria das prisões preventivas quando apreciou HCs contra as decisões originárias, pelo menos considerando as decisões mais recentes (de 5/2012 até 4/2015). Pelo que percebi, o argumento maior e que se repete é a higidez/idoneidade dos decretos prisionais, fundados na necessidade da efetiva aplicação da lei penal, na conveniência da instrução processual e na garantia da ordem pública, e a ausência de irregularidades que pudessem caracterizar coação ilegal.”

No levantamento, Souza Júnior aponta que, “em praticamente todas as decisões”, Ribeiro Dantas negou o pedido de substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas com o argumento de que a pena máxima para o delito ultrapassava quatro anos. O artigo 313, I, do Código de Processo Penal, admite a decretação de prisão preventiva para tais crimes. Mas o servidor informa que o ex-desembargador do TRF-5 também negou a substituição da detenção em casos de delitos com pena inferior a esse patamar. Nessas situações, o argumento foi o de que o acusado também respondia a outras infrações de maior gravidade.

“Em suma, percebi que a tendência dele foi manter as prisões enquanto esteve no TRF5. Só para ter uma ideia (não vi todos os processos, pois são cerca de 63 que retornaram pelo critério que usei), em praticamente todos os mais recentes dele que pesquisei com a palavra-chave ‘prisão preventiva’ (foram 24 que vi), a decisão foi pela manutenção da prisão e impossibilidade de substituição por outras medidas cautelares, com denegação do HC (isso ocorreu em 22 processos). Em apenas 2 casos ele concedeu o HC, em 1 por excesso de prazo e em outro por excesso no valor da fiança.”

Ataques a ministro

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas foi indicado para o STJ pela então presidente Dilma Rousseff em 2015. Ele tomou posse em 30 de setembro, e virou relator dos processos da operação “lava jato” na corte.

O ministro entrou na mira da “lava jato” depois que Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, afirmou à Procuradoria-Geral da República ter ouvido que havia uma “movimentação política” para que seu pai obtivesse um HC por intermediação de um ministro de sobrenome “Navarro”.

Em delação premiada, o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS) afirmou que Dilma, antes de escolher alguém para o STJ, tinha lhe pedido que “conversasse como o desembargador Marcelo Navarro, a fim de que ele confirmasse o compromisso de soltura de Marcelo Odebrecht e Otávio Marques de Azevedo”, da Andrade Gutierrez. Segundo Delcídio, Ribeiro Dantas “ratificou seu compromisso”. As acusações do ex-senador nunca foram comprovadas, e as investigações contra o magistrado não seguiram em frente.

No entanto, o ministro passou a ser perseguido pela “lava jato”. Em uma conversa de 5 de março de 2016, a procuradora Carolina Rezende, da PGR, diz que o objetivo da operação deve ser “atingir Lula na cabeça”.

O diálogo ocorreu um dia depois do ex-presidente ser levado coercitivamente para depor na Polícia Federal. “Depois de ontem, precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1), para nós da PGR, acho que o segundo alvo mais relevante seria Renan [Calheiros, PMDB-AL]”, afirmou.

Ainda segundo a procuradora, “atingir ministros do STF” naquele momento poderia fazer com que a “lava jato” comprasse uma briga “com todos ao mesmo tempo”. O melhor seria “atingirmos nesse momento o ministro mais novo do STJ”, disse Carolina, referindo-se a Ribeiro Dantas.

“Não temos como brigar com todos ao mesmo tempo. Se tentarmos atingir ministros do STF, por exemplo, eles se juntarão contra a LJ [“lava jato”], não tenho dúvidas. Tá de bom tamanho, na minha visão, atingirmos nesse momento o min mais novo do STJ. Acho que abrirmos mais uma frente contra o Judiciário pode ser over. Por outro lado, aqueles outros (Lula e Renan) temas para nós hj são essenciais p vencermos as batalhas já abertas.”

Ribeiro Dantas negou diversos pedidos de Habeas Corpus de acusados da “lava jato”, como os de João Vaccari Neto, ex-secretário de finanças do PT, e do empresário Carlos Habib Chater. Porém, votou a favor da libertação de Marcelo Odebrecht e de Otávio Marques de Azevedo na 5ª Turma do STJ. Ele ficou vencido e transferiu a relatoria dos processos da “lava jato” ao ministro Felix Fischer.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Minha vizinha vai morrer

Será mais uma vítima da violência doméstica, do cinismo e da pouca importância que damos para a vida da mulher brasileira 

Minha vizinha vai morrer. Será mais uma vítima da violência doméstica, do cinismo e da pouca importância que damos para a vida da mulher brasileira. Ela berra, xinga, implora para o marido parar de bater. Ele para assim que ela e as filhas pequenas choram e saem gritando pelos corredores e escadas.
Minha vizinha vai morrer. Será mais uma vítima da violência doméstica, do cinismo e da pouca importância que damos para a vida da mulher brasileira. Ela berra, xinga, implora para o marido parar de bater. Ele para assim que ela e as filhas pequenas choram e saem gritando pelos corredores e escadas.
Não sei bem onde essa família mora, mas é perto, ouço os pratos quebrarem, móveis caindo e o choro dessa mulher e das suas pequenas filhinhas. Essa vítima é provavelmente da minha idade, imagino quem seja, vejo a tristeza nos encontros no estacionamento. O porteiro me disse que o pai do agressor é costa quente. Chove de polícia quando eles brigam. Todos nós já denunciamos à administração do condomínio. O agressor sei quem é, não olha nos olhos, sempre olha pro chão. Sempre corre pra algum lugar após bater na moça de olhos claros e tristes.
"1.314 mulheres mortas em 2019, uma a cada 7 horas, em bairros ricos, mais ou menos e pobres, e esse cenário tende a piorar, infelizmente. Torço para não encontrar qualquer dia desses com o pessoal do IML no elevador, vindo buscar o corpo da minha vizinha que tanto sofre"

Minha vizinha, infelizmente, pode ter o mesmo fim que a irmã do meu querido amigo santista teve, no último final de semana ela foi jogada embaixo de um caminhão. Ela morreu na hora, aos 38 anos, quase da minha idade, deixou três filhas, uma mãe e irmãos sem chão, sem vida, sem entender nada. Um ex-namorado que ninguém chegou a conhecer, teve a coragem de fazer o que fez. Hoje dorme numa cela fria e olha pra parede e não se arrepende do que fez.A minha vizinha parece que sabe que vai morrer. Me disseram que eles mudaram do condomínio, mas ontem dei de cara com ela na portaria, envergonhada, agora ela também anda de cabeça baixa, não fala com ninguém, não responde um bom dia. Descobri ontem que ela carrega um bebê de colo, pequeno, minúsculo, lindinho. Ele já sofre como as suas irmãs maiores.

Óh mundo cruel! Que ficou ainda mais fétido com a morte de uma outra mulher, que também morava pertinho de casa, estamos falando de um bairro de classe média, na zona oeste paulistana, onde supostamente o mundo é mais tranquilo, só que não, as minas morrem do mesmo jeito.

"O porteiro me disse que o pai do agressor é costa quente. Chove de polícia quando eles brigam. Todos nós já denunciamos à administração do condomínio. O agressor sempre corre pra algum lugar após bater na moça de olhos claros e tristes" 

Esse caso é triste, escandaloso, absurdo, após o Palmeiras vencer o meu Santos, no dia 30 de janeiro, na final da Libertadores, Érica, uma empresária jovem, de 34 anos, também quase da minha idade, mãe de gêmeos, foi tirar um barato, zuar, brincar com o marido corintiano, o Leonardo, de 34 anos. Ele não aguentou a brincadeira e a matou a facadas, simplesmente tirou a sua vida por isso, um absurdo e para piorar o pai do homicida, no dia do velório da palmeirense, invadiu o seu apto e roubou televisões, joias e mais uma vez aniquilou a memória da vítima com uma crueldade típica dos dias atuais. O assassino foi preso em flagrante e ainda disse que a mulher tentou matá-lo. O sogro da vítima é investigado por roubar. Falar mais o que…"

É o Brasil de Bolsonaro, 1.314 mulheres mortas em 2019, uma a cada 7 horas, em bairros ricos, mais ou menos e pobres, e esse cenário tende a piorar, infelizmente, qualquer dia desses torço para não encontrar com o pessoal do IML no elevador do prédio, vindo buscar o corpo da minha vizinha que tanto sofre.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Deputado pede desculpas e resume o bolsonarismo: tigrão nas redes, covarde na vida

Visivelmente acuado, deputado Daniel Silveira pede perdão 5 vezes e resume o bolsonarismo: tigrão nas redes sociais, tchutchuca na vida real. Acompanhe a votação AO VIVO

De um batalhão policial na cidade de Niterói (RJ), onde segue preso por incitar atos conta a democracia e o Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pediu desculpas cinco vezes por conta de suas falas.

Visivelmente acuado, o deputado alegou em diversos momentos que, no momento em que gravou o vídeo, foi tomado por um momento passional, e afirmou que sua inexperiência como ator público pesou ao dizer o que tinha dito.

De um batalhão policial na cidade de Niterói (RJ), onde segue preso por incitar atos conta a democracia e o Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pediu desculpas cinco vezes por conta de suas falas.

Visivelmente acuado, o deputado alegou em diversos momentos que, no momento em que gravou o vídeo, foi tomado por um momento passional, e afirmou que sua inexperiência como ator público pesou ao dizer o que tinha dito.

Apesar de preso, Silveira foi autorizado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes a apresentar sua defesa de forma remota à Câmara.

Silveira, então, leu um texto pontuando citações ao jurista Ives Gandra, que é fã de Olavo de Carvalho.

O parlamentar fluminense também fez críticas ao tratamento que recebeu da mídia e das redes sociais após atentar contra a democracia. “Fui isolado do mundo e tive todas minhas redes sociais deletadas – uma clara ação exagerada, uma vez que não sou nenhum criminoso.”

Ao final de sua fala, o parlamentar se referiu ao Supremo: “Peço desculpas pela minha fala, reconhecendo como reconheci a importância do Supremo Tribunal Federal, uma instituição muito importante”, afirmou, três dias após ameaçar vários dos integrantes da corte. “Gostaria de solicitar desculpas ao povo brasileiro.”

Ao fim, Silveira apelou à consciência dos seus pares: “Peço que meus pares reflitam na hora de seu voto, porque todos os que estão presentes, todos os 513 deputados, podem em algum momento errar, e não haverá óbice algum para que vocês enfrentem aquilo que eu estou enfrentando, mesmo sabendo que eu não cometi crime, que eu não tinha intenção”.


Ao comentar a mudança de postura de Silveira, o jornalista Kiko Nogueira lembrou uma canção de Bezerra da Silva. “Até anteontem, Silveira se achava acima do bem e do mal. Gilmar Mendes era o sujeito que ‘vende sentenças’, Edson Fachin era “moleque, mimado, mau caráter, marginal da lei, vagabundo, cretino e canalha, a nata da bosta do STF’, alguém em que ele bateria com bato morto até miar. Alexandre de Moraes era ‘Xandão do PCC’ e Barroso o homem que ‘gosta de culhão roxo'”, observou Nogueira.

“Daniel Silveira é um risco à democracia e à sociedade e merece mofar numa cela de forma exemplar. Mas é, sobretudo, um resumo do bolsonarismo: covarde que desmontou com dois dias na gaiola. Como cantava Bezerra da Silva: ‘Você com revólver na mão é um bicho feroz, feroz. Sem ele, anda rebolando e até muda de voz'”, acrescentou.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Auxílio emergencial será moeda de troca para ajuste fiscal; entenda o acordo

Paulo Guedes e lideranças do Congresso Nacional se reuniram nesta quinta-feira (18); valor do auxílio não foi divulgado

Representantes do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e lideranças do Congresso Nacional confirmaram nesta quinta-feira (18) a edição de uma Medida Provisória (MP) para retomar o auxílio emergencial, condicionada a medidas de ajuste fiscal a serem aprovadas em até uma semana.

Representantes do governo Jair Bolsonaro (sem partido) e lideranças do Congresso Nacional confirmaram nesta quinta-feira (18) a edição de uma Medida Provisória (MP) para retomar o auxílio emergencial, condicionada a medidas de ajuste fiscal a serem aprovadas em até uma semana.

O ajuste consistirá em uma fusão das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial e do Pacto Federativo, que tramitam desde 2019 e autorizam ações como redução de jornada e salário de servidores.
O acordo prevê que será incluída uma cláusula de calamidade, que dará segurança jurídica ao governo para liberar o gasto com o auxílio.
O valor e o número de parcelas da nova etapa do auxílio emergencial ainda não foram divulgados.

A notícia de que o acordo foi fechado, na tarde desta quinta, foi divulgada em primeira mão pelo jornal Folha de S. Paulo.
Participaram da reunião decisiva o ministro da Economia, Paulo Guedes, Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Este último afirmou que a aprovação da PEC não será uma contrapartida ao gasto com a assistência. O acordo prevê que a MP só será editada após a aprovação do ajuste.
O valor dos pagamentos continua em aberto. Em 2020, o governo pagou R$ 600 mensais a quase 64 milhões de pessoas, totalizando um investimento de cerca de R$ 290 bilhões.

Este ano, o valor deve ser menor. O Congresso trabalha com a possibilidade de estender o auxílio em R$ 300, enquanto o governo sinalizou que prefere adotar pagamentos de R$ 200.

Os critérios para acessar o benefício também prometem ser mais restritivos que no ano passado. No último dia 5, Guedes indicou que a nova etapa do auxílio deve contemplar "metade" dos que receberam os R$ 600 em 2020, ou seja, até 32 milhões de brasileiros.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

''O Covid-19 oferece um caso verdadeiramente admirável e doloroso de dependência''

Sociólogo, professor emérito associado ao medialab de Sciences Po, Bruno Latour publica Où suis-je ? Leçons du confinement à l’usage des terrestres (La Découverte, 186 páginas, 15 euros), uma metafísica do confinamento que convida a romper com o mundo anterior. Através de suas obras traduzidas por todo o mundo, suas experiências teatrais e exposições de arte contemporânea, Bruno Latour busca analisar o “novo regime climático”, e sugerir formas de viver diante de “Gaia”, essa Terra e planeta vivos ameaçados pela crise ecológica, que inspira muitos autores, como o filósofo Baptiste Morizot ou a antropóloga Nastassja Martin (Le cri de Gaïa. Penser la Terre avec Bruno Latour, sob a direção de Frédérique Aït-Touati e Emanuele Coccia, La Découverte, 222 páginas , 19 euros)

A prova do confinamento, ao mesmo tempo experiência planetária e revelação de muitas injustiças, nos obriga a considerar a dimensão da crise ecológica e o que significa hoje viver "na Terra", explica o sociólogo em uma entrevista ao "Le Monde".


Sociólogo, professor emérito associado ao medialab de Sciences Po, Bruno Latour publica Où suis-je ? Leçons du confinement à l’usage des terrestres (La Découverte, 186 páginas, 15 euros), uma metafísica do confinamento que convida a romper com o mundo anterior. Através de suas obras traduzidas por todo o mundo, suas experiências teatrais e exposições de arte contemporânea, Bruno Latour busca analisar o “novo regime climático”, e sugerir formas de viver diante de “Gaia”, essa Terra e planeta vivos ameaçados pela crise ecológica, que inspira muitos autores, como o filósofo Baptiste Morizot ou a antropóloga Nastassja Martin (Le cri de Gaïa. Penser la Terre avec Bruno Latour, sob a direção de Frédérique Aït-Touati e Emanuele Coccia, La Découverte, 222 páginas , 19 euros)

O confinamento é o ensaio geral do que?

Quanto mais tempo dura, mais o confinamento me parece revelador, como se diz, "do mundo de depois". Literalmente. Quando sairmos disso, não estaremos mais no "mesmo mundo", pelo menos é esta minha hipótese. Com efeito, a pandemia está muito bem inserida na crise mais antiga, mais longa e definitiva da situação ecológica. Você vai me dizer: “Nós sabíamos”. Sim, mas nos faltou a experiência corporal desse encadeamento. O que quer dizer mudar de local? Um lugar que não é mais aberto, infinito, mas precisamente limitado, confinado e onde você terá que morar a partir de agora. Então, sim, para mim o confinamento é uma experiência de deslocamento no sentido próprio do termo, de mudança de lugar. E é definitivamente um ensaio geral, espero que da próxima vez corra melhor!

Você passa da indagação "onde aterissar?" à questão "onde estou?" Por qual razão?

Justamente por causa dessa mudança de local. Não me pergunto "quem" sou, mas "onde" nos encontramos. E vejo essa mudança nas ciências da Terra, ou melhor, em uma nova forma de vincular as ciências do sistema da Terra à condição política imposta pela confinamento, primeiro médico, depois confinamento ecológico. E aí, torna-se fascinante, porque podemos tornar muito mais precisa a diferença entre viver "na Terra" no sentido que se deu a este conceito no século XX - uma Terra no cosmos infinito - e o que significa viver "na Terra ”, no que meus amigos cientistas chamam de“ zona crítica ”, a fina camada modificada por seres vivos ao longo de bilhões de anos, e na qual nos encontramos confinados ...

Por que, da repressão policial ao movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos, após o "Não consigo respirar!" e a morte de George Floyd, ao novo regime climático que você define, a crise atual é respiratória?

Porque todos nós sentimos, creio eu, essa horrível sensação de limite, de confinamento, de obrigação, como se todos os nossos hábitos de liberdade, de movimento, de emancipação, de respirar a plenos pulmões estivessem literalmente bloqueados. Tento encadear, englobar, aproveitar a oportunidade do confinamento para sensibilizar para o que significa depender do clima, de uma certa temperatura do sistema Terra, da qual nos tornamos todos, em graus diversos, responsáveis. Admito que é muito estranho, mas procuro aprender uma lição positiva com o confinamento: humanos na zona crítica, com a questão do clima e da biodiversidade nas costas, não respiram como os do século XX. É nesse sentido que falo de metamorfose. É muito físico.

Como você pode dizer que a economia deixou de ser o horizonte insuperável do nosso tempo quando o governo a apoia, "custe o que custar", enquanto espera a "recuperação"?

Mas porque tudo o que nos foi dito há um ano sobre as “leis da economia”, o orçamento, a obsolescência programada do papel dos Estados, foi suspenso pela imensa crise em que todos os países estão mergulhados. Sim, estamos falando de “recuperação”, mas isso soa como um encantamento, não como um projeto de mobilização.

Todos sentem que o projeto mobilizador mudou, que está relacionado com outra coisa, com outra definição do que significa subsistir neste novo quadro, o do confinamento. Isso coloca uma questão totalmente diferente: como manter as condições de habitabilidade do planeta? Tenho a impressão de que não há nada na Economia com "E" maiúsculo, na ideologia do Homo economicus, que nos permita fazer essas perguntas. É nesse sentido que estamos nos "deseconomizando".

Por que a pergunta "de quem eu dependo para viver?" é mais relevante para repensar nossa relação com o território?

Mas justamente por causa dessa deseconomização. Se for verdade, como mostram essas novas ciências da terra, que os vivos construíram artificialmente seu próprio ambiente, dentro do qual estamos confinados, devemos estar interessados %u20B%u20Bnaquilo de que dependemos; a Covid-19 oferece um caso verdadeiramente admirável e doloroso de dependência. Mas isso também é verdade para a temperatura global, como para a biodiversidade. Então, de repente, a questão não é mais se temos recursos suficientes a explorar para continuar como antes, mas "como participar da manutenção da habitabilidade do território do qual dependemos? " Isso muda completamente a relação com o solo. Isso é "aterrisar".

Por que a extensão de Gaia, a "mãe-Terra", nos obriga a repensar nossas categorias políticas, como nossa relação com as fronteiras e a identidade?

Devemos concordar primeiro a respeito de Gaia, uma noção que continua a assustar, mas que sigo estimulando porque resume exatamente a mudança de "lugar" que sentimos com a pandemia. Gaia é o nome que podemos dar ao conjunto de seres vivos que, desde os primeiros organismos, criaram a partir de condições físicas muito pouco favoráveis %u20B%u20Bà vida um ambiente cada vez mais habitável, proporcionalmente às inovações sucessivas na longa história da Terra. Esta é a melhor maneira de precisar onde estamos. Gaia não é a natureza, o cosmos como um todo. É a minúscula aventura, a sequência de eventos que alteraram o planeta Terra em alguns quilômetros de densidade. E a única coisa em relação a qual os vivos, incluindo os humanos, têm experiência corporal.

Se você compreende essa noção - e eu trabalhei muito com outras pessoas para torná-la científica e filosoficamente precisa - a mudança de política inevitavelmente decorre. Para exercer qualquer forma política, é necessária uma Terra, um lugar, um espaço. A melhor prova de que a política “sob Gaia” é nova é essa espantosa restrição que pesa sobre todas as decisões individuais e coletivas, de permanecer “nos dois graus” dos acordos climáticos. Isso é o que chamo de "o novo regime climático". Na verdade, é um novo regime jurídico, político, emocional, já que vivemos literalmente "em outro lugar", na zona crítica, "sob Gaia", confinados às zonas de habitabilidade %u20B%u20Bexploradas pelos vivos. O adjetivo "terrestre" não significa outra coisa.

O conflito entre aqueles que você chama de "extratores" e os "reparadores" teria substituído o existente entre a burguesia e os proletários, você escreve. Precisamos de um novo manifesto, criar uma internacional de terrestres?

Não diria que o substitui, mas se encaixa e complica e exacerba todos os outros conflitos. É claro que a atual pandemia, que tomo como um exemplo típico do que está por vir, é ao mesmo tempo uma experiência planetária e a revelação de uma infinidade de injustiças - na exposição à doença, no acesso aos cuidados, no acesso às vacinas. Assim, encontramos todas as questões clássicas de conflitos bem identificados pelas lutas intra-humanas, mas devemos somar todas as outras, todos os conflitos extra-humanos além de todos aqueles revelados pelo pensamento descolonial. O que chamo de conflitos geo-sociais de classe que se multiplicam em todas as questões de subsistência e acesso à terra. Portanto, uma "internacional" é algo um pouco restrito. É simultaneamente planetária e completamente local. Ainda não temos a métrica certa para identificar todos os conflitos em que os terrestres estão envolvidos - cuidado, o adjetivo "terrestre" não especifica o gênero ou espécie! Em todo caso, a ideia de harmonia provocada por "levar em conta a natureza" claramente desapareceu.

Da encíclica do Papa Francisco à obra do economista Gaël Giraud, passando por algumas prefeituras conquistadas pelos verdes, um cristianismo ecológico está em vias de se investir significativamente em uma política do que vive. Por quais motivos?

Na verdade, eu tinha realmente a impressão de um deserto. Mas devemos reconhecer que Laudato si ’[encíclica do Papa Francisco em 2015] reorganizou completamente as cartas com esta injunção verdadeiramente profética de ouvir o “clamor da Terra e o clamor dos pobres”! É ainda mais forte do que a minha ideia de classes geossociais ... Vai muito mais longe, o problema se coloca justamente em termos de mudança de "lugar". O que você faz na Terra? Em que Terra você vive? Eu entendo que isso ressoa muito mais nos ouvidos cristãos do que as injunções para "salvar a natureza", que ainda permanece externa apesar de tudo. Mas isso só toca a superfície, a grande maioria dos católicos, parece-me, ainda acredita que se deve antes preparar-se para ir para o céu!

Quais são os processos políticos que você desenvolve com seu projeto Onde aterrisar? em Saint-Junien, La Châtre ou Ris-Orangis? E isso significa que um movimento terrestre multifacetado está ocorrendo?

Não sei pensar sem base empírica. Há quatro anos, tenho dito a mim mesmo que devemos ser capazes de interessar as pessoas, que a questão ecológica perturba, mas que elas não sabem necessariamente o que fazer, para definir seu território de maneira diferente. Estes são workshops coletivos de autodescrição. A questão é: "Do que você depende para existir? E na sequência como você vincula suas descrições para tornar esse território habitado compreensível para aqueles que fazem parte do aparato estatal ou entre os [representantes] eleitos que supostamente deveriam ajudá-lo a manter essas condições de habitabilidade. Esta é uma forma de reconstruir a ecologia política sem nunca falar em ecologia! O que me fascina é o papel das artes em abordar essas questões de lugar, solo e habitat. Como fazemos o roteiro coletivo da mudança de local? Isso, para mim, é aproveitar o confinamento. Mas com o toque de recolher, é um pesadelo para organizar ... Não sei se esses procedimentos vão se espalhar. O que está claro é que as iniciativas são abundantes e nelas procuramos inspiração.


Fonte: A Carta Maior