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segunda-feira, 13 de abril de 2015

O que enfrentam os migrantes de Honduras para chegar aos Estados Unidos

O aumento de migrantes detidos, deportados e repatriados tem se agravado de maneira vertiginosa e abrange territórios de quase toda a América Central, além do México, em especial, para entrar nas terras estadunidenses.
Para se ter uma ideia da quantidade de gente se que se arrisca a migrar clandestinamente de um país a outro em condições de profunda vulnerabilidade, no ano de 2013, os registros do Departamento de Segurança dos Estados Unidos apontam 368.644 traslados. E estes são apenas os números oficiais.



Dentro dessa realidade, Honduras é hoje uma das principais nações cuja população se aventura diariamente em rotas de fuga por estradas e desertos, na tentativa de escapar de uma sociedade que não oferece meios de desenvolvimento e proteção diante de uma violência estrutural constante: militarização da sociedade, falta de acesso a educação de qualidade ou a trabalho digno, além da ausência de políticas efetivas de proteção dos direitos dos grupos vulneráveis, como a infância e adolescência, que padecem de um contexto de "criminalização da juventude”.

Para discutir como hondurenhas e hondurenhos vivenciam a migração, incluindo jovens e crianças, aAdital entrevistou com exclusividade Yolanda González, coordenadora da sub-região América Central e América do Norte (CANA) da Rede Jesuíta com Migrantes. A organização atua na articulação das obras da Companhia de Jesus pela região centro e norte-americana, promovendo um trabalho junto aos migrantes, seus familiares e outros atores sociais de transformação que fazem parte da linha que abrange desde os países de origem, até o trânsito, o destino e o retorno dessa população.
Segundo Yolanda, no meio do caminho, os migrantes se tornam presas fáceis para traficantes e outros grupos do crime organizado, além de agentes estatais corruptos que os submetem e vários tipos de violação de direitos humanos, particularmente as mulheres e crianças. Isso pode se expressar em extorsão, assalto, violência, estupro, tráfico de pessoas, trabalho forçado e assassinato.
Os hondurenhos saem de seu país em condição socialmente vulneráveis e, se retornam à sua pátria, chegam em situação ainda pior. Ela narra que os detidos, deportados ou repatriados chegam de volta a Honduras com grande sensação de fracasso, frustrando o único projeto de vida que tinham em mente. Financeiramente também, já que muitos deles se desfazem de todos os seus pertences para investir no traslado. Além disso, sofrem de estigmatização da sociedade, passando a ser vistas como pessoas criminosas.
Os motivos para migrar? "Porque continuamos tendo fome e medo”, respondem alguns deles, em entrevistas para organizações sociais. E esse contexto pode levar um hondurenho a migrar uma, duas, três ou várias vezes, sempre na tentativa de construir nova vida nos Estados Unidos. E hoje esse público não só contempla o grupo de homens jovens, como também de mulheres sozinhas, com filhos, ou até crianças desacompanhadas.


ADITAL – Há estimativas de quantos imigrantes retornaram para a América Central (Guatemala, Honduras e El Salvador, basicamente) após a deportação dos EUA? Este número cresceu em relação a outros anos?

Yolanda González – O aumento de migrantes detidos, deportados e repatriados se agravou de maneira vertiginosa, tanto dos Estados Unidos como do México. Segundo dados oficiais da U.S. Immigration and Customs Enforcement (ICE), instancia investigativa do Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos, no ano 2013 se realizaram 368.644 traslados de pessoas migrantes por meio da remoção.
A figura de remoção contempla tanto as pessoas que são deportadas dentro dos Estados Unidos como aquelas que são apreendidas (e rejeitadas) ao tentar ingressar no território estadunidense sem as autorizações correspondentes. Da quantidade total de remoções, 133.551 foram de pessoas apreendidas dentro dos Estados Unidos; enquanto 235.093 corresponderam a pessoas que tentavam ingressar de forma irregular. Da quantidade total de remoções, 241.493 eram de pessoas de origem mexicana, 47.769 provinham da Guatemala, 37.049 eram de origem hondurenha, 21.602 eram salvadorenhas e 1.383 nicaraguenses (ICE, 2014).
Em outubro de 2014, o Instituto Nacional de Migração do México (INM) informou que entre janeiro e agosto de 2014, 63.092 migrantes centro-americanos foram detidos e repatriados a seus países de origem. Dentre eles, 12.038 eram menores de idade. Este número é significativamente mais alto do que nos primeiros oito meses de 2013, onde foram repatriados um total de 49.201 migrantes centro-americanos, incluídos 5.097 menores de idade. De fato, nos primeiros oito meses de 2014, o México repatriou mais crianças centro-americanas do que em todo o ano de 2014 (8.446).
ADITAL - Há muitas mulheres, crianças e adolescentes? Qual é o percentual?
YG - Apesar de que a migração segue tendo o rosto de homem, e entre jovem e adulto, existe já um padrão crescente de novos rostos e fluxos: mulheres sozinhas; mulheres chefes de família (que se vão com seus filhos); menores não acompanhados.
De outubro de 2013 a julho de 2014, a Patrulha Fronteiriça estadunidense deteve 62.998 crianças e adolescentes não acompanhados menores de 17 anos, o dobro do mesmo período do ano fiscal anterior, quando se deteve 31.491 crianças e adolescentes que viajavam sozinhos. Honduras é o país do qual se procede a maioria destes menores (17.582), seguido da Guatemala (15.733), El Salvador (14.591) e México (13.675), precisou a Patrulha Fronteiriça em um comunicado.
Também informou do aumento significativo do número de famílias detidas na fronteira, ou seja, de adultos que viajam com crianças, sendo em muitos casos mulheres chefes de família: 62.856 no que tange ao ano fiscal, frente às 11.001 no mesmo período do ano fiscal de 2013.
É importante assinalar que o aumento de meninos/as e adolescentes tem se incrementado notoriamente nos últimos anos, tal e como haviam advertido organizações como Casa Aliança. Quer dizer, a chamada "crise dos menores migrantes” na verdade é uma "crônica de uma crise anunciada”. De acordo com Pew Research Center, entre os anos 2009 e 2014 o crescimento dos menores que emigram sozinhos de Honduras aos Estados Unidos cresceu 1.272%; no caso da Guatemala, 930%; e 707% em El Salvador. Dentre eles, 60% são meninos e 40% meninas. E se antes a maioria tinha entre 16 e 17 anos, agora cresce o número de quem tem menos de 14 anos.
O incremento de menores não acompanhados — ainda que muito menos abrupto — também foi registrado pelo Instituto Nacional de Migração do México entre os centro-americanos que deportou desde seu território: de 1.946 em 2009 para 5.389 em 2013. O total de menores nesse período de tempo passou de 3.985 para 8.180; 44% procedentes de Honduras. O peso dos menores no total de deportados saltou de 6% a 11% e a proporção de menores não acompanhados entre o total de menores subiu 17 pontos: de 49% a 66%. O país com maior índice de menores não acompanhados sobre o total de menores é a Guatemala, com 74% em 2013 [dados do Centro de Estudos Migratórios].

ADITAL - Qual é a situação em que estas pessoas regressam após tentar ingressar nos EUA (condições de saúde, financeiras, emocionais)?

YG - Chegam em situações muito mais vulneráveis. Emocionalmente, com uma sensação de fracasso, já que, em muitos casos, se frustrou o único projeto de vida que tinham em mente. Financeiramente, a decisão de migrar costuma ser um "investimento”, ou seja, as pessoas vendem suas terras, seus pertences ou se endivida, pelo que voltar deportado significa estar em muito pior situação. Isto também afeta a saúde emocional, já que não somente se sentem fracassados, mas também frustraram as expectativas da família. Sem contar a ansiedade e estresse que supõe haver passado pelas penúrias do trânsito. E, por último, a estigmatização que sofrem muitas pessoas deportadas, que são vistas como criminosas.
ADITAL - Estas pessoas relatam que sofrem algum tipo de violência em sua tentativa de passar pela fronteira? E também em seu percurso pelo México? Quais são os principais tipos de violência?
YG - As políticas restritivas vinculadas à segurança nacional têm desembocado no reforço do controle aos migrantes e a uma maior militarização das rotas migratórias, especialmente das fronteiras. Existe uma marcada tendência a criminalizar o fenômeno migratório, convertendo a falta de documentação em um delito, o que contribui para que os migrantes sejam presas fáceis de traficantes e funcionários corruptos que os submetem às mais terríveis formas de violação a seus direitos humanos, particularmente quando se trata de grupos mais vulneráveis como as mulheres e a infância.
Isto leva ao deslocamento das rotas migratórias a zonas mais isoladas e arriscadas, e convertendo estas rotas em umas das mais perigosas do mundo. Hoje as regiões fronteiriças passam a jogar um papel fundamental com relação às ações vinculadas ao crime organizado, onde os migrantes irregulares são vítimas vulneráveis de grupos criminosos (tráfico de pessoas) e da corrupção administrativa (abuso de autoridade, extorsões, entre outras), sendo os exemplos mais dramáticos os massacres de migrantes — em sua maioria, centro-americanos — por parte das gangues do crime organizado.
Neste sentido, poderia se dizer que a migração da América Central aos EUA virou umas das mais perigosas do mundo tanto pela presença de delinquentes ao longo do caminho como pelos espaços naturais extremos que os migrantes devem cruzar para chegar aos EUA.
Segundo um informe (Narrativas da Transmigração Centro-americana em sua passagem pelo México, 2013), 72,9% dos hondurenhos entrevistados foram categóricos ao assinalar que durante seu trânsito pelo México haviam sido objeto de golpes, roubos ou ameaçadas, e somente 27,1% sustentou que não se cometeu nenhum tipo de violência contra si. A respeito de quem executou a agressão física ou psicológica, 45,71% foram executadas pelas autoridades e 33,23% por civis.
Dado que a migração é um processo humano e social, os migrantes tentam passam de todas as maneiras, e o fazem por corredores de trânsito irregular que se criam nas margens da fronteira. Nestes corredores, foram atraídos autoridades corruptas e grupos delinquentes, situados em posição de força, que estão em posição de deixar passar e de impor a cota arbitrária do cruzamento. Colocam o preço do cruzamento.
Diante da maior dificuldade de cruzar, mais os migrantes recorrem aos coiotes. Mas os conhecimentos e os contatos dos coiotes tradicionais foram se tornando ineficazes para cruzar a fronteira. Os coiotes tiveram que unir-se com as redes do crime organizado, único ator com os meios suficientes para forçar os sistemas de controle fronteiriço modernos.
A luta contra o tráfico de droga impeliu os cartéis a reforçar seu controle sobre os espaços de trânsito irregular, a diversificar suas atividades e a apropriarem-se destes espaços pela violência e o terror. E a ter o monopólio das atividades ilegais nos 2.000 a 4.000 km do cruzamento do México e dos 3.170 km da fronteira dos EUA. Controlam a fronteira ilegal do lado mexicano como estadunidense.
A presença do narcotráfico fez degenerar tudo. Esta insegurança não é algo delimitado às rotas de trânsito sem documentos, é em nível nacional, mas se encontra mais concentrado nos corredores de migrantes sem documentos onde pode atuar com mais liberdade que nos espaços que se disputa o governo. Nestes corredores, o Estado não parece interferir nem prestar contas.
Começou a degenerar a violência que se abate contra os sem documentos: antes, a delinquência assaltava, agora o narcotráfico se serve dos migrantes. Gestão de tráfico de pessoas sem documentos com as capacidades dos cartéis (com rádios de alta frequência, escoltas armadas, porões, uso de pessoas sem documentos como anzóis para concentrar as patrulhas fronteiriças para passar a droga para outra parte, capacidade para corromper autoridades no México como nos EUA, etc.; pagamento de direito de passagem/imposto). Expansão da capacidade de agressão e chantagem: se cria com a indústria do sequestro de migrantes (20.000 segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos do México, pedem 2 mil, 4 mi, 6 mil dólares por cabeça). Esta está alimentada em grande pare pela capacidade de infiltração do crime organizado nas autoridades.
Os migrantes devem cruzar por territórios disputados pelos cartéis (lutas pelo controle das rotas) e onde se desata um nível sem limite de violência contra os atores mais vulneráveis que são os migrantes em trânsito (assassinatos, decapitação, violação). Uma pessoa sem documentos não vale nada mais do que podem tirar dele.
Diante das dificuldades da passagem, desencadeia-se a inflação dos preços dos coiotes (de 4.000 em 2005 a cerca de 8.000 dólares em 2014). E os que não têm para pagar coiote devem pagar somente o direito de passagem (no trem, no deserto etc.). E aquele que não pode pagar com dinheiro vivo terá de pagar de outra maneira. Faz-se brotar uma desigualdade entre os têm para ir com o coiote pré-pago e os que não.
Nas margens da fronteira, a dominação masculina que rege na legalidade se encontram rédeas soltas: a violação às mulheres é generalizada no caminho (80% segundo o Fórum Migrações, 2007).
Também identificaram riscos de acordo com o meio de transporte que usam os migrantes: 1) no trem: morte ou amputação por quedas do trem, pela insegurança ao segurar-se no vagão, cansaço e sonolência, além de emboscada de criminosos e delinquentes; 2) no furgão: asfixia, acidentes por tombos e detecção fronteiriça; 3) em canoas ou balsas: afogamentos, naufrágio e insolação.
Em agosto de 2014, o governo mexicano também proibiu que os migrantes viajassem nos trens de carga até o norte da fronteira entre Estados Unidos e México. E o fez aumentando a velocidade do trem e as barreiras físicas em várias áreas que impedem os migrantes de subir a bordo. Os informes dos albergues para migrantes também sugerem que sejam criados postos de controle móveis ao longo das principais estradas do norte.

ADITAL - Quando são detidas nos EUA, como estas pessoas são tratadas pelos oficiais estadunidenses?

YG - A segurança fronteiriça nunca foi tão dura nem tão financiada. Os processos judiciais por "entrada ilegal” se incrementaram em 130% desde 2007. O governo está gastando 18 bilhões de dólares em segurança fronteiriça. A patrulha fronteiriça conta com mais de 21.000 agentes, o dobro desde o ano de 2005 e cinco vezes mais que no ano de 1993. Agora há drones [aviões-robôs] e helicópteros Blackhawk operando na fronteira. Há 700 milhas de cerca. Cerca de 400.000 pessoas são deportadas pela administração ano a ano.
Segundo informe Fallas Documentadas [Falhas Documentadas, em português]: consequências da política migratória na fronteira entre EUA e México, Iniciativa Kino para a Fronteira 2013 (4.963 entrevistas a migrantes deportados na fronteira), algumas das principais preocupações são:
Abusos: aproximadamente um de cada quatro migrantes (24,8%) — 797 dos entrevistados no Centro de Atenção a Migrantes Deportados (CAMDEP) em Nogales, Sonora — declararam haver sido vítimas de algum tipo de abuso cometido pelos agentes da Patrulha Fronteiriça dos EUA. A agressão verbal é o tipo de abuso ou maltrato mais comum que sofreram os migrantes pelas mãos dos agentes da Patrulha Fronteiriça. Mais de uma a cada seis mulheres (17,6%) e 12,6% dos homens foram vítimas deste tipo de abuso. Em torno de 5,6% dos migrantes foram maltratados fisicamente por agentes da Patrulha Fronteiriça.
Negação do contato com o consulado: um dos direitos mais básicos que tem todo estrangeiro, preso nos Estados Unidos, é que o permita estabelecer contato com seu consulado. Existe uma considerável quantidade de evidência que demonstra que aos migrantes não se proporciona suficiente informação sobre este direito e que, inclusive, os é negado terminantemente pelas autoridades migratórias dos EUA, quando estão conscientes de que o têm. A Patrulha Fronteiriça é a que mais provavelmente, por uma grande margem, infringe este direito.
Separação familiar: a separação dos migrantes dos familiares com quem viajavam no momento de ser apreendidos e deportados pela Patrulha Fronteiriça dos EUA. O informa sugere que a separação familiar durante o processo de deportação se faz de maneira descontrolada. Desde os 1.692 migrantes deportados que responderam esta pergunta, mais da metade (53,1%) haviam sido separados de um familiar ou amigo, e um em cada quatro (25,2%) migrantes deportados foi separado(a) de um integrante de sua família imediata.
Especialmente preocupante é o caso das pessoas que fogem por violência e têm direito a proteção internacional. Segundo diversos informes (Human Rights Watch, "You don´t have rights here” ["Você não tem direitos aqui”, em português], 2014), quando interceptam o migrante na fronteira, os migrantes são sujeito de um procedimento expedito de deportação, e em muitos casos a Patrulha Fronteiriça não os faz a pergunta de se tem medo de votar ao seu país (que aparece no formulário). Inclusive, quando as pessoas migrantes a dizem, não consideram.
Segundo a lei estadunidense, as patrulhas de fronteiras devem identificar se as pessoas têm medo de votar ao seu país por violência e, neste caso, referi-las ao escritório de asilo, que determinará se existe temor fundado e crível. Isto resulta que pessoas que têm de fugir porque estavam ameaçadas de morte ou eram vítimas de violência doméstica, ou de gangues, são devolvidas ao seu país, o que aumenta consideravelmente sua vulnerabilidade e risco.

ADITAL - Os migrantes deportados afirmam se vão tentar novamente ingressar nos EUA?

YG - Para ter uma ideia do fluxo migratório sem documentos em trânsito pelo México e com destino aos EUA, segundo as estatísticas de 2013, a Rede de Documentação das Organizações Defensoras de Migrantes do México, 47,9% dos migrantes hondurenhos entrevistados assegurou que era a primeira vez que se encontrava transitando por terras mexicanas rumo aos Estados Unidos, mas mais de metade, 52,1%, afirmou que não era a primeira vez em trânsito pelo México e, dentre estes, a maioria, 95,5%, já havia estado duas, três, quatro e mais vezes.
Os motivos? Eles mesmos respondem após serem deportados: "porque continuamos tendo fome e medo”. Um indicador de que isto ocorre é que, em muitos casos, as negociações com os coiotes incluem até duas ou três tentativas pelo valor pago.
ADITAL - Quais são as razões principais para que as pessoas busquem sair de Honduras e viajar aos EUA?
YG - Estamos diante de um fenômeno multicausal. Cada vez mais há três razões que se podem entrecruzar: a reagrupação familiar, a situação econômica (a cada ano, se soma à população economicamente ativa 200 mil jovens, dos quais unicamente conseguem emprego 70 mil) e a violência (com taxas de 80 homicídios por cada 100.000 habitantes, chegando em algumas cidades como San Pedro Sula a taxas de 170 homicídios por cada 100 mil habitantes).
Segundo o pesquisador José Luis Rocha, nas diferentes entrevistas ao longo de 2014 com jovens migrantes, repete-se uma história arquetípica: o plano de reunir-se com sua mãe que há anos vive em Los Angeles ou Maryland, já que na Guatemala ou Honduras têm mais probabilidades de conseguir um tiro na testa, como vários de seus conhecidos, que um emprego decente, como quase ninguém. As três motivações podem conviver em um mesmo migrante: evitar a violência, o desemprego e a separação familiar. O exemplo que melhor pode refletir esta combinação é o da extorsão, que se sobrepõe à violência e ao econômico.
É importante, no entanto, não ficar apenas em um discurso muito utilizado ultimamente: a gente de Honduras vai embora por culpa das gangues. É certo que as gangues e os diversos delitos nos quais incorrem esses grupos (extorsões, espancamentos, recrutamento forçado, assassinato...) são um dos atores relevantes causadores de muitas decisões desesperadas, inclusive de arriscar a vida no trânsito pelo México, porque em seus países de origem já a dão por perdida. E não é nada novo que a violência do triângulo norte se nutre de organizações criminais transnacionais (gangues, narcotráfico...). Mas, vejamos, é importante ir para além desse ator. É necessário atinar as causas reais da migração.
O Estado de Honduras não oferece alternativas de desenvolvimento nem proteção diante da violência estrutural que se vive cotidianamente, para além da militarização da sociedade, o que em vez de atenuar, acentua mais o problema. Os meninos e as meninas não conseguem acessar uma educação de qualidade, nem um horizonte de trabalho digno, justo em um momento demográfico no qual predomina a população infantil e juvenil. Neste sentido, a falta de políticas efetivas de proteção dos direitos dos grupos vulneráveis, como a infância e adolescência, tem sido continuamente denunciada em Honduras como a "criminalização da juventude”.
Segundo um informe da ACNUR [Agência da Organização das Nações Unidas para os Refugiados] realizado a partir de entrevistas com menores centro-americanos e mexicanos detidos, 56% destes requer proteção internacional. Do ano de 2005 a 2012, houve um aumento de 346% dos assassinatos de mulheres e meninas em Honduras. Em 2001, se produziram 1.068 execuções extrajudiciais de menores de 23 anos, 911 em 2012. Estamos falando de um Estado que permite uma taxa de homicídios de 80 pessoas a cada 100.000 habitantes.
A migração não pode ser tratada isoladamente, nem com respostas conjunturais. É um fenômeno que se sustenta em bases econômicas, sociais, históricas, políticas, que é necessário rastrear para não restringir-se a respostas da primeira página dos jornais, que logo serão substituídas por outra notícia igualmente dramática.
Cinco fatores no caso de Honduras: a) os ajustes estruturais da economia a partir dos anos 90, que, com entusiastas expressões de "Todos a nos apertar o cinto por uma Honduras melhor”, desvalorizaram a moeda, eliminaram a reforma agrária, diminuíram o gasto com saúde e educação, abriu-se a porta aos investidores, aventurou-se na agroindústria e na palma africana; b) o furacão Mitch, que devastou a infraestrutura, produção, economia e situação social da maioria; c) os TLC que colocaram à economia hondurenha na mais absoluta precariedade e dependência de economias multinacionais; d) o golpe de Estado de 2009, que acelerou nos dinamismos de instabilidade e deterioração da sociedade; e) a corrupção e impunidade dos políticos e funcionários públicos que usam os bens do Estado como um despojo.

ADITAL - Como os deportados podem recomeçar suas vidas em Honduras? Há algum tipo de ajuda oficial?

YG - A ajuda ao migrante deportado se limita somente a programas de recepção, liderados por organizações sociais. Este é o caso do programa do CARM (Centro de Atenção ao Migrante Retornado), que coordenam as irmã escalabrinianas (Pastoral de Mobilidade Humana) nos aeroportos de San Pedro e Tegucigalpa, onde chegam os voos dos Estados Unidos.
Na fronteira de Corinto (Honduras-Guatemala), aonde chegam os deportados do México, não há um programa como tal, mas há algumas iniciativas de organizações como Cruz Vermelha ou Casa Aliança, que fazem o registro de ingresso, entregam bebida, comida, banho e uma chamada telefônica - em alguns casos apoio psicossocial ou alguma ajuda especial. Com a crise dos menores migrantes se desenrolaram certas melhoras quando aos centros de recepção dos menores. Entretanto, nenhuma das medidas afeta as condições de vida que motivaram as pessoas a ir embora de Honduras.
ADITAL - Há perspectiva de que os EUA mudem sua política aos migrantes sem documentos? O que poderia ser melhorado na lei estadunidense aos migrantes sem documentos?
YG - A reação diante da "crise dos menores migrantes” tem sido motivo de uma crescente luta entre democratas e republicanos motivada por interesses eleitorais. Obama [Barack Obama, presidente dos EUA] pediu ao Congresso para afrontar a crise 3,7 milhões de dólares. Os republicanos apresentaram uma contraproposta, de 1,5 bilhão, sobretudo para aumentar o financiamento da Patrulha Fronteiriça. O Departamento de Estado dos Estados Unidos solicitou ao Congresso destinar 86 milhões de dólares da Iniciativa Mérida ao Programa Fronteira Sul do México.
Na prática, durante todo este período, o governo dos EUA endureceu sua política migratória. Enfatizou reiteradamente que está fechado o ingresso de migrantes menores em situação irregular. Ignorou o direito à reunificação familiar. Dificultou que os detidos tenham acesso a um advogado para que as ou os defenda diante o juiz de migração porque viram que quando isto ocorre se incrementa a possibilidade de que fiquem nos EUA. Incrementou o número de centros familiares de detenção em Artesia, Novo México, Karnes e Dilley, Texas. Este último desenhado para ter 2.400 camas (Comitê de Migração da Conferência Episcopal dos EUA).
Esta crise também tem sido aproveitada para impulsionar uma política desenhada pelo governo dos EUA, à qual se alinharam o México e o triângulo norte de C.A., desde uma perspectiva de segurança nacional, que pretende fechar e militarizar mais a fronteira dos EUA com o México, do México com Guatemala e Belize, e da Guatemala com El Salvador e Honduras para reduzir o fluxo de imigrantes.
O enfrentar a priorização dada ao controle e à segurança policial e militar (especialmente nas fronteiras) é um desafio cada vez maior. EUA se associam com as autoridades regionais de migração, unidades militares e operacionais especiais da polícia. Estas associações adotam a forma de capacitação, equipamento e financiamento de unidades militares na Guatemala, Honduras, El Salvador e México, que deportam pessoas, frequentemente crianças, famílias e solicitantes de asilo que buscam proteção internacional.
Por exemplo, em um comunicado oficial, o Secretário de Imprensa da Casa Branca informou: a Polícia de Operações Especiais hondurenha, com a formação e o financiamento da assistência da INL e da CBP, realizaram a Operação Resgate "Anjo” na fronteira entre Honduras e Guatemala. A operação está traçada para aumentar as interceptações de migrantes que tratam de emigrar de maneira irregular a Aliança pela Prosperidade por parte dos países do triângulo norte e a América Central, que tem sido chamado de uma espécie de "Plano Colômbia Progressista”.
Em novembro, o presidente Obama tem realizado várias iniciativas executivas em favor dos migrantes. Alguns dizem que para recuperar a confiança e o apoio perdido entre o eleitorado hispano: a) no dia 15 de novembro, o governo do presidente Barack Obama anunciou um Programa de Admissão de Refugiados para menores migrantes que permitirá ao pai e à mãe que vivelegalmente nos EUA solicitar gratuitamente o refúgio para seus filhos menores de 21 anos e solteiros que estão na Guatemala, Honduras e El Salvador; b) no dia 20 de novembro, o presidente Obama deu um decreto presidencial que abre possibilidades de regularizar-se ou ampliar a regularização a alguns setores (dreamers, pais que qualificam). No entanto, estas iniciativas estão paralisadas pela falha de um tribunal federal contra das mesmas em fevereiro de 2015.

ADITAL - Falemos um pouco sobre o trabalho dos jesuítas com os migrantes centro-americanos, principalmente os que são deportados?

YG - A Rede Jesuíta com Migrantes América Central e América do Norte é a articulação das obras das Províncias da América Central, México, Estados Unidos e Canadá da Companhia de Jesus que promovem o trabalho com as pessoas migrantes, seus familiares e outros atores de transformação nos países de origem, trânsito, destino e retorno.
Já faz doze anos que se começou a tocar esse processo. A Rede tem um modelo de intervenção apostólico integral, baseado em três dimensões: a dimensão social, de incidência e investigativa, e com uma proposta de "interdimensionalidade”, que tem como ponto de partida o acompanhamento direto dos migrantes e famílias; com base neste se identificam os temas prioritários de interesse para ser estudados; se desenrola a pesquisa dos temas mencionados, preferencialmente mediante uma pesquisa aplicada; e os resultados servem como fundamento para a sensibilização e incidência política.
Um exemplo dessa interdimensionalidade encontramos no trabalho com as pessoas deportadas. Em vários países, a partir da dimensão social, se atende a migrantes regressados ou deportados: se acompanha a comitês de migrantes deportados e, no caso de Honduras, ao Comitê de Migrantes Regressos Deficientes (muitos deles perderam um membro no trem no México); se oferecem a eles acompanhamento psicossocial, grupos de auto-ajuda; e se promove a inserção na comunidade.
Tradução para português: Marcela Belchior.
Fonte: Portal Adital

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