A Oi precisa ser salva de seus acionistas e a única forma de isto acontecer é se o governo decretar uma intervenção nesta que é a maior concessionária de telecomunicações do país.
Enquanto seus acionistas controladores se beneficiavam de dividendos e de uma série de operações duvidosas, a empresa acumulou dívidas de R$ 64 bilhões, chegou a valer menos de R$ 1 bilhão na Bolsa de Valores, tem hoje uma infraestrutura ultrapassada e, o principal, não consegue investir.
Em 2014, enquanto o grupo America Movil (Embratel + Claro + NET) investiu cerca de R$ 13 bilhões em sua operação no Brasil, a Oi, dona de uma infraestrutura muito maior, investiu míseros R$ 1,08 bilhão.
Esta semana a empresa decretou recuperação judicial de R$ 65,4 bilhões, valor que entra para a história do Brasil como o maior nesse tipo de negociação. Mas a Oi simplesmente não pode falir, pois mais de 3.000 municípios no Brasil dispõem apenas da infraestrutura de telecomunicações da operadora, não havendo concorrentes.
Em geral são os municípios mais pobres, incapazes de atrair as demais operadoras que, por conta da legislação, não são obrigadas a explorar tais mercados. Apenas a Oi (concessionária de telefonia fixa em 26 estados, exceto São Paulo e um grupo de 87 municípios ao redor do Triângulo Mineiro) possui obrigação de disponibilizar sua infraestrutura nessas cidades, a grande maioria no norte, nordeste e centro-oeste.
Para entender porque o futuro da Oi depende do afastamento da sua direção é preciso recuar no tempo e contar um pouco da história da empresa, começando no processo de privatização, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Em 1981, no famoso Julgamento Final Modificado (JFM), os EUA optaram por fatiar o então monopólio privado de telecomunicações da AT&T, criando várias operadoras regionais (as “baby bells”) que, em um primeiro momento, continuariam monopolistas e depois seriam obrigadas a enfrentar a concorrência.
Foi em 1996, após um longo debate, que os EUA aprovaram o Telecommunications Act, uma legislação de viés liberal que encerrou o modelo criado em 1981.
Independentemente da solução apresentada, a mudança legislativa norte-americana partia do pressuposto de que os objetivos de 1981 não tinham sido alcançados.
As “baby bells” eram empresas frágeis, passíveis de serem capturadas pelo capital estrangeiro e a concorrência não ocorrera como se esperava.
Pois, em 1997, o Brasil aprovou sua Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei nº 9.472/1997) que não apenas se focou na telefonia fixa (quando já era evidente que a Internet era o futuro) como copiou o modelo fracassado do JFM.
O motivo, contudo, pouco teve a ver com uma suposta simpatia pelo modelo do JFM, que serviu apenas como um verniz para as reais intenções da escolha.
Tratava-se de partir a Telebras no maior número possível de operadoras para garantir que mais empresas fossem agraciadas e assim pudessem contribuir com o caixa 2 da reeleição de FHC.
O leilão de privatização foi, na verdade, um poderoso instrumento de caixa 2, alimentado pelas empresas compradoras das fatias da Telebras.
A Telemar foi adquirida por um grupo chamado pelo então ministro das Comunicações, Mendonça de Barros, de “rataiada”. Faziam parte desse grupo a Andrade Gutierrez e a família Jereissati, do senador cearense Tasso Jereissati. Já a Brasil Telecom (que depois seria comprada pela Oi) tinha entre seus acionistas o impoluto Opportunity, de Daniel Dantas.
O curioso é que, durante muitos anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI) eram os maiores acionistas da Oi, mas abriam mão do direito de administrar a empresa em favor da Andrade Gutierrez e do Grupo La Fonte (da família Jereissati). Ou seja, os maiores acionistas ainda eram estatais, mas a gestão e os lucros eram privados.
Logo depois da privatização a empresa começou a sofrer os efeitos do conflito entre seus interesses e as ações de seus controladores. As operadoras de telefonia celular, que depois viriam a integrar a Oi, foram inicialmente adquiridas diretamente pelos controladores da empresa e depois revendidas para a própria Oi. A empresa foi obrigada a comprar um pacote pronto, inclusive, com o valor definido por seus controladores.
Anos depois, em operações reversas, quando vendeu ativos para seus controladores, a Oi foi questionada pelos acionistas minoritários, que levaram o caso à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo estes acionistas, a empresa e, consequentemente, eles também, estava sendo prejudicada para favorecer seus controladores.
Em 2008, depois de uma longa batalha contra seus acionistas minoritários em torno da reestruturação da empresa, os controladores da Oi ousaram um novo movimento.
Por meio de um intenso lobby junto ao governo Lula conseguiram a edição do Decreto Presidencial nº 6.654 que alterou o Plano Geral de Outorgas (PGO), permitindo que a Oi comprasse a Brasil Telecom e se tornasse a concessionária de telefonia fixa em 26 estados do país (exceto São Paulo, onde operava a Telefônica, hoje Vivo).
A operação foi triplamente lesiva para a empresa. De um lado, a Oi herdou uma série de esqueletos no armário trazidos pela Brasil Telecom e a gestão do Opportunity. De outro lado, a dívida da empresa mais que dobrou.
Mas, principalmente, a Oi assumiu obrigações de universalização da telefonia fixa em 26 estados do Brasil, passando a competir com gigantes transnacionais que, ou não tinham obrigação alguma, ou, caso da Vivo, eram concessionários apenas em São Paulo, o mais lucrativo mercado brasileiro.
O fato de ser uma empresa que operava apenas no Brasil, somada à assimetria de obrigações em relação a seus concorrentes transnacionais foi fatal para o futuro da Oi. Mas não para seus controladores, que ganharam com a operação.
Na sequência, a Oi se viu envolvida em um imbróglio internacional. A Telefônica de España pressionava a Portugal Telecom para comprar a participação desta na Vivo. E os portugueses diziam que só venderiam se fossem capazes de encontrar um novo investimento no Brasil.
O grupo Ongoing, então maior acionista da Portugal Telecom, usou o então primeiro-ministro de Portugal,José Sócrates, para pressionar o governo brasileiro e permitir que a Portugal Telecom pudesse entrar no capital da Oi.
Para que isso ocorresse era necessário que PREVI e BNDES diminuíssem suas participações na Oi. E assim foi feito em condições que até hoje não ficaram totalmente claras e que, provavelmente, representaram prejuízo para as carteiras de investimento do BNDES e da PREVI.
Ao final, os acionistas da Portugal Telecom passaram a deter cerca de 25% da Oi. E boa parte dos cerca de R$ 8 bilhões que a Oi deveria ter ganhado com a entrada dos portugueses acabou absorvida por Andrade Gutierrez e La Fonte.
Em 2013, veio o golpe de misericórdia na Oi, com a fusão com a Portugal Telecom. O processo não apenas fez a dívida da Oi explodir como, ao final, descobriu-se um calote com o Banco Espírito Santo, de Portugal, de mais de $ 1 bilhão de euros.Com o fracasso da operação a Portugal Telecom teve que ser vendida a um grupo francês, mas o dinheiro, novamente, acabou parando nas mãos dos controladores.
Desde então, a empresa começou uma via crucis de diminuição de investimentos e venda de ativos. A Oi vendeu o portal de Internet IG, a empresa de telemarketing Contax, seus cabos submarinos e todas as suas antenas de telefonia celular (que ela agora arrenda). Mesmo assim, a dívida só fez aumentar.
Como se não bastasse, a história da Oi passou a ser contada também nas páginas policiais dos jornais. Otávio Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez e também ex-presidente do conselho de administração da Oi, foi preso pela Operação Lava Jato.
O mesmo destino teve André Esteves, do BTG Pactual, acionista da Oi, consultor da empresa na fusão com a Portugal Telecom e comprador dos cabos submarinos da Oi.
Em Portugal, José Sócrates foi parar em prisão domiciliar e Zeinal Bava, ex-presidente da Portugal Telecom e da Oi, luta para não ser preso. A Operação Lava Jato ainda flagrou diretores da Andrade Gutierrez em lobby junto a políticos pela escolha e veto de diretores da Anatel.
Mais uma barganha pela frente?
A história traumática da Oi culminou com o pedido de recuperação judicial e uma dívida de mais de R$ 64 bilhões. Mas até mesmo esse processo pode esconder uma nova tentativa de beneficiar os controladores da Oi (agora, em sua maioria, originários da Portugal Telecom).
Pouco antes de pedir recuperação judicial, a Oi demitiu seu CEO, Bayard Gontijo. Ele vinha negociando com credores a transformação de parte substancial da dívida em cerca de 95% do capital da Oi.
Em troca de sanear a empresa, a medida implicaria em deixar os antigos acionistas com apenas 5%. Os acionistas controladores se recusaram a ser diluídos e optaram pela recuperação judicial. E aqui começa o novo problema.
A opção pela recuperação judicial – mesmo diante de uma dívida enorme e uma infraestrutura sucateada – demonstra que os controladores da empresa se sentem seguros para rejeitar a proposta de transformação de dívida em participação acionária. Tal segurança só pode ser provida por um personagem: o governo brasileiro.
Cabe destacar que os controladores da Oi não são os únicos a pressionar o governo por uma solução vantajosa. Também Bradesco, Itaú e Santander têm grandes exposições à dívida da Oi e querem evitar um calote. E o governo dispõe de um saco de bondades para ajudar à operadora.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) possui mais de R$ 10 bilhões em multas emitidas à Oi e não pagas. A ideia é transformar essas dívidas em compromisso de investimento. Os prazos e as condições desse investimento ainda podem ser negociados e, na prática, se tornarem um compromisso “para inglês ver”.
A Oi tem dívidas de mais de R$ 15 bilhões com bancos estatais, sendo cerca de R$ 7 bilhões com o BNDES. Novamente, aqui o governo tem condições de alongar prazos ou até mesmo prever vantajosos descontos em relação aos valores originais.
Mas apenas isso não seria suficiente. É necessário mudar a legislação do setor e os contratos de concessão. A primeira mudança seria na extinção da obrigatoriedade de reverter à União, em 2025, os bens adquiridos quando da privatização e que são essenciais para a prestação da telefonia fixa.
Trata-se de uma fortuna de 7,5 mil imóveis que deixariam de ser reversíveis à União e poderiam ser alienados. Ou seja, bens públicos usados para fins privados.
E, principalmente, algum tipo de mudança que acabasse com as regras de universalização da telefonia fixa, pondo fim à obrigação da Oi em 26 estados brasileiros. O problema é que se a Oi não for mais obrigada a prestar esse serviço, tampouco suas concorrentes irão se aventurar pelos rincões do país, o que pode provocar um apagão de telecomunicações em boa parte do território brasileiro. Este é o cerne do dilema que o governo vem enfrentando em sua inegável “boa vontade” para com os controladores da Oi.
É pouquíssimo provável que o governo golpista de Michel Temer se arrisque por esse caminho, mas a história da Oi demonstra que a condição fundamental para a continuidade da empresa é o afastamento imediato dos controladores da concessionária.
Caso contrário, qualquer solução tende a ser lesiva para os interesses dos acionistas minoritários, de uma parte dos credores (em especial a União), da própria empresa e, principalmente, dos usuários dos serviços de telecomunicações.
Uma proposta paliativa agora seria apenas adiar a crise terminal da empresa. A intervenção do Estado deve se somar à resolução do atual modelo regulatório, que confere à Oi praticamente todas as obrigações de universalização da telefonia fixa.
Sem uma solução para essa assimetria (ao mesmo tempo, sem provocar um apagão) a empresa não terá chances de sobreviver. Por fim, é óbvio que se os órgãos reguladores e o governo tivessem cumprido suas obrigações jamais teríamos chegado nessa situação.
A história da Oi é uma das melhores ilustrações de como o Estado brasileiro é utilizado como instrumento de acumulação de capital por nossas elites.
Fonte: Blog do Gindre
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