O prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella, resumiu sua vitória como um sonoro “não” da cidade tida como mais progressista do Brasil às bandeiras do aborto, da legalização das drogas e do ensino sobre diversidade sexual nas escolas.
Ele de fato as combateu, mas não foram estas as bandeiras centrais de seu adversário Marcelo Freixo, do PSOL, no segundo turno. O que sua vitória simboliza é a conclusão da guinada do Brasil à direita, num giro sem precedentes depois da redemocratização, e que no primeiro turno teve na vitória de João Dória em São Paulo seu sinal mais eloquente. Não só dos caminhos que a esquerda seguir para se recuperar do tombo dependerá a duração deste ciclo, em que o Brasil será um país bem diferente. A partir de janeiro a direita estará governando o país e a maioria dos municípios, e de seus resultados dependerá a duração deste ciclo.
A vitória de Crivella é ainda mais expressiva do giro conservador porque não expressa apenas a força de uma direita ideológica, amiga do mercado e hostil ao Estado, chegada a privatizações e à ortodoxia fiscal. Crivella é a expressão da força crescente das religiões evangélicas para além dos templos. É expressão do conservantismo moral que demoniza a diversidade do comportamento humano em diferentes aspectos, estigmatizando como pecadores e aliados do capeta os que não comungam de seus mandamentos. “Chora capeta”, foi como o pastor Silas Malafaia festejou a vitória de Crivella. Capeta são todos os outros, todos os derrotados, e especialmente, nas palavras dele, os “esquerdopatas”.
A Igreja Universal controla a segunda maior rede de televisão e as outras ramificações dominam quase todos os canais abertos a partir de certa hora da noite. É só zapear e lá estão os pastores das seitas que alugam horários nas outras emissoras para suas pregações. Fortalecida pela vitória de Crivella, a direita moralista retomará os projetos que vinha tocando no Congresso, que incluem o fim da autorização do aborto em casos excepcionais, a rejeição de medidas contra a homofobia e de propostas de políticas alternativas sobre drogas. E ainda o avanço do projeto “escola sem partido”, que já teve uma primeira acolhida na reforma do segundo grau do governo Temer, ao tornar opcionais matérias que levam à formação crítica dos alunos, como filosofia e sociologia.
Mas a direita, assim como a esquerda, tem matizes diversos e todas eles colorem o novo mapa ideológico do Brasil. No segundo turno, para ficar só em capitais importantes, ela venceu em Porto Alegre com Marchezan Júnior, filho de um líder do PDS na ditadura militar; com um “out sider” adepto da antipolítica em Belo Horizonte, Alexandre Kalil, do PHS; com a eleição em Curitiba de Rafael Greca, aquele que declarou tem tido vômitos após carregar um pobre em seu carro. No primeiro turno, além da vitória de Doria na capital paulista, o mais votado foi ACM Neto em Salvador.
Onde foi que isso começou? Foi com a destruição moral do PT pela Lava Jato ou pela crise econômica que, originária do final do boom das commodities, foi inteiramente debitada a erros de gestão do governo Dilma? Ou foram as duas coisas? Se apenas o PT tivesse sido surrado nas urnas como foi, o eleitorado estaria apenas usando o voto como castigo contra quem considera culpado. Mas toda a esquerda saiu derrotada, inclusive sua maior promessa neste pleito, Marcelo Freixo no Rio. A Rede mostrou que a nada veio, o PDT cresceu um pouquinho, o PCdoB foi castigado por sua aliança histórica com o PT. O PSB já atravessou o rubicão.
O vento da direita não é apenas brasileiro, é continental, se não global. Ele sopra em toda a vizinhança onde os governos de centro-esquerda, no tempo das vacas gordas, acharam que bastava garantir o consumo e a renda para fidelizar o apoio das classes populares. Não ousou fazer reformas no sistema político e tributário, não ousou regular a mídia (exceto na Argentina) nem disciplinar os capitais nômades. E, sobretudo, desprezou a necessidade de educar politicamente o povo, que na primeira adversidade lhes voltou as costas.
Quanto tempo vai durar? Vai depender de como o PT conseguirá se reinventar, de como ele e os outros partidos de esquerda vão se relacionar com vistas ao futuro. Está claro que sem alguma unidade será mais difícil vencer o cerco. Mas a duração do retrocesso dependerá, sobretudo, de quais serão os impactos destas administrações conservadoras sobre a vida real dos brasileiros. No governo do pais, está cada dia mais claro que a gestão Temer trará sacrifícios e não bonança. A dureza não será passageira, está prometida para 20 anos. O congelamento do gasto público diz que ninguém deve esperar do governo federal “bondades” como as dos governos petistas, que teriam custado caro. Mas as prefeituras estão bem mais perto dos cidadãos, que a elas se apegam mais na solução dos problemas imediatos. Estão todas falidas e esperando algum socorro do governo federal, que não virá. Até onde a vista alcança, serão administrações de poucos resultados ou então serão irresponsáveis, o que levará a um descalabro ainda maior.
É sobre estes resultados, e avaliando corretamente as razões da derrota, que a esquerda deve se preparar para o novo tempo.
Fonte: Blog do Miro
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