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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Equador amplia fronteira petroleira

Desde 1989, com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as populações indígenas têm um respaldo internacional que lhes garante o direito de serem consultadas “por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas” (Artigo 6o), em caso de medidas que possam afetá-los diretamente, como ocorre com a exploração dos recursos naturais em seus territórios.
O país se depara com a bifurcação entre o proclamado “plurinacionalismo” e a manutenção de uma economia extrativista 
O “PREÇO” da Revolução Cidadã do presidente equatoriano Rafael Correa é bastante caro e algumas nacionalidades in- dígenas amazônicas já afirmaram que não estão dispostas a pagá-lo.
Jaime Vargas, líder indígena da nacionalidade Achuar e presidente do Comitê Interfederacional constituído por três organizações indígenas da região, é porta-voz dessa discordância contra os processos de consulta prévia que vêm sendo realizados na região centro-sul amazônica do Equador. “A consulta tem que ser de boa fé e através de representantes legais eleitos pelo povo”, afirma. 
Desde 1989, com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as populações indígenas têm um respaldo internacional que lhes garante o direito de serem consultadas “por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas” (Artigo 6o), em caso de medidas que possam afetá-los diretamente, como ocorre com a exploração dos recursos naturais em seus territórios. 
Contudo, representantes de organizações indígenas de diferentes nacionalidades que habitam a região centro-sul da Amazônia equatoriana rejeitam os pro- cedimentos adotados pelo governo Correa e reclamam do desrespeito às decisões tomadas desde suas bases. “Querem romper com nossa estrutura política”, dispara Vargas. 
Alexis Guerrero, diretor da Secretaría de Hidrocarburos do Equador (SHE), órgão responsável pelos processos de consulta prévia naquele país, garante que o governo respeita a forma de organização das comunidades. Segundo ele, desde 2012, quando começaram as consultas para ampliação da fronteira petroleira, buscou-se contatar os dirigentes indígenas, cujos territórios seriam eventual- mente impactados pela atividade. 
Guerrero reconhece, contudo, que as respostas sempre foram negativas. No entanto, argumenta que “a consulta pré- via não está dirigida às organizações e seus representantes”. E acrescenta que “uma coisa é o que dizem os dirigentes e outra coisa é o trabalho que o Estado realiza com os cidadãos. O Estado apenas informa ao cidadão. Não pedimos nada em troca”, garantiu em entrevista a Marlon Vargas, diretor da rádio comunitária da nacionalidade Achuar. 
Consulta ou consentimento? 
No Equador, a Constituição de 2008, aclamada internacionalmente por inúmeros avanços no reconhecimento de direitos aos povos e nacionalidades indígenas, especifica que a consulta prévia corresponde ao Estado equatoriano. Essa distinção é destacada por Milton Vargas, assessor jurídico da Comissão Ecumênica de Direitos Humanos do Equador. Em resposta ao argumento do diretor da SHE quanto ao papel do Estado di- retamente em interlocução com os cidadãos, o advogado ressalta que a consulta prévia, livre e informada sobre projetos que afetem povos indígenas, afroequatorianos e montúbios é um direito coletivo. 
“A consulta é um direito coletivo dos povos e nacionalidades, diferente do direito à consulta ambiental geral, que trata individualmente de todos e todas equatorianos”, observa Milton Vargas. 
Ele acrescenta que, embora a Constituição do país diga que ambas formas de consulta não são vinculantes, ela também estabelece que instrumentos inter- nacionais ratificados pelo Estado devem prevalecer sobre outras normas de me- nor hierarquia. “O Convênio 169 da OIT e a Declaração dos Povos Indígenas das Nações Unidas, de 2007, que já fala em consentimento livre prévio e informado, devem ser de cumprimento obrigatório”, defende. 
Em entrevista à rádio local da cidade de Macas, capital do estado amazônico de Morona Santiago, a quase 400 km de Quito, Guerrero demarca o papel in- formativo junto às comunidades e questiona o fato de que, depois de haverem “lutado por tantos anos para terem seus pontos de vista escutados”, os representantes indígenas atualmente se recusem a participar das consultas realizadas pe- lo Estado. 
“Pessoalmente, me parece algo mui- to contraditório”, afirma o diretor, quem atribui ao modus operandi da prospecção e extração petroleira a duração dos contratos, que pode ultrapassar 20 anos. 
Para Jaime Vargas, presidente da Nacionalidade Achuar e do Comitê Interfederacional, conformado em resposta a série de consultas realizadas pela SHE nos últimos meses e consideradas “ilegítimas”, “as comunidades já disseram não à exploração petroleira em seus territórios e vão reagir expulsando funcionários do governo, protestando e até utilizando a justiça indígena, se necessário”, alerta. 
“Queremos realizar uma consulta própria, com nossas regras, e inclusive buscando observadores internacionais, co- mo jornalistas e representantes das Nações Unidas”, planeja o dirigente. 
A queda de braço entre as organizações e o governo Correa não é recente e tampouco tem data para terminar. Guerrero reforça que as consultas prévias vão continuar na região centro-sul Amazônica. Os trâmites, explica, são exigidos legalmente para uma fase posterior de li- citação destes mesmos blocos. Isso inclui a demarcação de blocos que abrangem o território de Sarayaku, símbolo internacional da luta anti-petroleira. Em favor dessa comunidade de nacionalidade Kichwa a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma sentença contra o Estado equatoriano, pelo desrespeito, em governos anteriores, aos direitos de consulta, propriedade comunal e identidade cultural do povo de Sarayaku. 
O funcionário da SHE justifica que “os recursos naturais são do Estado”, cabendo ao governo de turno a faculdade de utilizá-los da melhor maneira: “O petróleo, a água, o ar, o mar, os recursos naturais renováveis e não renováveis são do Estado”, demarca Guerrero. 
Bem viver de Estado 
Mesmo aqueles que se opõem ao modelo de desenvolvimento priorizado pe- lo governo não negam que o país mudou nos últimos anos. Estradas, hospitais e as chamadas Escolas do Milênio são alguns dos cartazes da “revolução” atribuída em grande parte aos benefícios da “nova época petroleira”. Estes são divulgados pelo governo, particularmente em “socializações” realizadas pela SHE. Nestes eventos promovidos pela Secretaria, além de esclarecimentos aos moradores, são distribuídos livros infantis para as crianças colorirem, contendo informações lúdicas sobre os possíveis benefícios advindos do petróleo. 
Contudo, para Milton Vargas, asses- sor jurídico da Comissão Ecumênica de Direitos Humanos (CEDHU), a política extrativista do governo “promove divisões nas comunidades e impulsiona processos administrativos e judiciais contra pessoas que defendem os direi- tos humanos e os direitos da natureza”. Estes últimos, reconhecidos constitucionalmente, estão relacionados à convivência harmônica homem-natureza e fundamentados no princípio indígena e ancestral do Bem Viver ou Buen Vivir – também conhecido como Sumak Kaw- say, em idioma Kichwa ou Shiran Pujus- tin, em Achuar. 
Milton Vargas esteve recentemente na Comissão Interamericana de Direi- tos Humanos (CIDH), em Washington (EUA), para acompanhar indígenas da nacionalidade Shuar que relataram inúmeros casos de violação dos direitos humanos, incluindo o assassinato do ativista anti-mineração José Tendetza, em dezembro de 2014, na província de Zamora-Chinchipe, ao sul do país. Tendetza vinha sofrendo ameaças e, em 2013, após se opor à expropriação de seu território, enfrentou uma ação judicial por parte da empresa ECSA (Ecuacorriente, filial das chinesas Tongling e China Railways).

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