Muitas feministas consideram que, para discutir uma certa questão social, os debates devem contar com as vozes das partes diretamente envolvidas.
Ou seja: a questão do racismo dentro do Feminismo deve ser protagonizada por mulheres negras, a da transfobia por pessoas trans e a do capacitismo por pessoas com deficiência. Cada debate deve ser direcionado com falas que ultrapassam os limites das teorias e exemplificam, pela vivência e pela prática, tudo aquilo que o tema aborda.No entanto, parece que o BDSM tem virado assunto de problematizações sem que as vozes de quem pratica se façam presentes. As mulheres praticantes de BDSM não são realmente ouvidas e levadas a sério, quando suas experiências deveriam ser consideradas as mais importantes para compreender o assunto. Afinal, são elas as pessoas que curtem bater ou apanhar, que enxergam erotismo em cordas perfeitamente trançadas, que vivem dinâmicas sexuais destoantes da norma do sexo convencional.
Isso é extremamente preocupante, acima de tudo porque abafa as vozes das pessoas que estão diretamente envolvidas nesse processo e que, certamente, têm muito a falar sobre o assunto. A começar pela omissão de alguns discursos críticos quanto às mulheres sadistas e dominadoras. O BDSM não é formado apenas por mulheres masoquistas, pelo contrário, as subculturas que envolvem a supremacia feminina são bastante numerosas. Infelizmente, em muitos casos onde o Feminismo debate o BDSM, a atenção é voltada somente para as mulheres masoquistas que se relacionam com homens dominadores, o que é profundamente problemático.
Também é necessário lembrar da nocividade de intimidar mulheres que praticam BDSM, pois o BDSM, assim como qualquer outra manifestação cultural, também conta com pessoas machistas, racistas, conservadoras e cheias de preconceito. Não é diferente do sexo convencional, onde o machismo também está presente. Quando as praticantes de BDSM se sentem julgadas, coagidas e excluídas dos espaços feministas por gostarem de práticas sexuais inconvencionais, isso funciona como um mecanismo de silenciamento. E o combate ao machismo é algo que envolve a todos, independente de suas fantasias, taras, fetiches e zonas erógenas
Então de que forma essas mulheres podem, de fato, se proteger, se não puderem contar com o Feminismo para levar a sério suas escolhas? É comum pessoas com desejos masoquistas ou sadistas passarem por períodos em que questionam seus desejos, muitas vezes achando que são “doentes” ou “desajustadas”. Se uma mulher praticante de BDSM consegue superar todo esse sofrimento e hostilização, ela provavelmente está em condições de compreender suas próprias fantasias e viver seus fetiches de maneira sã, segura, consensual e responsável.
Mulheres adultas podem entender perfeitamente que seus desejos possuem causas e, mesmo assim, escolherem viver suas fantasias. Isso não significa que elas não sabem que há pessoas abusivas, homens misóginos e casos problemáticos ou até criminosos no BDSM. Pelo contrário, o fato de frequentarem as cenas, conhecerem outras pessoas praticantes e até participarem de redes sociais para fetichistas, faz com que elas saibam melhor do que qualquer outro. Mas é quase impossível levantar essas importantíssimas vozes no Feminismo, pois são carimbadas de ingênuas e manipuláveis pelas próprias feministas.Para que as práticas abusivas mostradas em Cinquenta Tons de Cinza sejam expostas, para que abusadores que se passam por fetichistas experientes sejam desmascarados e para que a sexualidade deixe de ser um tabu e se torne um assunto acessível, precisamos debater, muito, sobre o BDSM. Mas isso só pode acontecer com a participação e o protagonismo das mulheres que vivem essa realidade.
Vamos parar de silenciar as mulheres praticantes de BDSM. Deixemos que sejam protagonistas de suas próprias vivências.
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Fonte: Revista Forum
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