"Sou branco, casado com uma loira de olhos verdes e tenho dois filhos de olhos azuis. Cresci em uma família sólida, tive oportunidades e sempre contei com o benefício da dúvida". Homem que sempre se sentiu à vontade com as desigualdades raciais explica por que (e como) decidiu mudar
Eu sou um branco americano. Sou casado com uma linda loira de olhos verdes e tenho dois filhos loiros de olhos azuis.
Fui uma criança loira de olhos azuis que cresceu nos subúrbios de Nova Jersey, em uma família sólida, com mãe, pai, um irmão e dois cães. Tive uma vida marcada pela oportunidade e pelo perdão; embora nem sempre tenha tido “muito“, sempre contei com o benefício da dúvida.
Fui uma criança loira de olhos azuis que cresceu nos subúrbios de Nova Jersey, em uma família sólida, com mãe, pai, um irmão e dois cães. Tive uma vida marcada pela oportunidade e pelo perdão; embora nem sempre tenha tido “muito“, sempre contei com o benefício da dúvida.
Aprendi a tratar a todos igualmente, independentemente de raça ou qualquer outro identificador demográfico. E, embora minha cidade fosse predominantemente branca, certamente não cresci isolado de outras raças e culturas.
Mesmo com a educação e a exposição com que fui abençoado, provavelmente sou racista. Não quero dizer racista como um fanático cheio de ódio que desumaniza e menospreza a vida alheia com base na cor da pele. Quero dizer que estou distante e me sinto pouco à vontade com as desigualdades raciais que existem no meu país.
É OK para mim admitir isso. Não quer dizer que eu seja má pessoa. Só que estou pronto para mudar. Admitir exigiu duas coisas: pesquisa e honestidade. Ao longo dos últimos anos, li, assisti, ouvi e participei de inúmeras discussões sobre o tema, vindas de várias fontes diferentes. Por meio desse processo, fui capaz de perceber as realidades que mencionei acima. O que é ótimo para mim, mas, para os fins deste post, vamos analisá-las um pouco mais a fundo.
Me sinto pouco à vontade com as desigualdades raciais que existem no meu país.
Raramente sou forçado a confrontar essas realidades. Certamente a mídia, social e tradicional, destaca a questão, mas não é isso o que quero dizer. Lendo um post poderoso num blog ou um tweet inspirador não significa confrontar nada. O que quero dizer é que quando a polícia me para, quando vou às compras, quando faço uma entrevista de emprego, conheço alguém etc… espero ser julgado por quem sou.
Sim, tenho tatuagens e barba, e com certeza às vezes fazem generalizações sobre mim, mas não me preocupo com isso porque sei que esses julgamentos serão esquecidos uma vez que a pessoa me conhecer. E pressuponho que isso vá acabar acontecendo, porque, mesmo com os julgamentos, terei o benefício da dúvida. Vivo minha vida me aproveitando das paredes de vidro dos outros. Isso simplesmente não é verdade para as pessoas de cor. Elas são forçadas a confrontar julgamentos todos os dias. Talvez não de maneira abertamente intolerante e odiosa (embora tenha certeza de que isso também aconteça). Mas elas têm o “déficit da dúvida”.
O vigia que faz uma nota mental de que eles por ali, a mulher que trava a porta do carro quando eles se aproximam e, sim, todas as vezes que eles são parados pela polícia só porque são negros e estão dirigindo um carro. (Não importa se você acha que isso acontece poucas ou muitas vezes, todos nós sabemos que acontece.) Então veja: enquanto eu fico muito pouco à vontade quando sou forçado a enfrentar uma realidade terrível que posso geralmente evitar, meus amigos e vizinhos de cor são forçados a enfrentá-las todos os dias.
Consequentemente, eles desenvolveram uma certa resistência em relação a esse assunto e são mais livres para discuti-lo. Isso pode ser facilmente mal interpretado como impetuosidade ou agressividade. Deixe-me colocar da seguinte maneira: todos temos em nossas vidas uma pessoa que consegue dizer a coisa que deixa todo mundo pouco à vontade. Talvez seja um amigo ou colega de trabalho, talvez seja o seu primo ou sua cunhada; quem quer que seja, a nossa atitude é geralmente achar que o problema é deles. Achamos que eles estão fazendo algo com a gente, porque estamos nos sentindo pouco à vontade com o que eles estão dizendo ou fazendo, em vez de assumir a responsabilidade pelos nossos próprios sentimentos.
Até o dia em que eu admitir que me sinto menos à vontade para falar de desigualdade racial do que as pessoas que são forçadas a lidar com isso todos os dias de suas vidas, nunca serei capaz ser parte da solução. E, se não sou parte da solução, sou parte do problema.
Não conheço as desigualdades raciais que existem no meu país.
Recentemente estava assistindo a um culto de domingo da Igreja North Point. O pastor principal, Andy Stanley, convidou dois homens negros que também eram líderes cristãos a participar de uma discussão sobre os acontecimentos recentes e o racismo em geral no país. Ambos explicaram que aprenderam como se comportar se fossem parados pela polícia. Falaram como se fosse algo perfeitamente normal. Uma lição óbvia como não beber e dirigir, ou sempre pagar suas contas. Pode não parecer tão estranho, até que eles descreveram exatamente o que queriam dizer com “como se comportar se fossem parados pela polícia”.
Uma das coisas que eles disseram foi que você nunca deve tentar pegar a carteira. Eu entendo que, se você está sendo abordado por um policial, não deve fazer movimentos bruscos, mas foi surpreendente perceber como essa lição é incutida nos jovens negros. Era algo tão profundo que, quando ele ouviu falar sobre os incidentes recentes, admitiu ter pensado: “Por que você tentou pegar a carteira? Você sabe que não deve fazer isso”.
Vou ensinar meus filhos a sempre respeitar a polícia. Vou ensiná-los a não resistir ou fugir se forem abordados, e a serem sempre abertos e honestos. Mas não vou ter de ensinar-lhes a não tentar pegar a carteira. É inimaginável ter de ensinar meus filhos como se proteger das pessoas que deveriam protegê-los.
Se ignorância é definida como falta de conhecimento, educação ou consciência, então sou certamente ignorante das desigualdades raciais que existem em nosso país. A coisa bela da ignorância, porém, é que ela é facilmente remediada — mas não sem vontade e intenção.
Um vídeo que tem circulado recentemente mostra várias pessoas sentadas num restaurante. Todas são brancas, exceto uma. A garçonete traz pizza para todos os clientes brancos. O negro então pergunta para a garçonete: “Onde está minha pizza?”. Os outros clientes respondem: “Por que você está implicando tanto? Todas as pizzas são importantes”. A ideia é ilustrar a tensão entre o movimento #blacklivesmatter (as vidas dos negros são importantes) e #alllivesmatter (todas as vidas são importantes). Acho que é uma excelente ilustração, mas deixa de fora um dos fatores mais importantes. Ela teria sido muito mais precisa se os homens brancos estivessem de olhos vendados. Porque, queiramos ou não, a maioria de nós está de olhos vendados em relação às coisas que as pessoas de cor enfrentam todos os dias. Não é culpa nossa, mas se as coisas vão mudar um dia, depende da gente.
Meu desconforto e minha ignorância podem ser atribuídos principalmente a uma coisa:
Estou distante das desigualdades raciais que existem no meu país.
Moro em Nova Jersey. Não passei vida inteira sem interagir com pessoas de cor. Não me informo só pela mídia sobre as outras culturas e raças que não a minha. Tenho amigos, colegas de trabalho, vizinhos, mentores e parentes que são pessoas de cor, mas ainda estou distante das desigualdades raciais que marcam suas vidas. Nunca foi segredo que fui “jovem rebelde”. E com isso quero dizer que eu era um criminoso. Tomei decisões muito erradas e fiz um monte de coisas horríveis. Coisas que jamais serei capaz de reparar plenamente.
Mas nunca passei mais que um fim de semana na cadeia. Sempre atribuí a realidade de ser um homem livre a Deus me protegendo e me permitindo aprender as lições sem passar tempo na cadeia. Entretanto, tenho de reconhecer que minha carta de “saída livre da prisão” veio, pelo menos em parte, devido à minha capacidade de me queimar no sol em apenas 15 minutos. Também expresso regularmente minha gratidão por todas as oportunidades que me deram para fazer coisas para as quais eu não era qualificado. Me deixaram ficar nos bastidores várias vezes, e isso formou quem sou e me desenvolveu em minha área, sem nenhuma explicação razoável.
Nunca saberei com certeza, mas tenho de me perguntar se minha experiência seria diferente se eu fosse diferente. O “déficit da dúvida” enfrentado pelas pessoas de cor ao longo das suas vidas é algo que estou apenas começando a entender. E essa compreensão é apenas intelectual. Diz-se frequentemente que a maior distância no mundo é de 46 centímetros, a distância entre a cabeça e o coração. Sempre estarei distante do déficit da dúvida até que eu permita que ele se aproxime do meu coração. A questão então é: como?
Conhecer alguém.
Não estou dizendo conhecer alguém como os brancos costumam dizer quando o assunto racismo vem à tona: “Um dos meus melhores amigos é negro”. Quero dizer que tenho de entrar. Superar meu desconforto. Tenho de ter a intenção de me educar e aumentar minha conscientização para diminuir minha ignorância. Tem de ser algo pessoal.
Tenho deixar meu coração se cortar com o fato de que há pessoas neste país que nunca, jamais recebem o benefício da dúvida. Tenho de me importar o suficiente para fazer algo. Algo mais que só escrever um post de blog ou compartilhar um vídeo. Tenho de construir relações genuínas com pessoas de cor e parar com essa idiotice de “não enxergo cores”.
Tenho de enxergar cores e aprender a apreciá-las pelo que elas são. Tenho de me permitir participar e curtir uma cultura que não é a minha. Uma cultura que tem seus prós e contras, como todas as outras. Tenho de estar disposto a estar perto o suficiente para aplaudir quando há uma vitória, lamentar quando há uma perda e denunciar quando há injustiças. Tenho de enxergar meus irmãos e irmãs de cor como família.
Tenho um certo grau de poder e privilégio por causa da cor da minha pele. Não me sinto culpado. Não pedi nem procurei, mas tenho. A responsabilidade por ter esse privilégio não é minha; mas a responsabilidade do que faço com ele privilégio, sim.
Fonte: Pragmatismo Político
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