Não existe nada de mais descolado da realidade econômica do que a ideia de que ajustes radicais promovem recuperações rápidas na economia.
Trata-se de opinião de economistas que jamais conseguiram avançar para além das planilhas. No poder, esses economistas promovem estragos incalculáveis.
Foi assim no plano Real, quando jogaram as taxas de juros para níveis inimagináveis. Em pouco tempo formou-se a maior dívida pública da história sem contrapartida de ativos.
O que aconteceu na economia real?
Ela já vinha em queda desde o final de 1994. No segundo semestre de 1994, a estabilização fez explodir o consumo e houve grande estímulo ao endividamento das empresas, visando ampliar seu capital de giro para atender o mercado que explodia. No final do ano, sentindo que haviam batido no limite, começaram a reduzir estoques e a sair gradativamente do nível anterior de endividamento.
Aí a elevação radical das taxas de juros apanhou-as no contrapé. Impediu-as de voltar ao patamar anterior. Foram apanhadas pela armadilha do endividamento, criando-se o maior endividamento circular da história, que manietou a economia pelos anos seguintes. A crise arrebentou com o setor agrícola, bateu na indústria e desmontou a arrecadação. A dívida aumentou pelo exercício exagerado dos juros e pela queda da receita.
Isso acontece porque a economia é um conjunto de relações entre setores, que se afetam mutuamente. Não se está tratando com máquinas, mas com intenções, expectativas, um equilíbrio permanentemente precário entre crescimento e preços.
Se a economia está em vôo cruzeiro, as empresas aumentam seus estoques, os consumidores ampliam seus financiamentos. Quando a economia começa a fraquejar, há um processo inverso de queima gradativa de estoques e de pisada no freio do endividamento pessoal. É um processo que demanda tempo. Não se liquidam dívidas em um piscar de olhos.
Quando, a pretexto de corrigir um desequilíbrio, inserem-se medidas radicais na economia - como essa mistura fatal de recessão, ajuste fiscal irreal e suspensão total do crédito -, corta-se a travessia de empresas e consumidores para a nova realidade que se pretende introduzir. Ambos são apanhados no contrapé e ficam presos à armadilha do endividamento.
O pensamento monofásico
Essas loucuras decorrem do pensamento monofásico dos nossos gestores econômicos.
O Ministro da Fazenda Joaquim Levy só tem olhos para uma equação simplória, tendo como foco único as decisões de investimento:
Não se investe por falta de confiança na parte fiscal.
Não se investe por falta de confiança na parte fiscal.
Se se fizer uma arrumação fiscal, aumenta-se a confiança. Ou seja, se vou de 0 para 1 na parte fiscal, a confiança aumentará de 0 para 1. Logo, se eu for de 0 para 5 na parte fiscal a confiança aumentará de 0 para 5.
Não lhe passa pela cabeça - ou melhor, só lhe passa depois do desastre consumado - o momento 2 do choque radical: a queda de receita, inviabilizando as metas fiscais; o aumento da fervura política, deixando o governo no corner junto ao Congresso e à opinião pública.
O presidente do Banco Central Alexandre Tombini é o monofásico das metas inflacionárias. Se a inflação sobe, basta aumentar os juros que a inflação desce. Debaixo dessa formulação simplória, há a economia como organismo vivo.
Divida-se o mercado em três preços: os importados, os administrados e os de mercado. Os primeiros e segundos independem da demanda; os terceiros são fundamentalmente regidos pela demanda. A inflação está sendo puxada pelos dois primeiros.
Se optasse por uma política gradativa, os preços mudariam de importados e administrados se estabilizariam em um patamar mais elevado - mas se estabilizariam. E inflação não é nível de preços, mas variação de preços.
Mas Tombini quer as soluções heróicas. Aumenta as taxas de juros a níveis pornográficos er corta completamente o crédito, para que a queda nos preços de mercado compense a alta nos preços dos importados e os administrados. Afinal, quanto mais radical o ajuste, mais rapidamente a inflação voltará para a meta.
Para atingir esse objetivo radical, só à custa de uma deflação radical nos preços de mercado.
Deflação ocorre apenas em situações em que a recessão é tão aguda que leva à queda até de preços em equilíbrio. Ou seja, pega-se um consumo em queda, com preços estabilizados, e aplica-se uma dose radical de juros para cair mais ainda, a fim de compensar as altas de preços não regulados pela demanda.
Nem tem o que calcular: somado à política fiscal de Levy, o resultado será recessão da grossa, com implicações no mercado de trabalho, na armadilha do endividamento das empresas. Em suma, tudo igual a 1995, com o agravante de não ter um Plano Real nas costas para legitimar as barbaridades cometidas.
Quando Gustavo "Saco de Maldades" Franco finalmente saiu do Banco Central, após uma sucessão amalucada de medidas "heroicas" que arrebentaram com a economia, ouvi de Luiz Carlos Mendonça de Barros - que foi economista do Cruzado - uma explicação sobre a formação dos economistas que sobem ao poder:
Saiu quando ia ficar bom. Todos nós, na primeira vez, nos deslumbramos com o poder que tem uma autoridade monetária e econômica e cometemos as maiores barbaridades. Depois amadurecemos e aprendemos que a economia não é assim.
O problema brasileiro é o eterno aprendizado dos novos aprendizes de feiticeiro que ascendem à área econômica.
Fonte: Luis Nassif Online
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