"Na favela não tem traficante, tem varejista. Os traficantes estão na Presidente Vargas, onde fica a sede da Polícia Militar do Rio de Janeiro.”
Essa foi a resposta de Leonardo Souza, integrante do coletivo Ocupa Alemão, a um representante da PM, durante a audiência pública de abril em que a políciapedia por mais apoio dos moradores à guerra contra o narcotráfico.
Essa foi a resposta de Leonardo Souza, integrante do coletivo Ocupa Alemão, a um representante da PM, durante a audiência pública de abril em que a políciapedia por mais apoio dos moradores à guerra contra o narcotráfico.
Fundado em 2012, dois anos após a implantação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora no complexo de favelas, o Ocupa Alemão defende a desmilitarização dos morros cariocas. O coletivo justifica seu posicionamento com base nos casos deabusos policiais na comunidade, de invasões a festas de aniversário a casos extremos como a morte de Mário Lucas, de 18 anos, assassinado por um policial dentro de sua casa, ou o menino Eduardo Ferreira, de 10 anos, morto com um tiro por um agente público, segundo a perícia, na porta de sua residência.
Exposto a um cotidiano de violência frequente, Souza é cético em relação à presença da polícia nas favelas. “A UPP nunca tirou o tráfico de drogas, só trouxe uma falsa sensação de segurança para a classe média.”
O vácuo deixado pelo Estado, sempre se afirmou, abriu espaço para um poder paralelo. Sua presença, diz o ativista, não amenizou o problema. “Antes da UPP, éramos obrigados a responder ao traficante. Hoje, se algo acontece, não posso chamar a polícia porque o traficante vai ver. Também não posso chamar o traficante porque a polícia me vigia. Não temos a quem reclamar”, afirma Souza.
Criadas em 2008, as UPPs são a principal aposta do governo fluminense para restabelecer o controle das favelas e combater o narcotráfico. Funcionam? Nem tanto, segundo as estatísticas. Dados da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro revelam que os roubos a residências cresceram 20% e os de estabelecimentos comerciais avançaram 28% na área do 16º Batalhão da Polícia Militar, que abrange os complexos da Penha e do Alemão, na comparação entre os primeiros três meses de 2014 e deste ano. A polícia defende-se com outros dados: 50% de redução em homicídios, entre 2011 e 2014, e aumento de 140% nas apreensões de armas na região.
Os indicadores mais recentes seriam a prova de que a presença policial não trouxe segurança, segundo o Ocupa Alemão. Ao contrário, antes da UPP, o complexo vivia relativa paz, segundo Rafael Balbo, também integrante do coletivo. Nesse período, todas as favelas estavam sob o domínio da facção criminosa Comando Vermelho.
Com as UPPs, o Comando Vermelho foi expulso e deu lugar a duas facções rivais: os Amigos dos Amigos (ADA) e o Terceiro Comando. “A polícia entra e escolhe qual facção quer aqui. Os policiais protegem o bandido lucrativo para eles e perseguem quem vai contra seus interesses”, acusa Balbo. “Com o complexo dividido entre duas facções, muitos moradores são impedidos de visitar parentes ou transitar em áreas rivais.”
Para ele, o maniqueísmo da disputa polícia versus traficantes, criado pelo governo e pela mídia, camufla a corrupção policial. “No Morro do Adeus, abriram uma boca na minha rua, em 2014. A polícia ficava a 5 metros, fazendo a proteção dos traficantes”, relata. “Neste ano mudou, porque eles não estavam conseguindo dar apoio aos moleques 24 horas por dia. Aí, prenderam o chefe e agora eles estão em tiroteio direto até se acertarem de novo.”
Souza concorda com a avaliação. Segundo ele, a guerra ao narcotráfico é uma desculpa para controlar militarmente áreas pobres e de maioria de população negra. “O tráfico de drogas ou armas não é problema do morro. Eu moro no Alemão desde que nasci e nunca encontrei uma fábrica de drogas ou de arma aqui. Essa é uma guerra contra pobres e negros.”
Moradores observam ainda seus escassos bens públicos servirem de trincheira. É o caso da Escola Estadual Caic Theophilo de Souza Pinto, há dois anos usada como base para a UPP Nova Brasília e com as paredes marcadas pelo confronto armado. A instituição apresenta desempenho escolar de 2,6 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, um ponto abaixo da média estadual. Por causa da violência, houve queda no número de alunos: 37% de redução em suas matrículas em comparação com 2010, ano em que a UPP foi instalada. De acordo com a Coordenadoria de Polícia Pacificadora, a UPP Nova Brasília aguarda a conclusão da reforma da nova base para abandonar a escola.
“Para quem está na linha do fuzil, o cenário nunca foi muito diferente”, afirma Souza. “A favela foi criada para ser um ‘não local’, para não existir. E a falta de políticas públicas após a ocupação confirma isso.”
“O que a gente quer é a auto-organização dos moradores. O Estado não entende as favelas e nunca as desejou. As favelas nasceram de mutirões. Nós, moradores, erguemos casas, escolas e creches, mas agora somos expulsos pela polícia e pela especulação imobiliária que veio com a ocupação”, acrescenta.
Em nota, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora afirma que nenhuma denúncia formal do coletivo foi encaminhada à polícia e os crimes policiais são investigados e punidos. Diz ainda que, de 2007 a maio de 2015, mais de 2 mil policiais civis e militares foram expulsos de suas corporações pelas mais variadas irregularidades. Além disso, “não haverá recuo no processo de pacificação nem a retirada de UPPs do Complexo do Alemão”
*Reportagem publicada originalmente na edição 858 de CartaCapital, com o título "Espremidos entre dois senhores"
Fonte:A Carta Capital
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