Em fevereiro de 2015, 12 pessoas foram mortas no Cabula, periferia de Salvador (BA),em ação da tropa de elite da Polícia Militar local.
Imediatamente, ao lado de movimentos sociais, como o Reaja, um jovem morador da região e integrante de um coletivo de comunicação chamado Mídia Periférica, publicou denúncias sobre a ação policial. Poucos dias depois, foi ameaçado e teve de deixar o local onde nasceu para não perder a vida.
Em novembro de 2014, uma chacina com a participação de policiais militares e ex-policiais assassinou 10 pessoas nas periferias de Belém. Imediatamente, um jovem do Instituto Amazônico de Educação e Comunicação Popular passou a lutar contra as arbitrariedades cometidas no incidente e divulgar nas redes sociais. No início de 2015, no entanto, também começou a receber constantes ameaças, bem como sua filha e esposa.
As histórias acima são apenas dois casos que ganharam mais notoriedade em um cenário em que milhares de jovens das periferias se utilizam das novas tecnologias de comunicação para denunciar violações de direitos e divulgar a cultura periférica. Mais que o olhar atento e único sobre a violência onde moram, há uma evidente necessidade de auto representação e divulgação das ações culturais ignoradas pelos grandes veículos.
Como o Mídia Periférica e a Renajoc, existem o Periferia em Movimento e a Revista Digital NNA, do extremo sul de São Paulo (SP); Maré Vive e Alemão Morro no Rio de Janeiro (RJ); CCJ Recife (PE) na comunidade do Totó e o Favela News, também da capital pernambucana; a Cooperativa RTocantins, em Marabá (PA), em um conjunto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida; o Tribus Jovens, composto por indígenas de Jatobá (PE); e uma infinidade de outros exemplos, que tomariam todos os caracteres deste artigo se fossem listados aqui.
O que todas essas iniciativas têm em comum? Uma enorme capacidade de reinvenção de modelos de organização e atuação política. Dos coletivos às cooperativas, da inexistência jurídica à formalidade, da articulação em grupo à atuação individual, jovens enxergam na produção de conteúdo nas redes uma alternativa para influenciar nos destinos políticos de seus territórios. Têm ideais participativos e de cidadania em sua essência.
É preciso superar o olhar que resume a comunicação independente do país a poucos “blogueiros progressistas”. O Encontro de Midialivrismo e Juventude, promovido pela Secretaria Nacional de Juventude, no Rio de Janeiro, em maio, reuniu mais de 100 iniciativas do Brasil e deixou claro o contrário: os jovens vão cobrar caro pelos retrocessos promovidos pela atual legislatura do Congresso Nacional. A juventude nos mostra também a necessidade de disputar uma agenda de valores para além da inclusão, valorizando um desenvolvimento sustentável, plural, que valorize a diversidade, o meio-ambiente e reconheça a complexidade e as necessidades da população.
O midialivrismo das periferias é um movimento que reivindica seu espaço. Mais que isso, não aceita hegemonias, dominações ou monopólios. É distribuído, colaborativo e sem lideranças ou entidades centralizadoras. Sua riqueza é sua pluralidade e um radicalismo que escancara contradições. Como governo, só temos que ouvir, respeitar e aperfeiçoar nossas ações, principalmente no urgente tema da segurança pública e sua relação com a mídia.
Veículos de comunicação como os que se reuniram por dois dias de intensos debates na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, mostram novos caminhos para o modelo de comunicação do país: é necessário o reconhecimento, a valorização e o fomento à mídia livre, principalmente nas regiões de mais vulnerabilidade juvenil.
O futuro do Brasil está em jogo e a juventude das quebradas, morros, quilombos e aldeias avisa que quer narrar essa disputa. Resta aos governos entender o recado. Na Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), há foco total na construção de diálogos e políticas para colaborar com o fortalecimento da mídia livre. Um primeiro passo foi dado: o tema está na agenda do governo federal. Para além dos editais e dos discursos, há ali quem lute por alternativas reais para o atual cenário da comunicação no país.
As próximas lutas estão colocadas: a mobilização contra a redução da maioridade penal e a consolidação de uma rede nacional de comunicadores ativa e combativa, com incidência na construção de políticas públicas. Na internet, mais de uma centena de jovens já organiza ações em torno da hashtag #ReduçãoNãoÉSolução e também pensa na cobertura colaborativa da 3ª Conferência Nacional de Juventude, em que os midialivristas poderão ocupar o espaço de participação para colocar suas pautas.
É preciso olhar atentamente às potencialidades de transformação que essa rede autônoma de jovens comunicadores nos apresenta. Devemos observar a capacidade que possuem de nos mostrar um Brasil desconhecido e profundo, que passa longe do horário nobre da televisão e dos preconceitos e estigmas de suas telenovelas. A favela é mais do que a pobreza, o campo é mais do que o atraso, o índio é mais do que o cocar. A juventude quer mudar suas trajetórias e está na direção certa: um outro Brasil é possível.
Fonte:A Carta Capital
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