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terça-feira, 7 de julho de 2015

Brasil será julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por um caso de violência policial

Em 19 de maio deste ano, 20 anos depois, os casos finalmente foram encaminhados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), sediada em São José, na Costa Rica. Pela primeira vez, o Brasil será réu em um tribunal internacional por um caso de violência policial.
Em 1994 e 1995, 26 moradores do Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro, foram assassinados durante duas operações da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Em um dos episódios, três meninas de idades entre 14 e 19 anos relataram ter sofrido abuso sexual por parte dos agentes. Mas a Justiça do Rio arquivou os casos, os crimes prescreveram e nenhum dos autores foi julgado.
Em 19 de maio deste ano, 20 anos depois, os casos finalmente foram encaminhados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), sediada em São José, na Costa Rica. Pela primeira vez, o Brasil será réu em um tribunal internacional por um caso de violência policial.

Em 1996, as ONGs Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e Human Rights Watch denunciaram o caso à Comissão, a qual, em 2012, recomendou que o Estado brasileiro fizesse uma investigação imparcial sobre as violações das quais é acusado. Esse ano, a Comissão concluiu que o Brasil não cumpriu as recomendações e levou os casos à Corte.
Em 19 de maio de 2015, após múltiplas prorrogações concedidas e muitos esforços envidados, a Comissão determinou que o Estado do Brasil não deu cumprimento às recomendações constantes do Relatório de Mérito. Por conseguinte, a Comissão Interamericana submeteu à Corte IDH as ações e omissões estatais que ocorreram ou continuaram ocorrendo posteriormente a 10 de dezembro de 1998, data de aceitação da competência da Corte IDH pelo Estado do Brasil.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil já foi réu na Corte em outras seis ocasiões, mas nenhuma envolvendo violência policial. A Corte não pode obrigar o país a aplicar a lei e fazer cumprir as sentenças, mas pode constrangê-lo internacionalmente por violação de direitos humanos.

As chacinas

No dia 18 de outubro de 1994, policiais assassinaram 13 pessoas na comunidade de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, e três adolescentes relataram ter sofrido abuso sexual por parte dos agentes. A ação da polícia foi uma retaliação ao ataque sofrido a 21º DP três dias antes, que havia sido metralhada, deixando três policiais feridos.
Passados seis meses da primeira chacina, um segundo incidente se repetiu em Nova Brasília. Um confronto entre policiais da DRRFCEF (Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos contra Estabelecimentos Financeiros) e traficantes deixou outros 13 mortos. Desta vez, a ação tinha como objetivo prender traficantes de drogas, o que não aconteceu.
Das treze vítimas, oito haviam buscado refúgio durante o tiroteio dentro de uma residência, onde foram executadas. As vítimas, com idades entre 17 e 21 anos, foram atingidas por tiros a curta distância no tórax e na cabeça, típicos de execuções. Um veículo da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) retirou os corpos da favela.

O Relatório de Mérito, enviado pela CIDH ao governo brasileiro em 2012, fez com que o Ministério Público do Rio de Janeiro reabrisse os inquéritos naquele ano e em 2013. O MP denunciou seis autores envolvidos na chacina de 94 e, apesar da denúncia ter sido aceita pela Justiça, até hoje ninguém foi julgado. Os crimes de lesão corporal e atentado violento ao pudor já haviam prescrito. Se as denúncias não tivessem sido acatadas pela Justiça, os crimes de homicídio também teriam prescrito em outubro de 2014.
Quanto à operação de 1995, o Ministério Público não conseguiu reunir evidências suficientes para denunciar os policiais envolvidos. O inquérito foi rearquivado no dia 7 de maio deste ano e os crimes prescreveram no dia seguinte. Os autores ficaram impunes.
A promotora Carmem Eliza de Carvalho, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, comissão do Ministério Público do Rio de Janeiro que assumiu o caso, disse ter conversado com testemunhas e parentes das vítimas, além de ter feito uma análise das armas. Ela reconhece que houve execução, mas diz que não foi possível identificar os autores. Ela afirmou à reportagem da Globo News:
“Havia uma situação de confronto de traficantes. Então, a gente não sabe nem se esses tiros característicos de execução foram provenientes das armas de policiais. Como é que eu vou acusar os policiais, se eu não sei de onde partiram os tiros?”
Beatriz Affonso, diretora do CEJIL, no Brasil, disse ser “gravíssimo” que o MP não tenha conseguido identificar a autoria dos assassinatos ou ao menos o mandante da ação, já que a lista de possíveis autores era grande. Ela disse à reportagem do Estado de S. Paulo:
“Não foi a primeira vez nesse caso que a atuação do MP se mostrou questionável. No início, ficou parado por ação de uma promotora que foi denunciada por improbidade”
Beatriz espera que a Corte IDH possa determinar a responsabilidade do Estado brasileiro pelos crimes:
“A gente espera que a Corte possa determinar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela omissão da realização de Justiça. Nós esperamos, por exemplo, que os autos de resistência deixem de existir no país. Quer dizer, qualquer pessoa que seja executada pela polícia tem que ser uma morte investigada. Nós como cidadãos transferimos à polícia o monopólio legítimo da violência, dentro de marcos normativos muito sérios e muito restritos. Nós não transferimos à polícia o direito de pena de morte”.
Segundo Pedro Strozenberg, secretário executivo da ONG ISER (Instituto de Estudos da Religião), que representa os parentes das vítimas, o Estado nunca ofereceu indenização às famílias:
O mínimo que o Estado pode fazer é demonstrar reconhecimento e respeito ao ente que perdeu seu parente ou que foi vítima do assunto.
No mesmo comunicado à imprensa, a CIDH enfatiza a obrigação da Corte de investigar violações de direitos humanos por parte de forças estatais:
Esse caso oferece à Corte Interamericana a oportunidade de aprofundar sua jurisprudência em relação à obrigação de investigar adequadamente mortes violentas decorrentes do uso da força letal por parte de agentes estatais. Entre outros múltiplos fatores de impunidade, a Corte poderá se pronunciar sobre o problema da estigmatização das vítimas refletida nas investigações com o objetivo de determinar a responsabilidade das pessoas falecidas em mãos de agentes estatais por suposta “resistência à prisão” e não com a finalidade de determinar a legitimidade do uso da força por parte dos agentes policiais.

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