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sexta-feira, 29 de julho de 2016

A França na mira direta do Estado Islâmico

Não ceder ao impulso de declarar todos os muçulmanos cúmplices dos atos reivindicados por Daech 
é a principal preocupação das autoridades
Essas duas perguntas feitas e respondidas por políticos, juristas, sociólogos ou filósofos percorreram diversas edições de jornais franceses nos últimos dias. 
 
No dia da festa nacional, um único terrorista em um caminhão em desabalada carreira  pela pista da Promenade des Anglais, em Nice, matou 84 pessoas ferindo dezenas de outras. A pista havia sido fechada ao tráfego para os fogos de artifício do 14 de julho. 
“A França está em guerra”, repetem o primeiro-ministro Manuel Valls e o presidente François Hollande desde novembro do ano passado, quando o país despertou para a novidade dos atentados kamikaze em seu território.  O inimigo designado é o Estado Islâmico (Daech em árabe). O termo “guerra” é discutível, contestado por diversos intelectuais, pois ao reconhecer o Estado Islâmico como inimigo seus “soldados” ganham o status de combatentes e não seriam  « terroristas ». O mesmo dilema se colocou durante a Guerra da Argélia, só reconhecida como tal em 1999.
Por que a França ? Como se proteger dos atentados sem renunciar ao Estado de direito ?
 
Essas duas perguntas feitas e respondidas por políticos, juristas, sociólogos ou filósofos percorreram diversas edições de jornais franceses nos últimos dias. 

 
No dia da festa nacional, um único terrorista em um caminhão em desabalada carreira  pela pista da Promenade des Anglais, em Nice, matou 84 pessoas ferindo dezenas de outras. A pista havia sido fechada ao tráfego para os fogos de artifício do 14 de julho. 
“A França está em guerra”, repetem o primeiro-ministro Manuel Valls e o presidente François Hollande desde novembro do ano passado, quando o país despertou para a novidade dos atentados kamikaze em seu território.  O inimigo designado é o Estado Islâmico (Daech em árabe). O termo “guerra” é discutível, contestado por diversos intelectuais, pois ao reconhecer o Estado Islâmico como inimigo seus “soldados” ganham o status de combatentes e não seriam  « terroristas ». O mesmo dilema se colocou durante a Guerra da Argélia, só reconhecida como tal em 1999. 
 
Na realidade, o inimigo só começou a intensificar os ataques no solo francês depois do envolvimentodireto e maciço da França nas diversas guerras que ela trava hoje : na Síria, no Iraque, na Líbia e na África Central. Todas têm o pretexto de combater o terrorismo.
 
“Nós não podemos destruir Daech na França senão transformando-nos em Estado policial militarizado. O que seria preciso para vencer Daech ? A resposta é simples : fazer a paz no Oriente Médio », escreveu no « Le Monde » o filósofo e sociólogo Edgar Morin, de 95 anos, quando o terrorismo atingiu Paris em novembro passado. 
 
Corajoso, Morin lembrou que os drones e bombardeios americanos e franceses matam principalmente populações civis e não militares.
 
O papa Francisco também foi claro ao analisar o mundo, depois da degolação do padre francês numa pequena cidade da França, na terça-feira, 26 de julho : « Não tenhamos medo de dizer a verdade. O mundo está em guerra. Mas não é uma guerra de religião. Ela encontra suas raízes nas questões de dinheiro, acesso a recursos naturais, dominação dos povos ».
 
Diversos analistas enfatizam que uma guerra civil na França entre cristãos (os « cruzados » na linguagem do Estado Islâmico) contra os muçulmanos seria o sonho de Daech. E isso só será evitado se os franceses preservarem o respeito a todas as religiões, no contexto da laicidade republicana, tão solidamente implantada no país mais laico da Europa.
 
Coabitação serena 
 
Mudando de armas e de estratégia, o Estado Islâmico chocou ainda mais esta semana. Não pelo número de vítimas mas pelo simbolismo. Dois jovens de 19 anos degolaram o padre Jacques Hamel, de 86 anos, em plena missa, diante do altar, na pequena cidade de Saint-Etienne-du-Rouvray, perto de Rouen. Era a primeira vez que o terrorismo usava uma arma branca e matava um representante da Igreja.
 
Os habitantes da cidade descreveram uma coabitação serena entre católicos e muçulmanos. O terreno da mesquita fora cedido por freiras católicas por um euro simbólico. A convivência era exemplar até que dois jovens djihadistas entraram na igreja para matar um representante dos « cruzados ».
 
O ataque indiscriminado de Nice matou e feriu homens, mulheres e crianças no 14 de julho, data que une todos os franceses independentemente de suas origens. Naquele dia, o terrorista fez muitas vítimas entre seus correligionários: um terço dos mortos eram de cultura muçulmana pois na cidade, tradicionalmente governada pela direita, vive uma grande população magrebina que fez questão de frisar que « o terrorista não representa o Islã, uma religião de paz ».
 
Prevenir o ódio inter-religioso
 
Não ceder ao impulso de declarar todos os muçulmanos cúmplices dos atos reivindicados por Daech é a principal preocupação das autoridades civis e religiosas. A teoria do « choque de civilizações » que levaria a uma guerra de religiões seria o principal erro que daria razão à ideologia que sustenta Daech.
 
Nessa tarefa, os representantes do culto muçulmano se unem  aos políticos para declarar sua lealdade às leis da « République » e condenar os atos de terrorismo cego que mata civis indiscriminadamente. 
 
A direita e a extrema-direita têm sido contidas em suas demandas securitárias pelo bom-senso e inteligência dos governantes preocupados em não fazer novas leis mais repressivas a cada novo atentado. Assim mesmo, o estado de emergência (decretado no dia seguinte aos atentados do Bataclan e dos cafés no dia 13 de novembro de 2015) foi prorrogado por mais 6 meses logo após o atentado de Nice.
 
« A legislação anti-terrorista foi reforçada todos os anos desde 1986. Ousar dizer que esse arsenal jurídico é insuficiente é um erro histórico e jurídico. Não se pode ir mais longe a não ser saindo do Estado de direito », alerta o respeitado jurista Serge Portelli.
 
Alvo preferencial
 
Por que a França é o alvo preferencial de Daech ?
 
As guerras são em parte a resposta. A coalizão da qual a França faz parte fez mais de 14 mil bombardeios no Iraque e na Síria, em dois anos. Tudo isso para impedir que o Estado Islâmico continue a se expandir. Segundo Washington,  o EI perdeu no Iraque e na Síria cerca de 50% e 20% ,respectivamente, dos territórios conquistados em 2014. 
 
Mas quem é o responsável pelo caos instalado no Oriente Médio desde a queda de Saddam Hussein em 2003, passando pela queda de Kaddafi e pela guerra civil na Síria ?  O mesmo Ocidente, que usou o ataque do 11 de setembro de 2011 contra as torres do Wolrd Trade Center para invadir o Iraque e iniciar uma transformação total do Oriente Médio, segundo planos do Pentágono.
 
« Em vez de gastar somas colossais em armamentos no estrangeiro, a França deveria dirigir seus recursos para financiar os serviços públicos como a saúde, a educação,  a cultura e o emprego para reduzir as fraturas na sociedade francesa. Isso evitaria a frustração e amargura que conduz  jovens a se refugiar na radicalização islamista e outros a adotar reflexos xenófobos dos fascistas », escreveu no jornal « L’Humanité » a historiadora Chloé Maurel, especialista das Nações Unidas.
 
Ela aponta a contradição :  a França tem contratos milionários de venda de armas à Arábia Saudita que, segundo ela, é apenas « a forma limpa e respeitável de Daech ». Os historiadores Sophie Bessis e Mohamed Harbi mostraram em artigo no « Le Monde » a existência de uma filiação ideológica entre Daech e a Arábia Saudita. O que não impede que a monarquia saudita seja uma excelente aliada dos Estados Unidos e da França.
 
Uma prova a mais, se preciso fosse, das contradições e incoerências das alianças militares no mundo, regidas por interesses inconfessáveis disfarçados em defesa da democracia. 
Fonte: Carta Maior

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