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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O Rock in Rio e a morte da política

Amigo meu disse que o Rock in Rio simboliza a morte da política. Ele não desenvolveu, mas achei a ideia intrigante e resolvi aprofundar. Estive lá no final de semana (o Rock in Rio recomeça nesta quinta-feira, 24/9) e colhi amostras para análise.
Primeiro, devo advertir que não sou um hater por vocação, não falo mal por impulso ou para obter aprovação de amigos em bar ou em fórum da internet. Caguei para as necessidades de socialização pelo sentimento de pertencer a uma turba.

Há séculos descobri que não é a venue, a locação, que determina a subversão. Woody Guthrie transformou feiras agropecuárias rednecks em palanques socialistas. Bob Dylan foi ao coração do conservadorismo, o folk Newport Festival, munido de sua Fender Stratocaster, para fazer a sua “passeata” pela guitarra elétrica. Caetano, Gil e Mutantes fizeram a Revolução tropicalista pela via dos caretérrimos festivais da canção.
Primeiro, devo advertir que não sou um hater por vocação, não falo mal por impulso ou para obter aprovação de amigos em bar ou em fórum da internet.
Caguei para as necessidades de socialização pelo sentimento de pertencer a uma turba.
Há séculos descobri que não é a venue, a locação, que determina a subversão. Woody Guthrie transformou feiras agropecuárias rednecks em palanques socialistas. Bob Dylan foi ao coração do conservadorismo, o folk Newport Festival, munido de sua Fender Stratocaster, para fazer a sua “passeata” pela guitarra elétrica. Caetano, Gil e Mutantes fizeram a Revolução tropicalista pela via dos caretérrimos festivais da canção.
É um curioso paradoxo: o mesmo Rock in Rio que colocou na sexta-feira passada Zélia Duncan e Mart’nália fazendo micagens de maluquetes no palco, pisando duro na corridinha, “imitando” Cássia Eller, também abrigou a própria Cássia com seu jeito de olhar de cima, quase com desprezo, cuspindo e mostrando os peitos desafiadoramente. Cássia era o descontrole, era a vida fora dos trilhos, não tinha nada a ver com simulação.
O mesmo festival que tieta celebridades como Cláudia Leitte também coloca Tom Zé tocando para 100 mil metaleiros no meio da tarde escaldante (metaleiros que o estranharam a princípio, mas depois o celebraram). Foi onde eu conheciAmadou & Mariam e vi Bruce Springsteen cantar “Sociedade Alternativa”.
Capela foi montada para realizar casamentos dos casais roqueiros - Foto Magalhães - I Hate Flash
Capela foi montada para realizar casamentos dos casais roqueiros – Foto Magalhães – I Hate Flash
É claro que há no Rock in Rio o banquete de signos, o bombardeio signíco do mundo comercial. Ele me incomoda, como a todos vocês, é opressivo muitas vezes. Embora deva confessar que, dessa vez, eu não achei incômodo o Playcenter do Rock in Rio. Eu inclusive achei divertidos os casamentos exibicionistas numa capela estilo Las Vegas – assisti a dois deles, tinham senso de humor e alegria.
Mas, quando procurei pela política, tava difícil. Evandro Mesquita, da Blitz, quase me surpreendeu – é difícil achar um artista com menos teor de política no sangue, mas ele veio com um discurso do tipo “quando a gente puder voltar a sonhar neste país…”, e eu imaginei que viesse algo dali. Mas não saiu mais que isso.
Foi de onde menos eu esperava que veio a política com P maiúsculo. Confesso que não acreditei quando os Titãs, em vez de “Sonífera Ilha” ou “É Preciso Saber Viver”, escolheram “Bichos Escrotos” e “Polícia” para fazer o seu pot-pourri de anos 1980. Seria mera coincidência, não fossem os statements políticos de Sérgio Britto (“Vocês também são explorados. Vocês também são explorados. Aqui!”) e de Paulo Miklos (“Porque aqui no Rock in Rio só bicho escroto é que vai ter”). Estava ali a maior intervenção política do festival, mas o problema foi a ressonância daquilo: lá embaixo, como aqui no jornalismo, ninguém captou.
Talvez viesse daí o decreto de morte da política do meu amigo. O problema não está na legitimidade do artista ou no tamanho de sua declaração pública. O problema está no público, na incapacidade do espectador de reconhecer as mensagens. Predomina uma consciência sem sentido histórico, sem conhecimento do que veio antes, que não sabe o que o Brasil viveu, o que atravessou e muito menos o que o mundo vive. Que canta bem os refrões em inglês, mas não sabe escrever nem expressar quase nada em português.
Eduardo Cunha foi vaiado pessoalmente. Dilma foi vaiada virtualmente. Mas o impacto dessas vaias era nulo: o cidadão como que perdera sua legitimidade pública. É tipo a notícia veiculada nas TVs de mídia do metrô: embalada a vácuo, desprovida de sua organicidade, ela perde sua capacidade mobilizadora. E as caixas de ressonância seguem essa toada: cheguei a ler notícia dizendo que estavam esgotadas as senhas para a tirolesa.
Freddie Mercury, em 1985, fez política ao reger a multidão em “Love of My Life”. A comunhão que aquilo propiciava era única, era uma promessa utópica, um sentimento que conseguia perpassar todas as classes, as idades, os estratos sociais. OQueen que desembarcou este ano era só um tributo, não tinha por que odiá-lo com tanta veemência: desde que Freddie morreu, muitos já foram convidados para cantar no seu vácuo: Tom Chaplin (Keane), Zuccero, Pavarotti, Robbie Williams, Paul Rodgers e o próprio Elton John. Nada disso pretendeu ser o Queen. O novo cara, Adam Lambert, tinha só 9 anos em 1991, quando Mercury morreu, e é um menino desses do American Idol, cuja lição é só décor, impostura – é jeca se sentir lisonjeado que ele tenha gostado de Ney Matogrosso, Ney é um milhão de vezes mais importante.
Quanto aos outros shows, devo dizer o seguinte: Elton John eRod Stewart fizeram seus espetáculos de cassino com eficiência quase letárgica. Iveteno show dosParalamas, ocupando o lugar que foi deDjavan em “Uma Brasileira”, foi (na minha opinião) uma heresia. Gojira foi chato. Metallica, sempre profissional.Angra foi maçante até que chamou o Dee Snider ao palco.
A maior das apresentações do festival, no sentido de impacto da palavra, foi a do grupo inglês Royal Blood. Apenas dois caras, um deles fazendo do baixo uma espécie de dublê de guitarra (Mike Kerr), e um baterista que poderia estar numa banda grunge (Ben Tatcher). Um power duo, como White Stripes, Blood Red Shoes, Death From Above 1979, duas criaturas ocupando um palco de 22 metros de altura e 44 metros de largura (você pode argumentar que o Black Keys também faz isso, mas note que tem um baixista e um laptop atrás deles).
Jogando-se no público contra o zelo dos seguranças, tocando com virulência, espancando a bateria e fazendo canções como “Blood Hands” se projetarem mais alto e mais palpáveis do que as megaestruturas do festival, eles preencheram um vácuo de sentido. “O importante é que a música seja a representação do que o artista pensa e no qual acredita”, disse Mike Kerr. O Royal Blood mostrou que a política não só ainda não morreu como não tem jeito de matá-la – mesmo que o comportamento de manada assim o indique.
Roda gigante lembrava  os tempos do Playcenter - Foto David Argentino - I Hate Flash
Fonte: Farofafá

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