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sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O chavismo sem lastro

A crise econômica e política mina a base social do bolivarianismo
Assim o jovem camponês Ángel Prado, um dos dirigentes de El Maizal, define a experiência. A comuna abriga 2,1 mil famílias que compartilham um território comum entre os estados de Lara e Portuguesa, no noroeste da Venezuela. 

A recessão instalada no resto do país parece não ter chegado em El Maizal. Anualmente mais de 5 mil toneladas de milho são produzidas e vendidas ao governo. Carne, leite, hortaliças, uma fábrica de blocos de concreto para as moradias populares e até uma distribuidora de gás integram a área produtiva do terreno, desapropriado porChávez durante o auge das ocupações de terras na Venezuela em 2009.
"A comuna não é uma utopia. É uma necessidade, caso contrário não teremos futuro. Chávez sabia disso.”
Assim o jovem camponês Ángel Prado, um dos dirigentes de El Maizal, define a experiência. A comuna abriga 2,1 mil famílias que compartilham um território comum entre os estados de Lara e Portuguesa, no noroeste da Venezuela
A recessão instalada no resto do país parece não ter chegado em El Maizal. Anualmente mais de 5 mil toneladas de milho são produzidas e vendidas ao governo. Carne, leite, hortaliças, uma fábrica de blocos de concreto para as moradias populares e até uma distribuidora de gás integram a área produtiva do terreno, desapropriado porChávez durante o auge das ocupações de terras na Venezuela em 2009.
O ex-presidente, morto em 2013, almejava implodir a velha estrutura do Estado e substituí-la por um modelo de autogestão, o poder comunal. Paradoxalmente, o número de comunas aumentou consideravelmente desde a morte de Chávez e hoje são mais de 1,2 mil. 
Enquanto colhia verduras para vender em um mercado próximo da cidade, Belkys Blanco orientava uma colega de trabalho a selecionar os melhores frutos. “Precisamos mostrar que a comuna dá certo, pega uns bem bonitos.” Há cinco anos ela e um grupo de mulheres deixaram o serviço de diaristas na capital Barquisimeto para ingressar na comunidade. “Na casa dos patrões se ouvia falar mal de Chávez, mas foi por ele que deixamos aquele trabalho de escravas e agora produzimos comida”, diz  a ex-doméstica. 
Produzir alimentos em um país que importa mais de 70% do que come, e afetado por uma escassez de mais de 30% de produtos básicos, é tão imprescindível quanto distante da realidade. A crise econômica e política tem como denominador comum a dependência: da exportação de petróleo, motor da economia, e da mitologia em torno do falecido Chávez. 
Nos centros urbanos, onde vivem 90% da população, a escassez de alimentos perdura há meses. Imensas filas para comprar leite, óleo de cozinha, açúcar, café, papel higiênico, fraldas descartáveis e outros produtos de higiene pessoal foram incorporadas à paisagem urbana. Medicamentos para tratamento de doenças crônicas como epilepsia, diabetes e hipertensão também desapareceram das farmácias.
Comuna-de-El-Maizal
Na comuna de El Maizal, criada em 2009, Bocaranda e Belkys Blanco não sentem a estagnação / Crédito: Claudia Jardim
O presidente Nicolás Maduro continua a acusar os adversários políticos e empresários de promover uma “guerra econômica” contra seu governo baseada na estocagem de alimentos, especulação de preços e contrabando. A demora em dar respostas à crise que afeta principalmente os assalariados põe em xeque, no entanto, a capacidade de Maduro de administrar a nação e provoca fraturas no chavismo.
“Não há dúvidas, existe a chamada guerra econômica, o contrabando, o bachaqueo(revenda de produtos), mas também ineficiência, burocracia e corrupção”, afirma Miguel Tinker Salas, professor de História Latino-Americana da Pomona College, da Califórnia. 
Desde 2003, a administração chavista aplica o controle de câmbio para evitar a evasão de divisas. “Se não houvesse esse controle, até o petróleo teria sido levado. Teriam levado tudo”, garante o ex-ministro de Planejamento Jorge Giordani, demitido por Maduro no ano passado. A queda dos preços do principal produto venezuelano e a redução do fluxo de moedas estrangeiras provocaram, porém, o fortalecimento de um mercado paralelo. Um site chamado Dolar Today passou praticamente a operar como um banco central alternativo.
Acusados por Maduro de pertencer à “máfia” que pretende derrubá-lo, o site opera a partir de Miami e é regulado pelas transações financeiras na cidade colombiana de Cúcuta, fronteira com a Venezuela. Ele determina o preço do dólar paralelo e tornou-se referência para comerciantes na hora de remarcar seus produtos. O dólar paralelo pode chegar a valer até cem vezes mais que no câmbio oficial (6,30 bolívares).
Por Cúcuta também escoa o contrabando de 40% de alimentos e medicamentos importados. Com preços subsidiados e abaixo do valor de mercado, os produtos são negociados e revendidos aos colombianos com a conivência de militares que controlam as máfias fronteiriças. 
A crise expõe as limitações de um projeto eficaz para promover o aumento do consumo popular durante o período de bonança do petróleo, avalia o sociólogo Javier Biardeau. “O objetivo era criar um capitalismo de Estado ao lado de empresas comunais e sociais. Mas essas empresas não foram capazes de levantar-se na mesma velocidade da destruição do setor privado tradicional.”
Caso dependa exclusivamente da recuperação dos preços do petróleo para reerguer seu projeto político, o chavismo tende à agonia. Segundo projeções, o preço do barril nos próximos dois anos deve girar em torno dos 65 dólares, quase metade dos 110 dólares do auge recente, que sustentou os avanços sociais durante os mandatos de Chávez. “O governo sabe que a economia está destruída, mas os custos para sair da crise seriam impagáveis politicamente”, afirma o analista político Luis Vicente León, da consultoria Datanalisis. Uma nova desvalorização do bolívar seria inevitável, prevê León, mas o ajuste de preços seria “monstruoso”. 
Opositores
Pela primeira vez em anos os opositores têm a chance de obter a maioria no Congresso / Crédito: Carlos Garcia Rawlins/Reuters/Latinstock
Maduro não conseguiu até o momento encontrar uma saída para o impasse econômico. Pior: há quatro meses o Banco Central não divulga o índice oficial de inflação, o que alimenta a desconfiança da população sobre o real estado das coisas. “É preciso assumir a crise, responsabilizar-se e estabelecer prioridades”, defende o ex-ministro Giordani. “Estamos perto de um caminho sem volta.” 
A oposição estima em 74% a alta geral dos preços acumulada neste ano. A crise estimula a cruzada dos antichavistas para derrotar o governo nas eleições parlamentares de dezembro. A ala mais radical e os moderados sob a liderança de Henrique Capriles estão mais unidos. As pesquisas de opinião, pela primeira vez desde 2005, indicam uma possibilidade real de os opositores romperem a hegemonia governista no Congresso.
Apesar de a eleição ser definida pelo número de colégios eleitorais e não pelo total de votos, a coalizão oposicionista quer estabelecer um tom plebiscitário na campanha. Obter a maioria parlamentar abriria a oportunidade para a convocação de um referendo em 2016 que decidiria sobre a continuidade de Maduro na Presidência. Segundo Biardeau, se a oposição conquistar uma maioria simples, 99 congressistas, a união pragmática governista tenderia a se romper. “Haveria uma fratura mais explícita entre esquerda e direita dentro do governo. Isso poderia criar um problema existencial, constituinte, no interior do chavismo.” 
A cisão existe. Três ex-ministros, entre eles Giordani, fazem críticas à esquerda do governo. À direita estaria o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional. E à direita de Cabello projeta-se o militar Miguel Rodríguez Torres, ex-ministro de Interior e Justiça. 
A disputa entre as correntes, antes controladas por Chávez, tornaram-se evidentes com o agravamento da crise econômica. No sábado 15, Maduro reuniu-se em Caracas com representantes de diferentes comunas em um evento de distribuição de crédito agrícola. Enquanto Ángel Prado comemorava o novo incentivo, a Guarda Nacional expulsava um grupo de camponeses El Maizal que ocuparam 120 hectares em uma área vizinha à comuna. “Havíamos decidido ocupar as terras para ampliar a produção de gado de corte”, disse Prado. 
Com truculência e sem ordem de despejo, os militares expulsaram os camponeses. A ação foi interpretada como uma afronta ao presidente e à comuna. “A essa altura, com o quilo de carne a 1,5 mil bolívares, um quinto do salário mínimo,  não podemos continuar a esperar pelos papéis para começar a produzir, principalmente porque essas terras foram expropriadas”, afirma Victor Bocaranda, veterinário em propriedades comunais. O terreno de 1,5 mil hectares, desapropriado em 2009, pertencia à multinacional irlandesa Smurfit Kappa, fabricante de celulose. 
Os camponeses acusam os militares de pertencer a uma máfia de extração de madeira. A disputa entre o Executivo, comunas e Forças Armadas retratam os conflitos crescentes na base chavista.  “As contradições aumentam cada vez mais, porque o Estado comunal está disposto a ocupar o lugar do poder constituído. Eles não cederão”, diz Bocaranda. “El Maizal não se contentará até o cumprimento de todas as ordens deixadas por Chávez.” 
Uma das principais medidas propostas por Capriles é o maior pesadelo dos camponeses venezuelanos que alcançaram um pedaço de terra para produzir. O oposicionista promete, caso chegue à Presidência, devolver as áreas desapropriadas aos antigos proprietários.
“A direita nos cobrará caro o fato de eles terem saído do poder, porque deixamos de ser a mão de obra barata da empresa privada”, diz Prado, enquanto desenha o mapa da comuna El Maizal. “Apesar dos erros, dos indícios de retrocesso, temos a esperança de manter vivo o legado de Chávez. Se a oposição tomar o poder novamente, nos tirarão não somente as terras, mas a vida.”

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