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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

11 anos da Minustah: mecanismo de dominação não permite autonomia do país

Enviada ao Haiti em 2004, com o propósito de reconstruir o país, a tropa da Minustah, Missão de Estabilização da ONU (Organização das Nações Unidas), comandada pelo exército brasileiro, é, hoje, considerada como uma das responsáveis pela crise vivida pelo povo haitiano.
Violações de direitos humanos e abusos sexuais contra jovens e mulheres por parte de soldados da missão já foram denunciadas em esferas internacionais. A Minustah é, inclusive, acusada por disseminar o vírus do cólera na região, que já matou mais de 8 mil pessoas desde 2010.
Enviada ao Haiti em 2004, com o propósito de reconstruir o país, a tropa da Minustah, Missão de Estabilização da ONU (Organização das Nações Unidas), comandada pelo exército brasileiro, é, hoje, considerada como uma das responsáveis pela crise vivida pelo povo haitiano.
Violações de direitos humanos e abusos sexuais contra jovens e mulheres por parte de soldados da missão já foram denunciadas em esferas internacionais. A Minustah é, inclusive, acusada por disseminar o vírus do cólera na região, que já matou mais de 8 mil pessoas desde 2010.
soawlatina
Em outubro deste ano, a ONU discutirá mais uma vez se mantém ou não a presença da Minustah em solo haitiano.


Mesmo contra o posicionamento de movimentos populares, que pedem a retirada imediata das tropas, a missão da ONU tem sido prorrogada há 11 anos, desde a sua primeira ocupação no Haiti. De acordo com o ministro da Defesa do Brasil, Jaques Wagner, declarações à imprensa, o fim da intervenção deve acontecer em 2016. Em outubro deste ano, a ONU discutirá mais uma vez se mantém ou não a presença militar em solo haitiano.
Sobre os efeitos da permanência da Minustah no país caribenho, a Adital entrevistou o historiador, membro do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e coordenador da Cooperação entre o MST/Via Campesina Brasil e entidades haitianas, José Luis Patrola.
Patrola morou no Haiti por três anos e meio, em uma Brigada de Solidariedade do Movimento ao povo Haitiano, e teve a oportunidade de conhecer a realidade do país caribenho. Segundo ele, o Brasil cumpre um papel "medíocre” ao conduzir a Missão de Paz da ONU no Haiti.
Adital: O que a presença da Minustah representa para o povo haitiano, hoje?
José Luis Patrola: Toda força de paz e ocupação militar representa algum tipo de violação. No caso haitiano, a força de paz que chamamos de Minustah foi imposta pelas Nações Unidas, de acordo com os interesses do país coordenador dessa instituição, os Estados Unidos. Neste sentido, o povo haitiano, que, diga-se de passagem, é bastante crítico, sempre percebeu a violação de sua autonomia enquanto país soberano, desde a época de Dessaline [Jean-Jacques Dessaline, líder da independência do Haiti], em 1804, com a revolução escrava vitoriosa. No senso comum haitiano, os militares não agradam, ao mesmo tempo em que não há forças populares organizadas capazes de imporem sua força para que os militares se retirem.
A população haitiana vive um processo de dominação estrangeira, que se estende desde a queda do primeiro mandado do presidente Aristide [Jean-Bertrand Aristide], em 1991, e se estende até os dias de hoje. A Minustah está sendo o mecanismo militar de uma dominação política e econômica que não permite a autonomia do país e o envolve em taxas de pobreza cada vez mais extremas.
Adital: As tropas estão há 11 anos no Haiti. Há quanto tempo os movimentos populares buscam o fim da intervenção militar no país?
JSP: Os movimentos populares haitianos sempre se posicionaram contra a ocupação militar, desde o início em 2004. Ao mesmo tempo, os movimentos sociais da América Latina também sempre se posicionaram contra a ocupação. Ocorre que nem no Haiti, nem em outro local, conseguimos forças suficientes que alcançassem condições de forçar a saída dos militares dessa ação totalmente descabida, desnecessária e arbitrária, imposta ao povo haitiano.
Adital: Quais os efeitos da Missão no país? Havia necessidade em mandar as tropas para o Haiti?
JSP: Temos que ser justos com os fatos ocorridos. Em 2004, houve um período de bastante turbulência política no Haiti. O segundo governo do Aristide estava bastante debilitado e grupos armados, com financiamento de procedência desconhecida, se levantaram contra o governo. O então presidente, Aristide, pediu ajuda às Nações Unidas e não foi atendido. Em seguida, ocorreu o golpe militar contra o governo, democraticamente eleito, e a posterior ocupação militar.
Nos primeiros dois anos, as forças da Minustah enfrentaram, em certa medida, alguns grupos armados. Depois disso, nenhum tiro mais foi dado e a presença militar se tornou obsoleta. Desse período em diante, os militares não fizeram nada de significante para a sociedade haitiana, pois não estavam presentes as forças e batalhões de engenharia, para construírem estradas e pontes, entreoutras melhorias sociais. Não era esta a função dos militares, por isso, ela se tornou obsoleta, já que não havia instabilidade política nem violência que justificassem a presença militar.
Adital: Existe algum posicionamento da ONU frente aos movimentos que pedem a retirada imediata das tropas? Que ações têm sido feitas para pressionar a ONU =a retirar as tropas do Haiti?
JSP: Os movimentos sociais haitianos e latino-americanos têm posições contrárias à ocupação militar, e inúmeras iniciativas de denúncias foram tomadas para fazer valer esse posicionamento. Várias foram as missões e entidades sociais enviadas ao Haiti para fazer a denúncia sobre a situação que ora destacamos. Ao mesmo tempo, várias missões coordenadas por organizações sociais haitianas circularam no continente, numa verdadeira campanha pela retirada das tropas. Lamentavelmente, as Nações Unidas nunca escutaram essas manifestações, ao mesmo tempo em que muitos países colaboradores da ocupação, entre eles o Brasil, mantêm a mesma postura.
Adital: Por que continua a ocupação?
JSP: Continua por duas razões: primeiramente, pela imposição da ocupação pelas Nações Unidas; e, segundo, porque há uma elite política e econômica local que demanda a ocupação militar, independente da vontade do povo.
Adital: Como o professor avalia o Brasil ter se permitido conduzir uma ocupação militar como a Minustah?
JSP: O governo brasileiro deveria ter tido coragem e se retirado do Haiti logo no segundo ano da ocupação, ou ter adotado uma postura de verdadeira ajuda ao país, através da construção de estradas, pontes, escolas, sistema de transporte público eficiente, apoio à produção de energia. O Exército brasileiro e nosso governo não fizeram nada disso. Cumpriu, portanto, um papel medíocre, perdendo a oportunidade histórica de ter colaborado com a reconstrução de um país esfacelado.
Adital: Qual seria a solução para o povo haitiano sair da situação de miséria?
JSP: O Haiti vive várias crises estruturais. Muitas delas não dependem da ajuda estrangeira, outras, no entanto, não se solucionam sem a ajuda internacional. A primeira crise é de origem política, na qual os EUA exercem papel de dominação desde muito tempo. Sem resolver esse impasse político, o país não terá autonomia.
A segunda crise é de origem econômica; os índices de pobreza e vulnerabilidade sociais aumentaram no país, nos últimos 10 anos, devido à adoção de políticas neoliberais e à desvalorização da moeda local, ao mesmo tempo em que o mercado nacional foi tomado por produtos dos Estados Unidos ou da República Dominicana. Isto enfraqueceu a economia local e a agricultura. A terceira crise vivida no país é na infraestrutura; o Haiti tem pouquíssimas fontes de energia, pouca oferta de água potável, poucas escolas e poucas estradas.
O país, ao que me parece, não sairá das crises a que me referi sem começar a atacá-las de maneira estrutural. E isto depende bastante das iniciativas da população haitiana, de suas organizações sociais e da postura do Estado haitiano.
A "ajuda” internacional é, em larga medida, responsável pela situação de crise vivida pelo país. Antes de tudo, para o Haiti começar a solucionar suas crises, este deverá rever o estilo da "colaboração internacional”, independente da esfera em que ela se dá.
rabble
Patrola denuncia que a causa da instabilidade do Haiti é gerada pelo excesso da presença internacional no país, em complacência com uma pequena elite local. E o Brasil teria cumprido um papel "medíocre” ao não colaborar com a reconstrução de um país esfacelado.


Adital: Existem registros de estupros cometidos por soldados da Minustah contra jovens e mulheres. A ONU tomou alguma providência sobre esses casos?
JSP: A Minustah é formada por mais de 30 países. A grande maioria está lá apenas para atender ao pedido dos EUA, e tratam a população e o território como "terra de ninguém”. Para estes, nada importa. É por isso que vários casos de violação de direitos humanos foram denunciados nas esferas internacionais. O mais grave foi a contaminação de um rio com o vírus do cólera por militares nepaleses, que ocasionou milhares de mortes até o momento. A ONU deveria se desculpar internacionalmente por estes e outros fatos, mas, ao que me parece, nada foi feito.
Adital: Em outubro de 2015, a ONU discutirá a permanência das tropas no país caribenho. Caso ela decida por não fazer a retirada imediata e esperar até o próximo ano para encerrar a missão, o que pode ainda acontecer?
JSP: Vai continuar ocorrendo aquilo que ocorre há anos. Nada! A causa da instabilidade do Haiti é gerada justamente pelo excesso da presença internacional no país, em complacência com uma pequena elite local. Se esta causa é gerada de acordo com interesses particulares, ela não é estrutural. Portanto, a presença militar atende a esses interesses ou é obsoleta.
"Batay la pa fasil!” (A batalha não é fácil!)
Fonte: Adital

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