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sexta-feira, 24 de junho de 2016

Valor da comunicação pública é maior que os interesses do governo da vez

Coube à TV Brasil, recentemente, colocar no ar o primeiro programa LGBT da televisão brasileira, o Estação Plural.
Outra iniciativa fracassada de comunicação pública ocorreu no segundo governo Vargas, quando o presidente da República outorgou à Rádio Nacional do Rio de Janeiro o canal 4 de televisão da então capital do país. O presidente morreu, a TV não foi ao ar e seu sucessor, Juscelino Kubitschek, não pôde levar a iniciativa adiante. Ameaçado por Assis Chateaubriand, poderoso dono dos Diários e Emissoras Associados, de destruí-lo caso criasse a TV Nacional, o presidente desistiu da ideia. Quem acabou ficando com o canal 4, pondo fim ao sonho de termos uma TV pública nacional, foi a Globo – que, com a ajuda decisiva do grupo estadunidense Time-Life, começou a partir daí a consolidar o seu império. Nos anos 1960, surgiram algumas TVs educativas por iniciativa de governos estaduais. De públicas sempre tiveram pouco na medida em que o controle ficava na mão dos governadores. A TV e a rádio Cultura de São Paulo, por exemplo. Embora juridicamente independentes do governo, elas se viram, em quase toda a sua existência, submissas aos interesses políticos dos governantes, na medida em que são eles que controlam as verbas necessárias para o funcionamento das emissoras.
 
Só em 2007, depois de amplo debate no país sobre a importância da comunicação pública para a democracia, é que o governo federal resolveu impulsionar a criação de uma rede nacional de rádio, TV e internet. Fundou a EBC, Empresa Brasil de Comunicação, reunindo as emissoras federais que já funcionavam sob o controle da Radiobrás e as TVs educativas do Rio e do Maranhão. Com uma diferença fundamental: deixavam de ser emissoras estatais e passavam a ser públicas, controladas pela sociedade por meio de um Conselho Curador formado por 22 integrantes, sendo 15 indicados pela sociedade, quatro representantes do governo federal, um da Câmara, um do Senado e um dos funcionários da empresa. Atendia-se, assim, o artigo da Constituição que determina a existência de três modelos de radiodifusão no Brasil: o privado, o estatal e o público. O privado é o dominante há décadas, o estatal sobrevive com a Voz do Brasil no rádio e a TV NBR e o público, de caráter nacional, começa a ser construído com a EBC que administra hoje duas emissoras de televisão, oito de rádio, duas agências de notícias e uma prestadora de serviços externos.
 
São esses veículos os responsáveis por mostrar ao público brasileiro que outra comunicação é possível, livre das amarras do mercado ou dos governos. Na TV Brasil, por exemplo, os programas infantis hoje banidos das emissoras comerciais alcançam as maiores audiências.
 
É nela também que se abre espaço para o único programa de samba da TV aberta brasileira ou para a crítica da própria televisão. Discute-se a questão das concessões das emissoras, da presença do negro na TV, da exploração do corpo da mulher na propaganda, da incitação ao ódio e à violência constante nos chamados programas policialescos das TVs privadas, entre outros assuntos.
 
Coube à TV Brasil, recentemente, colocar no ar o primeiro programa LGBT da televisão brasileira, mostrando com seriedade e respeito um mundo excluído e ridicularizado em outras emissoras. Personagens da vida pública, com algum compromisso com as lutas sociais mais amplas, só encontram espaço nos programas de entrevistas e nos telejornais da TV Brasil.
 
O mesmo se pode dizer das emissoras de rádio que prestam serviços em áreas para as quais as emissoras comerciais não têm interesse de ir. É o caso da Rádio Nacional da Amazônia, integrando ao país extensas regiões ainda isoladas, e a Rádio Nacional do Alto Solimões, falando em português na tríplice fronteira Brasil, Peru e Colômbia, onde predominam as vozes emitidas desde os países vizinhos. O governo interino não levou tudo isso em consideração e muito menos o caráter público da EBC, ao demitir o presidente da empresa, Ricardo Melo, detentor de um mandato de quatro anos. A lei de criação da empresa é clara: apenas o ­Conselho Curador tem poder para demitir o seu principal dirigente. O presidente destituído recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e este, por meio de uma liminar, reconheceu a ilegalidade praticada e o reconduziu ao comando.
 
O respeito à lei foi restabelecido tendo como consequência o entendimento pela Justiça da existência real de uma comunicação pública independente dos governos, capaz de elevar a qualidade da programação do rádio e da TV e de contribuir decisivamente para a consolidação da democracia, ao fazer circular pelo país informações e ideias sonegadas sistematicamente pelos meios comerciais.
No intervalo entre um programa e outro no rádio ou na televisão, ou mesmo no meio dos programas, tem sempre alguém querendo vender alguma coisa para a gente ou pedindo para dar algum dinheiro para uma igreja.
Parece natural, porque no Brasil ouvintes e telespectadores acostumaram-se a isso achando que a publicidade, seja de um carro ou de uma religião, faz parte da programação das emissoras.
 
Não é bem assim. Existem outras formas de fazer rádio ou TV sem a contaminação do comércio ou das igrejas, uma comunicação dirigida ao cidadão e não ao consumidor. Falo da comunicação pública, consagrada há décadas em vários países, mas desconhecida por aqui. No Brasil, os espaços por onde transitam as ondas do rádio e da TV foram ocupadas, desde a década de 1930, por empresas comerciais impedindo o surgimento de uma comunicação pública forte, capaz concorrer com o modelo privado.
 
Lembro o susto que uma pioneira do serviço brasileiro de rádio da BBC, Lya Cavalcanti, levou ao voltar para o Brasil. "Quando o navio entrou em águas brasileiras e o rádio começou a transmitir anúncios, eu fiquei em pânico. Estava acostumada com a BBC, que tinha aqueles programas fantásticos e não tinha anúncios. Você podia escolher o programa e de repente, aqui, você tem que enfrentar meia hora de anúncios. Você tem que ouvir uma coisa que não quer ouvir. Como é que pode?"
 
Bem que isso poderia ter sido evitado. Roquette Pinto, o fundador da primeira emissora de rádio no Brasil, tentou. Montou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, nos moldes da BBC, fundada um ano antes e mantida até hoje com uma taxa paga por ouvintes e telespectadores. Aqui não deu certo. A sociedade de ouvintes organizada por Roquette Pinto para manter a rádio sucumbiu diante da concorrência das emissoras comerciais.
 
Outra iniciativa fracassada de comunicação pública ocorreu no segundo governo Vargas, quando o presidente da República outorgou à Rádio Nacional do Rio de Janeiro o canal 4 de televisão da então capital do país. O presidente morreu, a TV não foi ao ar e seu sucessor, Juscelino Kubitschek, não pôde levar a iniciativa adiante. Ameaçado por Assis Chateaubriand, poderoso dono dos Diários e Emissoras Associados, de destruí-lo caso criasse a TV Nacional, o presidente desistiu da ideia. Quem acabou ficando com o canal 4, pondo fim ao sonho de termos uma TV pública nacional, foi a Globo – que, com a ajuda decisiva do grupo estadunidense Time-Life, começou a partir daí a consolidar o seu império. Nos anos 1960, surgiram algumas TVs educativas por iniciativa de governos estaduais. De públicas sempre tiveram pouco na medida em que o controle ficava na mão dos governadores. A TV e a rádio Cultura de São Paulo, por exemplo. Embora juridicamente independentes do governo, elas se viram, em quase toda a sua existência, submissas aos interesses políticos dos governantes, na medida em que são eles que controlam as verbas necessárias para o funcionamento das emissoras.
 
Só em 2007, depois de amplo debate no país sobre a importância da comunicação pública para a democracia, é que o governo federal resolveu impulsionar a criação de uma rede nacional de rádio, TV e internet. Fundou a EBC, Empresa Brasil de Comunicação, reunindo as emissoras federais que já funcionavam sob o controle da Radiobrás e as TVs educativas do Rio e do Maranhão. Com uma diferença fundamental: deixavam de ser emissoras estatais e passavam a ser públicas, controladas pela sociedade por meio de um Conselho Curador formado por 22 integrantes, sendo 15 indicados pela sociedade, quatro representantes do governo federal, um da Câmara, um do Senado e um dos funcionários da empresa. Atendia-se, assim, o artigo da Constituição que determina a existência de três modelos de radiodifusão no Brasil: o privado, o estatal e o público. O privado é o dominante há décadas, o estatal sobrevive com a Voz do Brasil no rádio e a TV NBR e o público, de caráter nacional, começa a ser construído com a EBC que administra hoje duas emissoras de televisão, oito de rádio, duas agências de notícias e uma prestadora de serviços externos.
 
São esses veículos os responsáveis por mostrar ao público brasileiro que outra comunicação é possível, livre das amarras do mercado ou dos governos. Na TV Brasil, por exemplo, os programas infantis hoje banidos das emissoras comerciais alcançam as maiores audiências.
 
É nela também que se abre espaço para o único programa de samba da TV aberta brasileira ou para a crítica da própria televisão. Discute-se a questão das concessões das emissoras, da presença do negro na TV, da exploração do corpo da mulher na propaganda, da incitação ao ódio e à violência constante nos chamados programas policialescos das TVs privadas, entre outros assuntos.
 
Coube à TV Brasil, recentemente, colocar no ar o primeiro programa LGBT da televisão brasileira, mostrando com seriedade e respeito um mundo excluído e ridicularizado em outras emissoras. Personagens da vida pública, com algum compromisso com as lutas sociais mais amplas, só encontram espaço nos programas de entrevistas e nos telejornais da TV Brasil.
 
O mesmo se pode dizer das emissoras de rádio que prestam serviços em áreas para as quais as emissoras comerciais não têm interesse de ir. É o caso da Rádio Nacional da Amazônia, integrando ao país extensas regiões ainda isoladas, e a Rádio Nacional do Alto Solimões, falando em português na tríplice fronteira Brasil, Peru e Colômbia, onde predominam as vozes emitidas desde os países vizinhos. O governo interino não levou tudo isso em consideração e muito menos o caráter público da EBC, ao demitir o presidente da empresa, Ricardo Melo, detentor de um mandato de quatro anos. A lei de criação da empresa é clara: apenas o ­Conselho Curador tem poder para demitir o seu principal dirigente. O presidente destituído recorreu ao Supremo Tribunal Federal, e este, por meio de uma liminar, reconheceu a ilegalidade praticada e o reconduziu ao comando.
 
O respeito à lei foi restabelecido tendo como consequência o entendimento pela Justiça da existência real de uma comunicação pública independente dos governos, capaz de elevar a qualidade da programação do rádio e da TV e de contribuir decisivamente para a consolidação da democracia, ao fazer circular pelo país informações e ideias sonegadas sistematicamente pelos meios comerciais.

Fonte: Carta Maior

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