Leonardo Avritzer, professor da UFMG, lança obra em que debate limites do sistema político brasileiro; Sobre o momento atual, ele comenta: "A maneira como se dá a articulação do combate à corrupção e a oposição não está afetando só o governo, mas o sistema político como um todo"
Autor de oito livros, o cientista político Leonardo Avritzer lançou recentemente Impasses na Democracia no Brasil.
Sua nova obra se debruça sobre o desconforto da população em relação ao sistema político brasileiro, analisando eventos históricos que vão até o final de 2015.
Sua nova obra se debruça sobre o desconforto da população em relação ao sistema político brasileiro, analisando eventos históricos que vão até o final de 2015.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) discute em sua nova publicação as alianças políticas e os impactos na sociedade, a participação popular, sua necessidade de intensificação e avanço em representatividade; e o novo papel judiciário na política.
Na obra, ele afirma que “estamos encerrando um período no que diz respeito ao presidencialismo de coalizão e sua capacidade de ancorar o sistema político e da capacidade do estado de financiá-las sem gerar fortes conflitos distributivos. Em uma situação, o presidencialismo de coalizão pode gerar governabilidade, enquanto na outra, cria problemas para a sua manutenção”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Avritzer também comentou os desdobramentos da Operação Lava Jato sobre a política brasileira. “O Judiciário pode punir o sistema político pela corrupção, mas ele não livra o país da corrupção, isso depende da rearticulação do sistema político após a Lava Jato”, disse. Para ele, “a Lava Jato não parece apontar na direção de um combate institucional efetivo à corrupção”.
Confira abaixo a entrevista na íntegra:
Um dos conceitos fundamentais explorados em seu novo livro é o 'presidencialimo de coalização'. Poderia explicar essa ideia?
O sistema político que nós temos no Brasil é chamado de presidencialismo de coalizão, onde o presidente é eleito com a maioria dos votos, mas o seu partido, devido a fragmentação do Congresso, dificilmente consegue 20%. Então, você tem um problema de como você alcança a maioria. Evidentemente, você faz coalizão. Num sistema fragmentado como o brasileiro é praticamente impossível pensar em governar sem coalizões.
Apesar de ser um essencial à governabilidade, você coloca a questão das coalizões também como fator limitante da democracia. Como se dá isso?
Há o problema de como você faz a coalizão. No Brasil, as coalizões são feitas, basicamente, com distribuição de cargos dentro do governo. E a gente sabe que a distribuição de cargos tem duas consequências: a geração de menor eficiência por parte do governo e a geração de casos de corrupção, como a gente sabe muito bem. Então a questão é como fazer coalizão sem comprometer a capacidade de gestão do Estado e sem afetar a própria legitimidade do sistema político, que hoje está fortemente comprometida.
Qual a raiz desse problema?
O presidencialismo de coalizão, na forma como se dá no Brasil, nós vemos acentuadas duas questões: a fragmentação e a obtenção de maioria. No governo FHC, em alguns momentos, o PSDB chegou a ter mais de cem deputados. No governo Lula, o PT chegou a ter quase cem, mas hoje, na verdade, você vê um acentuamento dessa fragmentação. Então a primeira questão é conseguir reorganizar o sistema político para diminuir sua fragmentação.
Em relação a segunda questão, fazer coalizão no Brasil deve ser mais fácil, para que o preço dela, que no fim quem paga é o Estado brasileiro, seja menor.
É nesse sentido que você defende a ideia do 'prêmio de maioria', onde o partido ganhador leva cadeiras extras no Parlamento?
O prêmio de maioria, tornando o sistema um pouco menos fragmentado, pode ser uma ideia fundamental nesse momento. Veja o seguinte: a presidente, apesar de ter se elegido, o partido dela não tem uma liderança efetiva sobre o Congresso. Evidentemente isso afeta a governabilidade. E o mais provável é que esse seja um problema que será enfrentado por todos os presidentes.
O fim das coligações em eleições proporcionais também não seria importante?
Essa é uma questão que eu acho importante. Na verdade, há uma enorme distorção no sistema. Com as coligações nas eleições proporcionais, o eleitor nunca sabe quem ele está elegendo. Você votar em uma candidata a favor do aborto e elege um evangélico. Você depende de quem está coligado com quem, de qual o coeficiente eleitoral. É importante que o eleitor se posicione mais claramente em quem ele vota.
Você também coloca os limites da participação popular como um dos aspectos da crise. Por que?
A participação popular foi uma ideia formulada pelos governos de esquerda, em um momento em que havia indagações sobre a legitimidade da representação, dos representantes no Congresso. Foi uma maneira de resolver a relação com os movimentos sociais, da pouca inserção dos movimentos no Congresso. Melhorava a legitimidade do Governo, permitia aos atores sociais criarem suas próprias agendas nas políticas sociais e até mesmo uma certa mobilização e estabilização do governo. Há estudos na UFMG que demonstram que quanto mais participativa uma política, mas eficiente a gestão do governo nessa área.
Qual o problema? O problema é que a partir de 2013 você tem uma disputa no campo participativo: 'Quem mobiliza mais a favor ou contra o governo'. Essa disputa, na verdade, fez com que a participação tenha perdido seu papel de ancoragem [da legitimidade governamental].
Você fala de 'paradoxo do combate à corrupção'. O que seria isso?
O paradoxo é que você fortalece instituições que não se articulam com a soberania democrática. Eu chamo de paradoxo do combate à corrupção porque boa parte da institucionalidade voltada para o controle – MP, Judiciário, Tribunais de Contas - foi constituída basicamente nos últimos dez anos sob o governo de esquerda no Brasil, no entanto, ela não consegue se conectar de forma adequada com a soberania democrática. Ela se conecta muito melhor com a estrutura do Poder Judiciário. Neste momento, em que vivemos uma judicialização [da política], há uma forte interferência do Poder Judiciário sobre a soberania democrática.
Como assim?
O combate à corrupção e o fortalecimento do Judiciário implicam que o governo democraticamente eleito deve assumir algumas regras, mas, diversas vezes, há um abuso na ideia de controle. Há momentos em que se afirma 'tal política está errada'. O órgão de controle não pode dizer qual a política adequada, isso cabe ao Executivo, [que] tem que fiscalizar os meios pelos quais ela foi implementada. O mesmo acontece quando o Judiciário interfere no andamento do sistema político.
Em suma, é necessário harmonizar os instrumentos de combate à corrupção com os outros poderes, especialmente o Executivo e o Legislativo.
Além do que você apontou, setores da esquerda brasileira, em relação ao Judiciário, também criticam a existência de uma suposta seletividade. Você concorda com essa posição?
Sem dúvida nenhuma existe seletividade na maneira como o combate à corrupção vem sendo feito no Brasil. Uma denúncia em relação a uma suposta casa do ex-presidente [Luiz Inácio] Lula (PT) levou a uma mobilização enorme de corpos judicias, enquanto cinco denúncias em relação a um suposto esquema de caixa dois em Furna envolvendo o ex-candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB) não foi investigado. Existe um desequilíbrio aí.
O que se quer é levar a percepção incorreta da opinião pública sobre o envolvimento de cada partido em casos de corrupção. E o que a gente quer é que o combate à corrupção não tenha esse nível de partidarização e politização que a Lava Jato parece ter.
Como se explica, então, o repúdio dos manifestantes contra o governo também direcionado a políticos tucanos?
Eu acho que existe uma certa perplexidade em relação em como o sistema político e o poder Judiciário estão se articulando nessa crise. De alguma maneira, a oposição, em especial o senador Aécio Neves, partiu do pressuposto que poderia fazer uma campanha anti-corrupção que só afetaria o governo e o PT. Isso acabou, ao que parece, não só na manifestação de domingo (13), mas também na delação do senador Delcídio Amaral.
O que a gente percebe é que uma bandeira anti-corrupção colocada na mão do Judiciário sem pensar no andamento do sistema político vai fazer com o sistema político como um todo naufrague, gerando uma crise de legitimidade. Isso ficou claro nas manifestações de domingo (13), especialmente em São Paulo: a declaração a partidos caiu fortemente. Segundo o DataFolha, em 2015, 37% declararam simpatia pelo PSDB. No último domingo, eram 21%, quase a metade.
A maneira como se dá a articulação do combate à corrupção e a oposição não está afetando só o governo, mas o sistema político como um todo.
A Lava Jato é abertamente inspirada na operações Mãos Limpas. Qual o saldo do que ocorreu na Itália? Pouco tempo depois se viu a emergência de figuras como Berlusconi...
Os defensores da Lava Jato claramente se inspiraram nas Mãos Limpas e isso se expressa de forma evidente com o fato de Moro escreveu um artigo sobre o tema. Mas é um entendimento muito precário. Ela destruiu o sistema político e gerou uma estagnação de longo prazo.
Entre os países da OCDE, a Itália foi o que menos cresceu nos últimos 15 anos, e isso também foi uma das consequências da operação. É algo que já estamos vivenciando algo no Brasil com o decréscimo do PIB em 2015.
O Judiciário pode punir o sistema político pela corrupção, mas ele não livra o país da corrupção, isso depende da rearticulação do sistema político após a Lava Jato. É isso que vai determinar se seremos um país com mais ou menos corrupção. A Lava Jato não parece apontar na direção de um combate institucional efetivo à corrupção.
Combater a corrupção nesse sentido dependeria de uma reforma política?
Claro.
Fonte:Brasil de Fato
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