Siga a gente aqui!

terça-feira, 21 de julho de 2020

Por que a mídia comercial continua dando tanto cartaz a Deltan Dallagnol?

Enquanto o julgamento do caso PowerPoint é mais uma vez adiado, procurador ganha amplo espaço para se defender da colaboração com o FBI


Inicio fazendo um mea culpa, porque me sinto corroborando aquilo que criticarei a seguir: o cartaz dado pela mídia comercial a Deltan Dallagnol. Enquanto o julgamento do caso do PowerPoint, em processo movido pela defesa de Lula, foi adiado 40 vezes e prescreve em setembro, o chefe da Força-Tarefa ganhou amplo espaço midiático para se defender da acusação de que policiais do FBI participaram ativamente da operação Lava-Jato.
Inicio fazendo um mea culpa, porque me sinto corroborando aquilo que criticarei a seguir: o cartaz dado pela mídia comercial a Deltan Dallagnol. Enquanto o julgamento do caso do PowerPoint, em processo movido pela defesa de Lula, foi adiado 40 vezes e prescreve em setembro, o chefe da Força-Tarefa ganhou amplo espaço midiático para se defender da acusação de que policiais do FBI participaram ativamente da operação Lava-Jato.


Como diz a teoria da comunicação chamada agendamento ou agenda-setting, a mídia é responsável por ditar os assuntos dos quais tratamos. Da Wikipedia: “Essa hipótese propõe a ideia de que os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados com maior destaque na cobertura jornalística”. Ou seja, é dela o poder de decidir não só o que será notícia, como também os assuntos sobre os quais falaremos em nossa vida cotidiana.

"O julgamento do caso do PowerPoint, em processo movido pela defesa de Lula, foi adiado 40 vezes e prescreve em setembro; enquanto isso, Deltan aparece em todas as TVs se defendendo da acusação de que policiais do FBI participaram ativamente da Lava-Jato"

(Mas note que aqui falamos, sobretudo, sobre a mídia corporativa, enquanto você certamente está lendo este artigo por meio de algum canal de mídia alternativa, com o qual deveria, inclusive, colaborar para garantir a sua existência.)

Outro dia assisti a uma entrevista do ex-presidente Lula à Rádio Gaúcha onde os entrevistadores falaram sobre uma possível “fixação” do ex-presidente em relação à sua prisão e à operação Lava-Jato como um todo, como se não fosse algo legítimo e perfeitamente justificável. Afinal, o cara foi preso em um processo cada vez mais cercado de dúvidas.
A esquerda sempre foi acusada de paranoide pela direita, até como forma de disfarçar as manipulações. Em 2016, a socióloga Marilena Chauí foi espinafrada por dizer que a operação Lava-Jato não tinha nada a ver com a moralização da Petrobrás, e sim com tirar de nós o pré-sal. Ela ainda foi além e falou que acreditava em um treinamento de Sergio Moro pelo FBI com este intuito.




Quem acredita nisso há mais tempo parece já anestesiado e nem se choca tanto quando esta suspeita é corroborada pelas últimas revelações do The Intercept e da Agência Pública sobre a ligação da Lava-Jato com o FBI. Mas é, sim, chocante; e não pode passar impune. Na semana passada, o deputado Glauber Braga e mais de 70 deputados assinaram uma carta na qual solicitam a parlamentares norte-americanos informações sobre o envolvimento do FBI e do Departamento de Justiça dos EUA na Lava-Jato, e cobram que o governo estadunidense adote as “medidas legislativas apropriadas para expor essa ingerência externa inaceitável e responsabilizar os agentes e oficiais responsáveis”, por seus profundos efeitos na política e economia brasileira. No twitter, o deputado justificou, com veemência, que Dallagnol deve ser responsabilizado por descumprir nossa legislação para atender orientações de uma polícia estrangeira.
Como toda hora é revelado o que a gente já denunciava que acontecia, parece que perdemos nossa capacidade de nos espantar não só com as mortes causadas pela Covid-19, mas também com as barbaridades do governo Bolsonaro como um todo.

Para nós, do campo progressista, que há tempos denunciamos a maneira como a ascensão do Bolsonaro se deu na base do zapzap e da mamadeira de piroca, nem causa mais impacto a cortina de fumaça com toda essa história de exame positivo de Bolsonaro (depois daquele auê todo para mostrar exames anteriores), no mesmo  momento em que seu filho, o senador Flávio, ia depor no caso das rachadinhas.

Não nos impacta mais ver o “mito” fazendo propaganda da cloroquina e depois dizendo que não tem comprovação que o remédio funciona, em um vídeo que virou piada. Nada disso parece causar grande assombro tampouco no seu eleitorado, como apontam as pesquisas mais recentes. A mídia tem um papel fundamental aqui. É necessário divulgar amplamente todas as medidas desses desgoverno. Toda vez.



Assisti também ao fatídico episódio do Jornal Nacional sobre a prisão de Fabrício Queiroz, com aquele roteiro dramático, com direito a cartaz de AI 5 e miniaturas de mafiosos, digno de um longa-metragem que muitos diriam inverossímil. Assisti comendo pipoca. A cara do advogado, que Gregório Duvivier tão bem definiu como um misto de Armando Volta, da Escolinha do Professor Raimundo, e Dick Vigarista, é impagável.

Ali parecia que era a vez da Globo fazer seu mea culpa e mostrar o que ajudou a eleger. No entanto, dali a poucos dias, no caso da privatização da água, a emissora dos Marinho já seguiu exibindo sua faceta neoliberal, sem ao menos ouvir o outro lado, e apoiando claramente, como algo positivo, a medida que tratava do marco legal do saneamento e sua consequente privatização.

Urge reconhecer a influência da mídia. Voltando à entrevista da rádio Gaúcha, Lula disse que, nos últimos cinco anos, foram 400 horas de Jornal Nacional contra ele. Não tem como competir com isso. Lula fala que o Ministério Público e Moro compactuaram com uma parte dos meios de comunicação do país. E quem há de negar? Provavelmente só a própria mídia, ou teria que admitir ter participado da farsa –daí o espaço que continua dar a Deltan Dallagnol.

"Na mesma semana em que foi revelada a ligação entre o FBI e a Lava-Jato, Dallagnol falou quase que diariamente à CNN, à Folha, ao UOL, além de ganhar as páginas amarelas da Veja. Já as revelações da Vaza-Jato tiveram pouquíssimo espaço na mídia comercial"

Enquanto as revelações da Vaza-Jato que comprovaram a conspiração para incriminar Lula tiveram pouquíssimo espaço na mídia comercial, Deltan apareceu em vários veículos de grande alcance na mesma semana da divulgação da ligação entre o FBI e a Lava-Jato. Dallagnol falou quase que diariamente à CNN, à Folha, ao UOL, além de ganhar uma entrevista nas páginas amarelas da Veja.

Na primeira entrevista, a da CNN, Dallagnol respondeu a respeito de 2016 e 2017, como se os policiais norte-americanos tivessem vindo apenas para ensinar o know-how de operação para a quebra de criptografia de mensagens, quando a denúncia apontada pelos veículos Agência Pública e The Intercept é sobre um período anterior a isso, 2015.

Na do UOL, quando perguntado sobre o fato de Sergio Moro ter aceitado o cargo no Ministério da Justiça, Deltan faz uma longa explanação sobre como pensar, de forma otimista e pessimista, diante de um mesmo assunto. Depois ele diz que hoje, fazendo uma retrospectiva, é possível reconhecer que foi um erro. “Considerando o privilégio de visão retrospectiva, considerando o modo como a realidade se desenvolveu, entendo que foi um equívoco”.

"Não é só por aqui que a manipulação midiática acontece. Nos EUA, uma pesquisa realizada pela In These Times mostra que a CNN citou Bernie Sanders três vezes mais negativamente do que Joe Biden"

À Veja, Dallagnol negou que a Lava-Jato tenha dado apoio ao Bolsonaro. Na Globo, nessa mesma semana, o procurador foi questionado tão-somente pela suposta supressão de nomes de autoridades com prerrogativa de foro dos processos, sem mencionar a ligação com o FBI.

Traço comum entre as diferentes entrevistas concedidas pelo procurador é que os jornalistas pedem para que ele seja menos evasivo e mais direto em suas respostas, pois Dallagnol demora a responder o que lhe é questionado –coisa que a gente já sabe desde o dia do famigerado PowerPoint, quando só apresentou convicções em vez de provas.

Mas vamos deixar claro que não é só por aqui que a manipulação midiática acontece. Também nisso copiamos o que vem dos EUA. Branko Marcetic autor de Yesterday’s Man: The Case Against Joe Biden, escreveu sobre como a mídia corporativa nos EUA colaborou para a ascensão de Biden e consequente queda de Bernie Sanders. Ele cita uma pesquisa realizada pela In These Times que mostra que a CNN –apontado por Marcetic como o veículo que possui mais credibilidade entre os apoiadores do partido Democrata– cita Sanders três vezes mais negativamente do que Biden. A emissora teve um papel decisivo na vitória de Biden nas primárias Democratas amparado pelo receio generalizado à reeleição de Trump.

Fonte: Socialista Morena

Nenhum comentário:

Postar um comentário