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quarta-feira, 8 de julho de 2020

FÃS DE K-POP ESTÃO SE ENVOLVENDO NA POLÍTICA DOS EUA. AFINAL, SÃO ATIVISTAS?

À medida que os protestos nos Estados Unidos ganhavam destaque após o assassinato de George Floyd pela polícia de Minneapolis, fãs de música pop coreana, ou k-pop, chamaram a atenção após bloquearem um aplicativo lançado pelo Departamento de Polícia de Dallas chamado iWatch Dallas, que deveria ser um portal para enviar vídeos de manifestantes. Os fãs de k-pop encheram o aplicativo de “fancams”, vídeos de apresentações com um dos integrantes ou um conjunto inteiro de k-pop. Em poucas horas, o aplicativo foi desativado por “dificuldades técnicas”, segundo atribuiu o departamento de polícia.


Nos dias e semanas seguintes, os fãs responderam massivamente às hashtags da direita no Twitter como #WhiteLivesMatter e #WhiteOutWednesday com fancams, abafando qualquer envolvimento sério com essas hashtags de supremacistas brancos.

Mais recentemente, fãs de k-pop e adolescentes usuários do TikTok estavam entre os que reservaram ingressos para o comício de Donald Trump em Tulsa, Oklahoma, em 20 de junho, apenas para não comparecer.

Mesmo agora, basta procurar #ItsOkayToBeRacist, que era um trending topic há duas semanas, e você encontrará fancams de artistas coreanos como V, um dos sete membros da boy band BTS (Bulletproof Boy Scouts, em inglês), ou Han, do grupo Stray Kids. Na semana passada, os fãs de k-pop continuaram ofuscando a hashtag #AllLivesMatter com fancams de J-hope, do BTS, e do grupo feminino Red Velvet, para dar alguns exemplos. Entre os esforços mais visíveis e amplamente coordenados nas semanas anteriores, estava a campanha #MatchAMillion, na qual os fãs do BTS, que se autodenominam ARMYs, igualaram em cerca de 24 horas a marca de 1 milhão de dólares que o BTS havia doado para organizações que apoiam o Black Lives Matter (transparência: a autora deste texto também participou do #MatchAMillion).

A coordenação do grupo foi aclamada na mídia como um fenômeno novo e surpreendente, e a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez, de Nova York, chamou os fãs de k-pop de “aliados” por sua contribuição na sabotagem do comparecimento ao comício de Trump. Mas os fãs de k-pop, embora bem organizados, não são totalmente unidos. Podemos esperar que mais fãs continuem a agir online e defendam questões importantes, seja o meio ambiente, a conscientização da saúde mental ou o Black Lives Matter; as iniciativas obtiveram apoio significativo graças aos fãs que usam suas redes para incentivar outros a doar. Mas o ativismo deles não será facilmente atrelado à agenda de ninguém – e o próprio fandom está lidando com questões internas de assédio e racismo.

A glorificação da comunidade de k-pop entre os interesses políticos liberais e a mídia, escreve Abby Ohlheiser na MIT Technology Review, “significa que os entusiastas do k-pop e os adolescentes do TikTok estão rapidamente se tornando para os progressistas o que o 4chan é para os apoiadores mais velhos de Trump: um exército de guerreiros anônimos da internet que eles adoram elogiar, mas não entendem completamente”.

O comício em Tulsa não foi a primeira vez que os fãs de k-pop usaram sua presença online para causar um impacto político. No final do ano passado, no Chile, enquanto os protestos contra o aumento do custo de vida e a brutalidade policial continuavam por meses, o governo chileno divulgou um relatório de big data que cita diretamente os fãs de k-pop como “influência estrangeira” para alimentar os protestos. Manifestantes no Chile e na Argélia participaram de protestos com cartazes contendo memes de k-pop e até se apropriaram de músicas de grupos como NCT DREAM e Girls ‘Generation para seus próprios slogans de protesto.

Nos EUA, onde o fandom do k-pop é muito diversificado, as práticas dos fãs geralmente se concentram na raça – e no racismo dentro da indústria da música. Em maio de 2018, os fãs do BTS espalharam #StreamFakeLoveToEndTrumpsAmerica, referindo-se a um novo lançamento do grupo na época, para fazer o BTS aparecer acima de Post Malone, que simultaneamente lançou novas músicas. Os fãs citaram isso como uma maneira de ir contra uma indústria da música que destaca principalmente os músicos brancos. Os fãs do BTS também comentam há muito tempo como o BTS não toca no rádio nos EUA, apesar da popularidade global do grupo, devido à aparente relutância do setor em ter uma boy band cantando em coreano.

À medida que os protestos cresciam em Minneapolis pelo assassinato de Floyd, os fãs se dividiram sobre o quanto suas redes deveriam tentar cooptar a conversa online. Alguns pensavam que artistas de k-pop deveriam falar em apoio ao Black Lives Matter, citando que boa parte do fandom é composto por negros, indígenas e não brancos, e o próprio k-pop tem muita influência da música negra. Outros argumentaram que pressionar as estrelas do k-pop, também conhecidas como “ídolos”, a fazer declarações poderia minimizar o BLM como uma tendência e desviar a atenção das injustiças que acontecem nas comunidades afro-americanas.

Vários grupos de k-pop – grupos que geralmente evitam fazer declarações políticas diretas – acabaram anunciando apoio ao movimento. Artistas como BTS, Tiger JK, Tiffany Young do Girls’ Generation e vários outros fizeram declarações em apoio ao Black Lives Matter em suas contas de redes sociais. Monsta X foi o primeiro grupo a fazer uma declaração em vídeo em apoio.

Daezy Agbakoba foi um dos primeiros fãs do BTS a incentivar a comunidade a bater a doação que o grupo faria. “Normalmente, somos muito rápidos em mobilizar”, disse Agbakoba sobre o fandom online do BTS, “porque estamos acostumados a ser rápidos quando se trata de apoiar o BTS sempre que fazem novos lançamentos”.

Os fãs puderam tirar proveito das redes que já estavam usando para disseminar informações sobre o racismo contra os negros para seus pares internacionais, diz Candace Epps-Robertson, professora assistente de inglês na Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, a UNC-Chapel Hill, que pesquisa os fãs do BTS. Várias contas de fãs compartilharam vídeos de violência policial contra manifestantes e divulgaram a festa #StreamforBLM para angariar fundos e pagar fianças.

“Quando houve um esforço conjunto para ajudar a hashtag #BlackLivesMatter, havia um trabalho sendo feito no fandom para compartilhar materiais sobre raça nos Estados Unidos e educar outras pessoas sobre por que esse problema precisa ser reconhecido globalmente”, disse ela. “Vi os esforços de alguns [fãs coreanos] que estavam tentando traduzir e compartilhar esses materiais para dar aos seus seguidores mais contexto ao que estava acontecendo”.

O fandom do K-POP, especialmente para fãs negros, queer e outros que vêm de grupos marginalizados, é um meio pelo qual se celebra a identidade. “A surpresa da mídia americana vem da falta de conhecimento de quem realmente está no fandom”, diz Nykeah Parham, pesquisadora de história afro-asiática e do k-pop.

Na semana passada, #BlackARMYBlockParty e #BlackARMYSlumberParty estavam em alta, com os fãs negros do BTS postando memes e selfies que comemoravam a negritude na comunidade de fãs.

Mas, como muitos outros grandes grupos nas redes sociais, alguns fãs têm sido responsáveis pelo assédio online e doxxing, a prática de expor os dados particulares de alguém. Os fãs negros dizem que enfrentaram racismo e assédio nos espaços digitais da comunidade, enquanto os fãs queer sofreram doxxing.

Miranda Ruth Larsen, pesquisadora de fãs e doutoranda na Universidade de Tóquio, diz que a cultura do “fanatismo” tóxica, envolvendo fãs que rejeitam o envolvimento crítico com o k-pop, é a causa de bullying, assédio e dog-piling, quando um perfil no Twitter é atacado nos comentários por vários outros ao mesmo tempo. “As táticas usadas para os esforços de mobilização são as mesmas usadas para ‘reunir as tropas’ no Twitter contra um ‘anti’ ou alguém considerado um alvo”. O alvo, diz Larsen, “poderia ser um fã que dissesse algo, alguém da indústria ou até os próprios ídolos. É um conjunto de habilidades que nem sempre é usado positivamente”.

Nos espaços de fãs em geral, “campanhas de ataque e difamação online de uns contra os artistas preferidos dos outros é muito comum”, disse Jeeheng Lee, autor do livro “BTS and ARMY Culture” e professor de cinema na Universidade Chung-Ang, em Seul. “Então, para proteger seus artistas, o fandom desenvolveu suas táticas” – táticas que incluem campanhas de hashtag, cultura de votação, incentivo ao streaming e campanhas em threads.

Embora não haja dúvida de que a enorme ação com fancams no aplicativo iWatch Dallas impediu a polícia de usar a tecnologia de reconhecimento facial para prender manifestantes, o ato individual de publicar fancams pode ser superficial. “Grande parte do envolvimento também é irrelevante, porque a atenção positiva da mídia, ironicamente, dificulta para os fãs não brancos” continuarem falando sobre os desafios que enfrentam na comunidade, disse Larsen, “como se esse curto período de engajamento tivesse retificado os problemas gritantes do fandom e da indústria k-pop com o racismo”.

Após o comício em Tulsa, o Lincoln Project, um grupo republicano dedicado a impedir a reeleição de Trump em 2020, manifestou interesse em conhecer os fãs de k-pop, e o Biden War Room, uma organização popular que deseja ver Joe Biden eleito presidente, solicitou a ajuda de fãs para “lutar online”. Como resultado, alguns expressaram medo de que os fandoms fossem cooptados para certos interesses políticos. Agbakoba diz: “No final das contas, somos apenas um monte de fãs de música como muitos outros fãs. Eu preferiria não ter gente de fora que ressignificasse nosso papel nas redes sociais como ativistas coletivos dos dias modernos”.

Se esse momento atual nos mostrou alguma coisa, é que o fandom do k-pop é apenas a cola que fez várias pessoas com um interesse comum se unirem para agir sobre coisas que são importantes para elas. É uma cola eficaz, mas, para medir como os fãs podem continuar causando impacto no futuro, eles próprios dizem que deve haver um acerto de contas com racismo, assédio e dog-piling.

Apesar disso, fãs com fortes convicções políticas e apaixonados por boas causas sociais estão crescendo em influência online. Depois de ver a campanha #MatchAMillion se tornar viral, Agbakoba diz: “Estou otimista sobre o que nossos fãs podem fazer. (…) Somos muito mais poderosos do que acreditamos”.

Fonte: The Intercept

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