Diego Portillo tinha 3 anos quando o seu pai, Rubén, morreu e também foi internado com um quadro de febre e vômitos em 2011.
Guerra química?
A realidade dos camponeses paraguaios repete a dos brasileiros.
Se não forem os assassinatos ou a criminalização judicial, os efeitos da fumigação indiscriminada de agrotóxicos acabam por expulsar as famílias. Às vezes nem é preciso documentação. Um sojeiro simplesmente pode alugar uns lotes e, com isso, lava as mãos se algo der errado nessas terras. O procurador brasileiro Marco Antônio Delfino de Almeida descreveu a situação no Mato Grosso do Sul como uma verdadeira guerra química: os agroquímicos são usados “como agente laranja” contra comunidades camponesas ou indígenas para dar espaço à soja.
No Paraguai, o primeiro estudo financiado pelo governo sobre a saúde de crianças expostas à fumigação de agroquímicos encontrou danos no DNA de uma comunidade no estado de Canindeyú. Nessa comunidade, as leis ambientais também foram violadas.
A publicação foi respondida com uma campanha de assédio e desinformação contra o cientista responsável pela pesquisa.
A Associação Rural do Paraguai e a União dos Grêmios de Produção, representantes do agronegócio no país, pressionaram o governo para que qualquer proposta de pesquisa financiada com dinheiro público tenha que ser aprovada por eles antes de ser financiada. E eles conseguiram.
“Toda vez que eles fumigam, eu me tranco com minha mãe e tomo meu remédio antialérgico”, diz Norma, rindo de sua escolha de medicamentos.
As erupções na pele e a “gripe” são as descrições comuns dos sintomas que várias famílias experimentam a cada estação de fumigação, explica a viúva Isabel Bordón, em guarani. “O meu irmão Ceferino teve essas erupções no ano passado, assim como o Rubén”, ela conclui, em espanhol.
Talvez no passado Isabel Bordón tenha olhado para o mundo com raiva ou tristeza, mas agora são poucas as vezes que seu rosto moreno reflete alguma rebeldia. Sua expressão nem se altera quando ela repreende seus dois filhos, Diego, órfão de Rubén, e Graciela, filha de um relacionamento posterior, que correm ao redor da roda de tereré.
Talvez porque ela já saiba que o governo paraguaio quase nunca cumpre a segunda parte da pena – a prevenção de novas violações de direitos humanos.
No caso de Yerutí, medidas de não repetição poderiam ser apenas um protocolo nos centros de saúde para casos de intoxicação química.
Ou um tribunal no qual os agricultores possam efetivamente denunciar violações das leis ambientais pelos sojeiros.
Ou, talvez, recuperar a Colonia Yerutí, onde os Portillo e os Bordón estão entre as poucas famílias que sobraram das quase cem que existiam em 1991.
Benito Jara, um dos envenenados em 2011, hoje trabalha como açougueiro em Curuguaty e diz que gostaria de voltar – se ele tivesse vizinhos.
Norma diz o mesmo. “Quero ficar aqui porque não quero me tornar como muitos daqui, camponeses sem terra.” Ela conta que vários dos que alugaram ou venderam suas terras para os brasiguaios estão agora pedindo ao governo novos lotes. Mas também são muitos os problemas em viver assediada por agrotóxicos, sem ter como transportar aquilo que sobrevive da sua colheita, e ver seus vizinhos irem embora pouco a pouco. Hoje, ela não descarta a ideia de vender os seus vinte hectares, se o comprador insistir.
Isabel Bordón, a viúva, tem um olhar perdido e encolhe os ombros quando indagada sobre o que significa para ela a decisão da ONU, tão distante e tantos anos depois da morte do seu companheiro. Ela está mais preocupada com o local onde seu filho, Diego, vai estudar daqui a três anos, quando terminar a educação básica. Hoje ele é o único aluno de sua série na escola de Yerutí, que tem um total de seis alunos e um professor.
Isabel demoliu a casa onde vivia com Rubén. E se mudou para morar com seu pai, Ruperto. Este ano, a novidade é que a soja chegou ao terreno ao lado. E eles não sabem se a mandioca que plantaram sobreviverá ao único vizinho que realmente parece estar confortável em Yerutí.
Yerutí é um dos muitos exemplos, no Paraguai, de comunidades camponesas expulsas de suas terras pelo boom de commodities – o país é o quarto maior exportador de soja do mundo.
Fonte: Agência Pública
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