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terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Série: “Os brasileiros mataram meu papai?” parte 1

Como a morte de um agricultor por uma possível intoxicação por agrotóxico na fronteira sojeira com o Brasil levou o Paraguai a ser condenado pela ONU
As melancias que Rubén Portillo havia plantado estavam a ponto de serem colhidas quando, em 6 de janeiro de 2011, ele não conseguiu se levantar, enfraquecido pela febre e vômitos. Esses sintomas pareciam diferentes, foi o que pensou sua parceira, Isabel Bordón, ao lembrar das erupções que tinham aparecido ao redor da boca e nos dedos algumas semanas antes. Isabel chamou sua cunhada, Norma Portillo, e pediu que o levasse de casa, a última que sobrara na Colônia Yerutí, até o centro de saúde da comunidade.
As melancias que Rubén Portillo havia plantado estavam a ponto de serem colhidas quando, em 6 de janeiro de 2011, ele não conseguiu se levantar, enfraquecido pela febre e vômitos. Esses sintomas pareciam diferentes, foi o que pensou sua parceira, Isabel Bordón, ao lembrar das erupções que tinham aparecido ao redor da boca e nos dedos algumas semanas antes. Isabel chamou sua cunhada, Norma Portillo, e pediu que o levasse de casa, a última que sobrara na Colônia Yerutí, até o centro de saúde da comunidade.

Um remédio para vômito e mel foi a receita que Rubén recebeu por lá. Mas, quando voltou para casa, estava tão fraco que não conseguia ficar de pé. Norma alugou uma caminhonete por cerca de R$ 160 para levá-lo ao hospital de Curuguaty, a cidade mais populosa do estado de Canindeyú, perto da fronteira com o Brasil. Enquanto venciam a estrada de terra, as pequenas plantas de soja se estendiam dos dois lados, até o perder de vista.

Mas as quatro horas de viagem foram demais para Rubén Portillo – que até aquela manhã era um jovem de 26 anos, o único filho homem, mimado por quatro irmãs mais velhas, frutos do casamento do pai barbeiro com a mãe costureira. Ele não gostava de sair em fotos e tinha o que muitos agricultores paraguaios não têm: uma terra com plantações e animais.

Rubén Portillo chegou morto ao hospital. Naquele verão, ninguém comeu as suas melancias.
Norma Portillo, irmã de Rubén Portillo, morto há oito anos, depois de apresentar sintomas como vômito e febre

Tudo o que aconteceu para que um homem morresse

Nos cinco dias seguintes chegaram ao hospital de Curuguaty, vivos, mas com sintomas semelhantes aos de Rubén Portillo, seu filho Diego, de 2 anos e meio, sua parceira, Isabel, seu cunhado Ceferino e seu vizinho Benito Jara. No total, 22 pessoas de Yerutí, incluindo duas crianças, foram internadas por duas semanas. Depois de ter coletado amostras de sangue e urina, a diretora do hospital, Angie Duarte, fez algumas ligações:

Para o Ministério Público.

Para o Ministério do Meio Ambiente (Seam).

Para o Serviço Nacional de Qualidade e Saúde de Plantas e Sementes (Senave).

Os avisos só surtiram efeito uma semana depois da morte de Portillo.
O Ministério Público abriu uma investigação por violação de normas ambientais. Junto com os técnicos do Ministério do Meio Ambiente e da Senave, eles chegaram em 13 de janeiro a Yerutí, uma colônia fundada pelo governo paraguaio em 1991, nas terras que um ex-ministro da Educação do ditador Alfredo Stroessner deu como compensação por desviar fundos públicos.

Em teoria, o governo tinha que garantir às famílias rurais as condições para plantar e vender alimentos nos 2.212 hectares distribuídos em 223 lotes. Mas nunca houve um planejamento para isso. Em 2019 apenas 34 das 223 propriedades estavam registradas. O governo nunca deu o título de propriedade a Norma Portillo, irmã de Rubén, embora ela tenha terminado de pagar há quase dez anos.

Quando chegaram a Yerutí, os servidores do governo não encontraram alimentos. Eles encontraram plantações de soja, muitas delas em terras sem títulos, ou seja, públicas.

Descobriram também que não havia na região uma única fazenda que cumprisse com a lei que determina barreiras de árvores entre a soja e a estrada. Entre a soja e os riachos. Entre a soja e as famílias. Não existiam os 100 metros de proteção em torno de cada casa, escola ou centro de saúde, onde os pesticidas não podem ser pulverizados.

Na prática, não existia nenhuma das regras que viraram lei depois da morte de Silvino Talavera, um garoto de 11 anos que foi pulverizado com agroquímicos em 2003 no sul do Paraguai. Silvino também morreu em janeiro – assim como Rubén –, mês em que a soja é fumigada para a colheita.

Os técnicos descobriram que o poço de água da casa de Portillo estava contaminado com endossulfam, aldrin e lindano, três agrotóxicos proibidos no Paraguai e no Brasil. O endossulfam está relacionado a problemas no sistema reprodutivo e endócrino; já o lindano, ao aparecimento de linfoma não Hodgkin, um tipo de câncer do sistema linfático. A concentração de lindano encontrada na água era três vezes maior que o máximo estabelecido para seres humano pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A irmã de Rubén, Norma, acredita que, em janeiro de 2011, as fazendas de soja estavam experimentando agrotóxicos sem muito conhecimento dos produtos químicos. O lindano, por exemplo, não é usado na soja, mas o endossulfam sim. Até 2010, a sua venda era permitida no Paraguai, e 80% eram usados para soja.

A comitiva de técnicos encontrou dois estabelecimentos produtores de soja que tinham plantação ao lado da casa de Portillo: Cóndor S.A./KLM S.A. e Hermanos Galhera Agrovalle del Sol S.A./Emmerson Shinin. 

Veja a parte 2 , 3 , 4 e 5 .


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