Na
semana do Dia Internacional dos Direitos Humanos, relembramos momentos de
violação a este direito fundamental via ataques à comunicação
Nesta
terça-feira 10, celebramos mais um Dia Internacional dos Direitos Humanos, data
criada pela Unesco em 1968 para marcar o aniversário da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada vinte anos antes, em 1948. No Brasil, desde a
redemocratização, pós-ditadura militar, não enfrentamos tantas ameaças
concretas às liberdades fundamentais. Como a luta também é pedagógica, o Intervozes propõe
lembrar, esta semana, de dez situações em que a liberdade de expressão, direito
humano chave para qualquer democracia, foi violada desde o início do ano.
Muitas outras foram praticadas, por agentes públicos e privados. Não nos
esqueçamos de nenhuma.
1- Restrições e ameaças ao
trabalho de jornalistas
Elas começaram este ano no primeiro dia de Bolsonaro à frente da
Presidência da República. Na cobertura da posse, jornalistas ficaram confinados
por cerca de sete horas, com acesso restrito à água, alimentação e banheiro.
Depois disso, a violência contra a imprensa só fez escalar. Profissionais foram
impedidos de participar ou foram agredidos em coletivas do Planalto. Em agosto,
ao defender a exclusão de ilicitude no Código Penal, Bolsonaro declarou que se
“o excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos”. O
Presidente chama de “excesso jornalístico” ou de “fake news” toda e qualquer
crítica feita ao seu governo. Em novembro, a Federação Nacional dos Jornalistas
divulgou que já foram 111 ataques de Bolsonaro à imprensa este ano.
2- Extinção do Ministério da Cultura
Concretizada no dia 2 de janeiro, a extinção do MinC foi um dos
primeiros atos do atual governo. Suas atribuições foram repassadas ao
recém-criado Ministério da Cidadania, comprometendo a prioridade dos
esforços públicos no setor da cultura. O MinC existia desde 1985, justamente
quando o país retomou o rumo da democracia e reconheceu o papel da cultura para
o fomento à diversidade e a ampliação da liberdade de expressão e da produção
artística, bem como para o acesso à informação e ao conhecimento. Em novembro,
a pasta da Cultura foi transferida para o Ministério do Turismo.
3- Censura e ameaça de privatização da EBC
Em meados de abril, uma nota assinada por trabalhadores da Empresa
Brasil de Comunicação e pelos sindicatos dos Jornalistas e Radialistas do
Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo informou que os veículos da EBC
estavam proibidos de usar palavras como “golpe” e “ditadura” para se referir ao
que aconteceu em 1964 em suas reportagens. No mesmo mês, a TV Brasil, canal
público gerido pela EBC, teve sua programação fundida com a da TV NBr,
destinada a transmitir atos do Poder Executivo. A medida afronta a Constituição
Federal, que estabelece a complementaridade entre os sistemas público, privado
e estatal de comunicação, e está sendo questionada em ação do MPF. Em
outubro, uma imagem da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, foi
censurada do programa “Antenize”, da TV Brasil. Em
novembro, o programa Alto Falante, que falaria de Arnaldo Antunes, foi retirado
inesperadamente da grade da TV. Ele exibiria um clipe da música de “O real
existe”, que fala de milicianos. O Ministério Público Federal já solicitou ao
Tribunal de Contas da União que investigue a EBC por censura. Ainda em
novembro, funcionários da EBC repudiaram a inclusão da empresa no pacote de
privatizações de Bolsonaro e Paulo Guedes, ministro da Economia.
4- O racismo que estrutura a mídia brasileira
Em julho, no programa Alterosa Alerta, da TV Alterosa, afiliada do
SBT em Minas Gerais, o apresentador Stanley Gusman afirmou: “Eu sei quem é o
dono do Ibope. O nome do cara é Montenegro. Se ele fosse do bem, ele ia chamar
Montebranco”. O caso, que repercutiu este ano, é apenas mais um exemplo do racismo
estrutural no Brasil, que também atinge as comunicações. Ainda
que por linguagem diferente, o comentário de Gusman se aproxima da publicidade
do Ministério da Educação, veiculada em plataformas digitais em junho, na qual
uma jovem negra passa a ter a pele branca após ganhar uma bolsa de estudos e
conseguir se formar. A parte da jovem sem os estudos é negra, enquanto a mão
segurando o diploma é branca. No último domingo (8), o apresentador e dono do
SBT Silvio Santos protagonizou mais um caso de racismo na TV. No quadro “Quem
Você Tira?”, o apresentador não reconheceu a vitória da cantora negra Jennyfer
Oliver, escolhida como a melhor candidata por votação popular. Enquanto
Jennyfer recebeu 84 votos, suas adversárias receberam 8, 5 e 3 votos,
respectivamente. Silvio Santos não apenas decidiu dar o mesmo prêmio para todas
as candidatas como aumentou o valor em dinheiro para a candidata que julgou ser
“melhor e mais bonita”: uma mulher branca.
5- Mudanças no Conselho Superior de Cinema
A transferência do Conselho Superior de Cinema à Casa Civil, por
meio do Decreto 9.919, de 18 de julho de 2019, reduziu a representação da
sociedade civil no órgão, aumentando o poder do governo sobre a atuação do
colegiado e o risco de torná-lo um instrumento de patrulhamento ideológico e de
censura da produção artística. Uma Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) foi movida pela Rede Sustentabilidade contra a medida. Em
novembro, artistas, profissionais do setor audiovisual e organizações da
sociedade civil, entre elas o Intervozes, participaram de audiência pública no
STF para subsidiar os ministros em seu futuro julgamento da ADPF 614 e denunciar a censura no
ambiente artístico.
6- Cancelamento de edital de conteúdos com a temática LGBT
Em agosto, o Ministério da Cidadania publicou a Portaria
1.576/2019, cancelando um edital da Agência Nacional de Cinema (Ancine) voltado
para produções de séries de temática relacionadas a vidas de pessoas Lésbicas,
Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT) para exibição nas TVs públicas. O
pretexto foi a necessidade de recompor os membros do comitê gestor do Fundo
Setorial do Audiovisual (FSA), mas as declarações de Bolsonaro comprovaram a
decisão do governo em paralisar o financiamento público a produções
audiovisuais sobre diversidade de gênero e sexual. À época, o Presidente
afirmou: “É um dinheiro jogado fora. Não tem cabimento fazer um filme com esse
tema”. Em ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, a Justiça
Federal do Rio de Janeiro reconheceu o forte potencial discriminatório e lesivo
a direitos fundamentais e ao interesse público da portaria, determinando que a
União e a Ancine dessem continuidade ao edital.
7- Censura na Bienal do Livro do Rio
Em setembro, o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e
prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, mandou recolher o HQ “Vingadores
– a cruzada das crianças” da Bienal do Livro da cidade. A história em
quadrinhos trazia cenas de um relacionamento homoafetivo entre heróis. A
tentativa de censura levou à indignação e manifestações de artistas e
defensores da liberdade de expressão e acabou gerando o efeito contrário: a
obra se esgotou em questão de minutos na Bienal. Depois do anúncio de Crivella
nas redes sociais, a Prefeitura do Rio mandou uma notificação extrajudicial
para a Bienal pedindo, na verdade, que os livros fossem lacrados e viessem com
aviso de conteúdo impróprio para crianças. À época, a organização do evento
afirmou que não iria recolher nem embalar nenhum livro, já que não se tratada
de conteúdo impróprio ou pornográfico. Acrescentou, ainda, que “dá voz a todos
os públicos, sem distinção, como uma democracia deve ser”.
8 – Censura a peças de teatro
Este ano, a Caixa Cultural cancelou, sem maiores explicações, pelo
menos três peças teatrais. Em setembro, a peça infantil “Abrazo”, da companhia
Clowns de Shakespeare, foi cancelada após estrear na Caixa Cultural do Recife.
O espetáculo, baseado no “Livro dos Abraços”, de Eduardo Galeano, era centrado
na vida de personagens proibidos de dar abraços. Já em Brasília, a peça
“Gritos”, que tem uma travesti entre seus personagens, teve apresentação
cancelada. A companhia Dos à Deux havia sido selecionada por edital para
apresentar duas peças na capital. Em redes sociais, a equipe relatou ter sido
pressionada e informada da necessidade de aprovação prévia do superintendente
da instituição antes da encenação da peça. No Rio de Janeiro, o fim das
tratativas com a peça “Lembro Todo Dia de Você”, que tem como protagonista um
personagem homossexual soropositivo, também levantou suspeitas de censura. Além
das peças, a Caixa Cultural também cancelou uma série de palestras para
crianças e adolescentes sobre democracia, chamada “Aventuras do Pensamento”, e
uma mostra sobre a cineasta Dorothy Arzner, sobre sexualidade. A Caixa
Econômica Federal hoje é dirigida por Pedro Guimarães, membro da equipe de
Bolsonaro desde o período de transição do governo.
9- Violação à privacidade dos cidadãos
Uma das principais condições para o amplo exercício da liberdade
de expressão é a existência de um ambiente em que a privacidade dos cidadãos e
cidadãs seja respeitada. Em outubro, entretanto, por meio de decreto, o
governo federal criou o Cadastro Base do Cidadão, unificando dados pessoais de
dezenas de serviços públicos, vinculando-os ao CPF. Além de dados biográficos
como nome, data de nascimento, sexo e filiação, o cadastro incluirá atributos
biométricos, como características da palma da mão, digitais, retina ou íris,
formato da face, voz e maneira de andar. O Planalto alega que o objetivo é
desburocratizar o fluxo de dados entre entes públicos, mas a medida tira o
poder do cidadão sobre suas informações e vai na contramão da Lei Geral de
Proteção de Dados Pessoais, aprovada em 2018. No contexto de um Estado
autoritário, o Cadastro Base poderá ser usado para iniciativas de vigilância do
poder público e consequente ameaça à liberdade de expressão.
10- Ameaças à concessão da Rede Globo
Fonte: A Carta Capital
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