A quantidade de entidades registradas na Receita também tem
crescido anualmente. Em 2018, o número de instituições religiosas no país
passou de 25 mil. Em 2005, não chegavam a 15 mil.
Igrejas tentaram anistia de dívida, apesar de já contarem
com uma série de imunidades
A dívida milionária das entidades religiosas com o governo
quase teve um fim em 2017. Na época, a bancada evangélica havia conseguido
incluir as igrejas nas organizações que teriam anistia de dívidas, na votação da
Medida Provisória do Refis.
Segundo reportagem do UOL, foi o deputado Alberto Fraga
(DEM-DF) o responsável por acrescentar igrejas no texto da medida. “Fiz isso
porque os deputados evangélicos do meu partido me pediram e eu concordo com a
ideia. Se as empresas poderiam aderir ao Refis, não vejo motivos para que as
igrejas não possam”, disse o deputado à reportagem. A cláusula, contudo, foi
derrubada pelo Senado.
Neste ano, o governo Bolsonaro flexibilizou a prestação de
contas de entidades religiosas. Igrejas que arrecadem menos de R$ 4,8 milhões
não precisam mais enviar dados financeiros à Receita pela Escrituração Contábil
Digital (ECD). Antes, qualquer igreja que arrecadasse mais de R$ 1,2 milhão
precisava enviar seus dados dessa forma.
As entidades religiosas já possuem uma série de benefícios
tributários, como explica o professor de direito da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) Paulo Roberto Coimbra.
O primeiro deles é a imunidade de impostos: “A Constituição
prevê uma imunidade de impostos para templos de qualquer culto. Os templos não
pagam IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano]. Se prestarem algum tipo de
serviço, normalmente de assistência social ou humanitária, esses serviços não
estão sujeitos ao Imposto Sobre Serviços, o ISS. E as arrecadações de dízimos e
ofertas destinadas a essas entidades também não estão sujeitas ao imposto sobre
a renda”, explica.
Além disso, igrejas podem se beneficiar de imunidade
tributária caso se enquadrem como entidades sem fins lucrativos e tenham ações
de assistência social e educação, ou também se forem enquadradas como entidades
beneficentes. Esses “benefícios” não são automáticos, e as igrejas precisam
cumprir uma série de requisitos, como, por exemplo, não remunerar seus
dirigentes. “Quando essas entidades deixam de atender os requisitos previstos
em lei, aí sim essa imunidade não é reconhecida e os tributos que deixaram de
ser pagos são cobrados pela União”, acrescenta Coimbra. Parte das dívidas
inscritas na União é justamente de igrejas que consideram cumprir esses
requisitos, mas são contestadas pela Receita e pela Procuradoria da Fazenda.
Um terceiro ponto é que a legislação prevê isenção de
tributos para ministros de organizações religiosas que vivam em “razão da fé”,
isto é, que recebam apenas uma ajuda de custo da igreja para manter os custos
básicos de vida. “Não é toda pessoa que trabalha em uma igreja que teria essa
isenção. Se um religioso recebe valores que são notadamente muito superiores
àqueles necessários à sua subsistência, aí nós podemos ter questionamentos”,
define Coimbra.
Dessa forma, os R$ 460 milhões de dívidas de entidades
religiosas com a Receita são apenas as que não foram enquadradas em nenhuma
dessas três situações. E, como ressalta a professora Tathiane Piscitelli, da Faculdade
de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, as organizações podem
recorrer da decisão da Receita de inscrever suas dívidas no cadastro, além da
possibilidade de brigar na Justiça para ampliar a imunidade em relação às
atividades das igrejas.
“Há um debate sobre a conveniência de se manter essa
imunidade sobre os templos. Há quem aponte que ela protege a liberdade
religiosa, mas há entidades que têm estrutura empresarial e não são tributadas.
Muito facilmente você constrói uma narrativa que a televisão ou outra atividade
é essencial para a propagação da religião. E é exatamente esse o ponto de quem
critica a imunidade, porque ela pode abrir brecha para situações de abuso”,
avalia.
Tathiane cita o embate jurídico entre a Igreja Universal
(que deve R$ 222 mil à Receita) e o estado de São Paulo e a Receita: a igreja
foi contra o pagamento de quase R$ 2 milhões de ICMS e outros impostos sobre a
importação de pedras de Israel para construção do Templo de Salomão, no centro
de São Paulo. “Houve um grande debate no Judiciário e o STJ reconheceu a
existência da imunidade porque se destinava à construção do templo”, conta. A
universal teria gasto cerca de R$ 400 milhões com o Templo de Salomão.
Como uma dívida entra no cadastro do governo
Uma dívida entra na lista ativa da União após o responsável
pelo débito não pagar o valor espontaneamente, o que leva a Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional (PGFN) a entrar com processo de execução fiscal. Enquanto
não é paga, a dívida é atualizada mensalmente pela taxa Selic.
Veja a parte 1 AQUI!
Fonte: Agência Pública
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