São cinco da manhã e um grupo se reúne para a oração matinal do monastério de Songdhammakalyani. O canto ritmado e o cheiro de incenso preenchem o ar enquanto oito figuras envoltas em mantos de cor açafrão, com a cabeça raspada, prostram-se diante de um santuário repleto de Budas dourados. Elas poderiam ser confundidas com monges em qualquer outro templo tailandês, a não ser pelo fato de que são mulheres.
O modesto monastério fica em Nakhom Pathom, a uma hora de distância a oeste de Bancoc, e é o único templo em toda a Tailândia reservado a monjas, conhecidas como bhikkhunis. Em 2003, a abadessa, a Venerável Dhammananda, tornou-se a primeira mulher tailandesa a receber o grau de bhikkhuni no budismo theravada – desafiando a tradição ao viajar até o Sri Lanka para a cerimônia. Sua decisão chocou o profundamente conservador Conselho da Sangha Tailandês, que baniu explicitamente o ordenamento de mulheres em 1928.
O modesto monastério fica em Nakhom Pathom, a uma hora de distância a oeste de Bancoc, e é o único templo em toda a Tailândia reservado a monjas, conhecidas como bhikkhunis. Em 2003, a abadessa, a Venerável Dhammananda, tornou-se a primeira mulher tailandesa a receber o grau de bhikkhuni no budismo theravada – desafiando a tradição ao viajar até o Sri Lanka para a cerimônia. Sua decisão chocou o profundamente conservador Conselho da Sangha Tailandês, que baniu explicitamente o ordenamento de mulheres em 1928.
"Fui acusada de ser lésbica, de explorar o público recebendo dinheiro", lembra com bom humor. "Mas acho que as pessoas estão começando a se acostumar com a ideia".
Dhammananda se inspirou em sua mãe, Voramai, a primeira mulher tailandesa a ser ordenada monja na tradição budista mahayana, e também fundadora do templo de Songdhammakalyani. Mas foi somente já aos seus cinquenta e tantos anos que a avó de três netos, divorciada, resolveu assumir os votos. Hoje, aos 69 anos, nascida em Chatsumarn Kabilsingh, ela já ordenou dezenas de outras bhikkhunis no Sri Lanka e lidera os esforços pelo resgate desta tradição na Tailândia. Duas vezes por ano, as mulheres vêm ao monastério para ordenações temporárias, quando raspam suas cabeças e vivem como monjas noviças por nove dias, uma prática que Dhammananda espera que influencie mulheres leigas a voltar a se envolver espiritualmente com o budismo. A escolha é particularmente popular entre ex-presidiárias, que estão em busca de um novo começo em suas vidas, diz ela.
Mas é uma batalha difícil. A Sangha insiste na ideia de que a linhagem das bhikkhunis não pode ser reativada, porque novas cerimônias de ordenação exigiriam ao menos outras cinco bhikkhunis, e sua comunidade já desapareceu há muitos séculos. Uma campanha no Sri Lanka para reavivar a prática usando monjas da tradição budista mahayana foi recebida com hostilidade pelo clero tailandês.
"Nossa ordenação vem de Buda", insiste Dhammananda. "Se você respeita Buda, deve tentar resgatar aquilo que ele instituiu".
De acordo com a abadessa, os desafios refletem décadas de patriarcado institucionalizado, enraizado na crença de que nascer mulher é a manifestação de um carma negativo, e de que as mulheres não podem atingir a iluminação. As mulheres não têm sequer a permissão de tocar os monges, por receio de que possam macular a santidade deles. Tradicionalmente, elas são admitidas somente como Mae Chees, monjas leigas que trajam branco, consideradas tão inferiores que só têm a permissão de servir alimentos e limpar os recintos dos homens.
"As pessoas menosprezam as Mae Chees, já que elas apenas servem aos monges", diz a Venerável Vanna, que recebeu ordenação plena em 2011, complementando que ter se tornado uma bhikkhuni conferiu à sua vida um novo sentido. Ela está entre as bhikkhunis que vivem no monastério de Songdhammakalyani, apoiado por uma rede de mulheres que se espalha pelo Sri Lanka, Indonésia e Vietnã.
Tecnicamente, o posto de bhikkhuni é legal na Tailândia, e, no Sri Lanka, a Sangha não pode evitar que mulheres sejam ordenadas e usem o manto cor açafrão. Mas as ativistas dizem que o governo precisa fazer mais a fim de promover a igualdade de gênero e o direito à liberdade religiosa, conforme estipulado pela constituição. "O Estado não pode tratar seus cidadãos, sejam mulheres ou homens, de maneira diferenciada", diz a Dra. Sutada Mekrungruengkul, do Instituto Nacional para a Administração do Desenvolvimento, que apoia explicitamente o trabalho de Dhammananda.
Um dos principais desafios é o Ato sobre a Sangha, de 1962, que exclui as mulheres de uma série de privilégios especiais conferidos a monges do sexo masculino, como acesso a serviços de saúde e financiamento público para os templos. Isto pode ter consequências financeiras devastadoras sobre as monjas, forçando-as a se fiar em meios alternativos, às vezes inesperados, de financiamento.
"Eu acabo de realizar uma cirurgia, que me custou 100.000 baht tailandeses [aproximadamente 7.400 reais]", explicou Dhammananda, ex-professora da Universidade de Thammasat. "Como sou funcionária pública aposentada, o governo cobriu um terço do valor. Mas ainda faltavam cerca de 70.000 baht, o que é muito dinheiro para nós, e quem pagou por isto? Você nem acreditaria. No dia da operação, a enfermeira veio até mim e disse: 'Todos os gastos foram pagos pelo próprio médico'".
Analistas dizem que a controvérsia quanto às bhikkhunis reflete uma cultura misógina mais ampla na Tailândia, que persiste mesmo após a eleição, pela primeira vez na história do país, de uma primeira-ministra, Yingluck Shinawatra, em 2011. "Durante a campanha, ela afirmou se preocupar com os problemas das mulheres, mas desde que chegou ao governo, a única coisa que fez foi criar um fundo para as mulheres", diz a Dra. Sutada. (Shinawatra foi derrubada por um golpe militar no início de maio).
As mulheres tailandesas ainda mantêm apenas 16% dos postos parlamentares e apenas 4% dos cargos políticos a nível local, enquanto a violência doméstica permanece um problema crescente, afetando 33% das famílias tailandesas. Ativistas dizem que o problema está ligado a noções patriarcais sobre a justiça cármica, o que apenas perpetua a prática de culpar a vítima.
"Quando meu pai se tornava violento, minha mãe dizia 'Este é o meu carma'", conta Ouyporn Khuankaew, diretora da Parceria Internacional das Mulheres pela Paz e Justiça, uma organização de base que instrui monjas sobre questões de gênero e LGBT. "E quando minha irmã esteve em um relacionamento abusivo, um monge lhe disse a mesma coisa".
Fonte: Opera Mundi
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