Até dia 8 de agosto a atenção da opinião pública mundial estava presa ao genocídio que o exército sionista estava realizando com o cerco à Faixa de Gaza. Depois, o sino de alarme tocou no Iraque para lembrar os massacres que os combatentes do Estado Islâmico estavam realizando no norte e no centro do país estraçalhando os corpos dos cristãos e também dos muçulmanos contrários às leis do fundamentalismo islâmico.
Mas uma terceira tragédia política e humanitária está no ar com seus 1.134 mortos, 3.245 feridos e mais de 700.000 desabrigados, em sua maioria refugiados na Rússia, para escapar das vingativas violências do exército ucraniano.
A secessão da Crimeia e sua anexação à Rússia, realizada com um referendo que os EUA e os países da União Europeia não reconheceram, reabriu um contencioso histórico que não se limita somente à Ucrânia, mas que compreende os países onde vivem as minorias de origem russa na Moldávia, na Bielorrússia, na Lituânia e na Estônia. Países, cujos governos, depois da queda do muro de Berlin e da desastrada administração de Boris Yeltsin viraram inimigos políticos da nova Rússia.
Este fato determinou o crescimento político e cultural da “russofobia” (o ódio aos russos) que, em um país como a Ucrânia, dividiu o país em dois, com uma população majoritária e abertamente russófila nas regiões orientais, enquanto nas regiões do oeste e do nordeste se afirmou um fanático regionalismo, sabiamente explorado pelo partido neonazista Svoboda e demais grupos nacionalistas da direita e da extrema-direita.
Por que a crise explodiu?
É necessário lembrar que na época da União Soviética, a Bielorrússia e, em particular, a Ucrânia jogavam um papel muito importante no desenvolvimento do Comecon (Conselho de Mútua Assistência Econômica), cujas relações econômicas não se fecharam com a queda da URSS.
Mesmo com a introdução da economia de mercado e com a metodologia liberal no comércio, as 147 indústrias que a URSS instalou na Ucrânia continuaram trabalhando preferencialmente com os pólos industriais da nova Rússia, que também foram liberalizados e privatizados.
Essa ligação bem como a dependência energética dos países europeus em relação à Rússia foram sempre consideradas pelos EUA uma pedra nos sapatos. De fato, para a Casa Branca a questão da dependência energética europeia tornou-se de extrema importância em termos geoestratégicos, já que os laboratórios das transnacionais estadunidenses encontraram uma fórmula tecnológica para aproveitar os xistos betuminosos que abundam nos EUA.
Uma solução que dá aos Estados Unidos o título de potencial produtor de gás no mundo e que alimenta uma nova perspectiva geoestratégica que deseja com veemência reconduzir os países da União Europeia à esfera de influência dos EUA através de um gradual processo de ruptura com a Rússia, que nos últimos anos voltou a assumir um papel de opositor qualificado à estratégia dos EUA no Oriente Médio, na África e, sobretudo, na Europa.
Oferta de gás
Nos últimos dois anos o presidente dos EUA, Barack Obama, tentou impor aos líderes dos países europeus a questão da ruptura da dependência energética da Rússia com a proposta de se associar aos EUA na exploração dos xistos betuminosos. Porém, nenhum país, a não ser a servente Grã-Bretanha aceitou trocar o barato gás da Rússia pelo prometido gás betuminoso dos EUA, cujo custo ainda é quase o dobro do que a Rússia vende com contratos decenais.
Por outro lado, se considerarmos que os principais países da União Europeia detêm um parque tecnológico que não depende das soluções estadunidenses ou até das japonesas e que, em termos financeiros, o euro é o direto concorrente do dólar em matéria de investimentos nas bolsas internacionais, é evidente que para a Casa Branca subsistem somente três setores que podem alimentar o estreitamento das relações de dependência dos países da União Europeia com os EUA: 1) a produção de foguetes; 2) a venda de aviões de guerra; 3) a questão energética.
De fato, a própria primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, admitiu que “o gás russo não é somente o mais barato, mas é o que permite aos países europeus adquirirem mais autonomia em relação aos EUA e aos fornecedores árabes”, dando também a entender que a Alemanha poderia rever o contrato de fornecimento do gás russo somente no fim do mesmo, isto é daqui a 12 anos.
É claro que os Estados Unidos não podem esperar todo esse tempo, inclusive o Partido Democrático – que pretende impor Hillary Clinton como candidata nas próximas eleições presidenciais. Por isso, as excelências da Casa Branca acreditam que a explosão dos conflitos regionais irá gerar uma latente situação de instabilidade política em nível mundial que obrigará a Rússia a assumir posições ofensivas, o que permitirá aos EUA se apresentarem como o extremo defensor dos pequenos Estados.
Dupla ofensiva
Poucos conhecem o que a CIA e os serviços secretos europeus fizeram na Ucrânia nos últimos cinco anos, porém, todo o mundo sabe como explodiu a revolta em Kiev, também intitulada “Rebelião Euro-Maiden”. Uma rebelião que determinou a ruptura dos equilíbrios étnicos e políticos na Ucrânia com o objetivo de provocar a fuga das populações russófilas, que nas regiões orientais da Ucrânia são majoritárias.
Por isso, a guerra civil, mascarada com o termo “guerra ao terrorismo”, repete os passos que os sionistas israelenses deram em 1948 na Palestina, quando forçaram a saída de quase 2 milhões de palestinos, cujas terras, casas e locais de trabalhos foram ocupadas por imigrantes judaicos vindos de todo o mundo em função da grande campanha midiática arregimentada pelos grupos sionistas.
O líder dos separatistas russófilos, Alexander Zakharchenko, já anunciou que nos próximos dias os combatentes da “República Popular de Donetsk e a de Lugansk” vão realizar um contra-ataque com o objetivo de romper o cerco que o exército regular de Kiev está articulando com a ajuda de inúmeros assessores da Otan. Um contexto que empurra as operações militares cada vez mais em direção à fronteira com a Rússia, que a mídia ocidental – sob orientação dos oficiais da Otan – já acusa de estar preparando a invasão da Ucrânia com 24 mil homens.
Fábulas midiáticas
O paradoxo disso tudo é que após as declarações do chefe da Otan, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, o governo de Kiev foi solicitado pelo Departamento de Estado a reforçar o perigo da invasão russa que, agora segundo os ucrainos deverá mobilizar 45 mil soldados russos, além de milhares de tanques e centenas de aviões. Para melhor enfeitar a fábula midiática faltava somente dizer que Putin havia programado lançar foguetes atômicos sobre a capital da Ucrânia, Kiev.
A manipulação das verdadeiras informações e a consequente criação de fábulas midiáticas são os elementos fundamentais da dupla ofensiva que, hoje, os EUA estão promovendo na Ucrânia esperando que o presidente Putin cometa o erro de responder às contínuas provocações do governo e do exército de Kiev.
De fato, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen em todas as conferências de imprensa que convocou nos últimos dois meses declarou: “A Otan alerta que não há sinais que comprovem a retirada das tropas russas ao longo da fronteira com a Ucrânia e que há uma clara probabilidade de a Rússia estar preparando-se parar intervir militarmente na Ucrânia”.
Consequentemente, também, a britânica Catherine Ashton, representante da política exterior da União Europeia convocou uma “reunião extraordinária” dos embaixadores do Comitê Político e de Segurança (Cops) para avaliar a “situação emergencial na Ucrânia, já que a União Europeia está profundamente preocupada com o ajuntamento de inúmeras tropas russas ao longo da fronteira oriental da Ucrânia”.
Palavras perigosas e provocatórias que lembram as frases estereotipadas proferidas nos anos da Guerra Fria. É evidente que nesse contexto a chama da rebelião no Leste da Ucrânia fica cada vez mais profunda e, sobretudo, cada vez mais popular.
Nesse âmbito, as excelências da Casa Branca, depois de terem arruinado a Líbia, o Iraque e o Afeganistão e após terem perdido a batalha para derrotar Bashar el-Assad na Síria, o Hamas em Gaza e o Irã pretendem transferir o ciclone beligerante para a Europa tentando envolver a Rússia, desqualificando o presidente Putin, que a mídia ocidental vulgariza apresentado-o como um “aspirante a ditador ex-comunista disfarçado de nacionalista que ameaça a paz mundial”.
No interior da Ucrânia, todas essas alquimias da nova Guerra Fria estadunidense devem provocar mais mortes, sobretudo, nas fileiras do exército ucraniano, que já perdeu 596 soldados, e nas populações de Donetsk e de Lugansk, que agora vivem a mesma situação dos palestinos sitiados em Gaza. É evidente que se o exército de Kiev conseguir esmagar a resistência em Donetsk e em Lugansk, em pouco tempo, também as outras fortalezas da rebelião – Gorlovka, Shakhtarsk e Enakievo – serão teatro de dramáticos combates.
Fonte: Brasil de Fato
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