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segunda-feira, 24 de março de 2014

Um ano após golpe de Estado, República Centro-Africana apresenta 'raízes de genocídio'

Tomada de poder em 24 de março de 2013 desencadeou onda de confrontos cuja brutalidade atinge agora níveis alarmantes no paísUm ano após golpe de Estado, República Centro-Africana apresenta 'raízes de genocídio

Desde que conquistou a independência da França em 1960, a RCA (República Centro-Africana) manteve um panorama político instável, com sucessivas deposições e tomadas de poder com o passar das décadas. No entanto, há exatamente um ano –
no dia 24 de março de 2013 – um golpe de Estado afastou o então presidente François Bozizé e declarou Michel Djotodia o primeiro líder muçulmano em um país de maioria cristã. Djotodia renunciou há dois meses e Bozizé nunca mais voltou desde que se exilou na República Democrática do Congo, mas o derramamento de sangue continua até os dias de hoje e se aproxima cada vez mais da categoria de genocídio – em grande parte, por ser um dos conflitos mais ignorados no mundo contemporâneo.

“A verdade é que a RCA sempre foi um Estado falido e nunca deu muito certo”, relata o brasileiro Hugo Reichenberger, funcionário do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) no país, em entrevista a Opera Mundi. Com 4,5 milhões de habitantes, a República Centro-Africana sempre teve tensões internas inconciliáveis, mas a atual situação tem alarmado as agências da ONU que trabalham para apaziguar o confronto na região. “A diferença entre o que acontecia antes e o que vemos agora é a intensidade: o número de vítimas e deslocados é muito maior e os níveis de brutalidade são incríveis”, explica Reichenberger.

Apesar das reservas de ouro, diamante, urânio e ferro, a RCA é um dos países mais pobres do mundo. Para entender a atual dimensão do conflito é preciso compreender as condições a que o país estava submetido em 2013. Na liderança da República Centro-Africana desde 2003, Bozizé também virou presidente após um golpe. Contudo, dez anos depois, o então presidente foi deposto, segundo Djotodia, “por causa da situação miserável” que deixou o país. Líder da milícia muçulmana Seleka, Djotodia também havia dito que ficaria no poder “o tempo que fosse preciso para estabelecer a paz”.
Um ano após golpe de Estado, República Centro-Africana apresenta 'raízes de genocídio

No entanto, a duração do governo Seleka foi efêmera. Como apenas 15% da população da República Centro-Africana é muçulmana, a entrada da facção no poder foi censurada pela maioria cristã – particularmente pela milícia cristã Antibalaka –, marcando o início da crise no país. O clima de tensão atingiu proporções alarmantes no dia 5 de dezembro. A escalada da violência dos ataques entre as duas milícias rivais fez da capital Bangui um campo de batalha, resultando na morte de mais de 600 civis até o fim de 2013.

Incapaz de pôr fim à violência entre cristãos e muçulmanos que se intensificou no país, Djotodia renunciou no dia 10 de janeiro de 2014 devido às fortes pressões da comunidade internacional. Segundo Reichenberger, o Seleka ‘perdeu a guerra’ e agora se refugia em outras regiões do país, atacando, de tempos em tempos, vilarejos cristãos. “O jogo de poder virou para os Antibalaka. Essa milícia cristã é o principal problema: não entendemos muito bem qual é a sua hierarquia e como funciona, mas ela está caçando e atacando a todo custo a população muçulmana”, conta.

Em meados de janeiro, o chefe de operações do Escritório de Ajuda Humanitária da ONU, John Ging, já havia alertado que existiam todos os elementos para que ocorresse um genocídio na República Centro-Africana.  “Há raízes de um genocídio e potencial para se tornar um. Por enquanto, o que estamos vendo agora é uma verdadeira limpeza étnica e religiosa”, sintetiza Reichenberger.

Para tentar estabilizar a crise, o Conselho de Segurança da ONU autorizou uma intervenção militar francesa com 1.600 soldados que se somou às tropas africanas do Misca (Missão Internacional de apoio à RCA, em francês), já atuantes no país. “É interessante notar que nesta força de paz africana há congolenses, chadianos e até ruandeses – que passaram por genocídio em 1994 e estavam lá para evitar uma situação semelhante em Bangui”, observa.

Mapa apresenta localização da República Centro-Africana, a capital (Bangui) e  seus limites fronteiriços no continente africano

“Devo admitir que sempre fui contra intervenção armada, mas A presença das tropas foi extremamente positiva: facilitou muitas coisas e acalmou um pouco a situação. Deu para reduzir a matança que estava Bangui no final de dezembro. Tanto que, há três semanas, o próprio Ban Ki-moon (secretário-geral da ONU) pediu um aumento de 3.000 tropas africanas justamente para aumentar a segurança”, acrescenta.

Uma das esperanças de reconciliação entre os muçulmanos e cristãos é a nova presidente interina do país, Catherine Samba-Panza, que entrou no poder no dia 20 de janeiro e deve permanecer até as eleições presidenciais oficiais, previstas para 2015.

Fonte: Opera Mundi

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