Recusar a suposta neutralidade epistemológica é algo presente em discursos de intelectuais negras que compreendem a importância da intersecção entre militância e conhecimento científico. Davis³, destacou que a partir dessa relação é possível pensar em um novo modelo de sociedade menos hierarquizada e excludente.
Minhas pesquisas caminham nesse sentindo interseccional entre produção de conhecimento histórico e militância política, enquanto historiadora negra e quilombola, os estudos sobre o Vale do Iguape, região a qual sou oriunda, é também “uma escrita de si”, e considero pertinente relatar isso para demarcar meu lugar de pesquisadora de “dentro”.
Costumo relatar, que o meu “lugar social” acabou definindo as minhas escolhas acadêmicas, ingressei no curso de graduação no ano de 2007, período este, que a comunidade de Santiago do Iguape onde nasci e me criei havia acabado de ser certificada pela Fundação Cultural Palmares como quilombola. Questões sobre o processo de construção indenitária me chamaram atenção, e assim nascia o meu projeto de iniciação científica e minha perspectiva de análise no âmbito da História.
Explanei um pouco acerca da minha relação intelectual com o meu lugar social, agora vou apresentar para vocês um pouco do Vale do Iguape.
O vale do Iguape localiza-se, no Município de Cachoeira, no Recôncavo da Bahia à 110 km da capital do estado Salvador, às margens do Rio Paraguaçu em seu encontro com as águas da Bahia de todos os Santos. Nesta microrregião, encontram-se 18 comunidades quilombolas, que se formaram no antigo território da Freguesia açucareira de São Thiago do Iguape, desta forma, considero importante compreender e demarcar esse espaço, enquanto lugar historicamente ocupado por populações negras, descendentes do cativeiro, que de diferentes modos, acumularam experiências históricas.
A imagem 4 retrata o porto da minha comunidade de origem, Santiago do Iguape que funciona como um centro agregador das demais localidades circunvizinhas, uma vez que, em Santiago funciona a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), o Cartório Cívil, a Igreja Matriz, a Colônia de Pescadores e a única escola com acesso ao ensino médio ( A Escola Quilombola Estadual Eraldo Tinoco).
Essa escola faz parte da minha formação o meu ensino fundamental foi realizado nesse ambiente. Sempre fui aluna da educação pública, e no contexto atual de severas críticas e tentativas de desarticulação da mesma, escrevo esse post, também para exaltá-la e defendê-la, pois através do acesso à Educação Pública e de qualidade mulheres como eu estão iniciando um processo de inversão das estruturas, na qual deixamos de ser objetos de estudos e passamos a narrar nossa própria história5.
Através do processo de democratização do ensino superior nos anos 2000 pude ingressar no curso de História na cidade de Cachoeira (UFRB) e enquanto quilombola, além da militância pude também fazer ciência, produzir conhecimento histórico a partir de pesquisas empíricas. E através dessas produções que interseccionam militância e ciência fui uma das (os) 16 estudantes de doutorado selecionadas (os) para participar do Mark Claster Mamolen Dissertation Whokshop Class off 2020, na Universidade de Harvard, entre os dias 01 e 03 de maio deste ano, com todas as despesas pagas pela referida instituição.
Um Workshop criado em memória de Mark Claster Mamolen, e que acontece anualmente buscando dialogar com as melhores dissertações de doutorado que versem sobre estudos afro-latino americanos.
Estarei participando da quinta edição do projeto, representado a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e dialogando com estudantes do mundo inteiro sobre a trajetória das famílias negras do Vale do Iguape em suas lutas por terras, pelo direito ao território, por cidadania e bem viver. Essa é uma conquista minha, mas sobretudo, uma conquista coletiva que perpassa, principalmente, por todas as minhas vivências na comunidade Quilombola do Iguape.
Fonte: Geledes
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