Diálogos vazados mostram que partilha de valores recuperados durante a
investigação judicial contra a Petrobras deu o tom da cooperação bilateral com
o Departamento de Justiça dos EUADocumentos
e diálogos vazados ao site The
Intercept Brasil e analisados em conjunto com a Agência
Pública revelam que, desde o começo da cooperação da
força-tarefa da Lava Jato com procuradores americanos, a multa bilionária a ser
paga pela Petrobras ao Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) por violação da
lei FCPA foi um ponto-chave nas tratativas. O tema esteve sobre a mesa desde a
primeira missão dos procuradores americanos e do FBI em Curitiba, em outubro de
2015.
A legislação
FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, permite que o DOJ investigue e puna nos
Estados Unidos atos de corrupção internacional, mesmo que não tenham acontecido
em solo americano – basta a empresa vender ações nas bolsas do país. Foi o que
aconteceu com a Petrobras.
No segundo dia
da visita da missão americana, em 7 de outubro de 2015, às 8:42:04, Deltan
Dallagnol compartilhou pelo Telegram, num chat privado com Vladimir Aras, então
chefe do setor de cooperação internacional da Procuradoria-Geral da República
(PGR), uma
matéria do portal Jornal GGN crítica à
investigação sobre a Petrobras pelos americanos. A notícia da visita havia
vazado para a imprensa, embora
a força-tarefa tenha buscado manter sigilo.
Na
conversa, Dallagnol avisa a Aras: “Temos que pensar na linha de imprensa quando
vier a notícia do 1.6 bi de dólares de multa”.
“Era esperado.
Mas sossega. Os cães ladram”, responde Aras.
Em agosto de
2015, o valor da possível multa foi vazado para a Agência Reuters por uma fonte
interna da Petrobras, gerando intensa especulação, mas a Petrobras negou.
Em 8 de
outubro de 2015, Aras volta a mencionar o valor, deixando claro que a ideia de
compartilhamento partiu do procurador Januário Paludo. Já naquela época os
procuradores americanos falavam em dar uma porcentagem aos brasileiros.
Inicialmente, porém, ofereceram apenas 25% do total: “Achei ótima a ideia de
Januario de que a multa de USD 1,6 bilhão (ou são 4 bi?!) que o DOJ pode
aplicar à Petrobras seria dividida entre o Brasil e os EUA. Se Patrick Stokes
deu sinalização positiva para que o Brasil fique com um quarto disso, tanto
melhor. Passarei informe ao PGR, com a ressalva do sigilo”, escreveu em chat
privado às 20:56:12.
Além do valor,
a destinação do dinheiro também já estava sendo discutida com as autoridades
americanas: “Caros hoje tem reunião com americanos 9.30 sobre empresas estrangeiras,
inclusive Petrobras. Ontem falamos com eles sobre assets sharing da multa
e perdimento associados à ação deles contra a Petro, e em parte desses valores
há alguma perspectiva positiva”, escreveu Dallagnol no Telegram aos colegas que
participavam do chat “FT MPF Curitiba 2”, em 8 de outubro de 2015. “Asset
sharing” significa partilha de ativos, ou seja, divisão de
valores recuperados em uma investigação judicial.
As mensagens
mostram que, desde àquela época, ele já pensava na criação de um fundo e no
financiamento de entidades que lutam contra a corrupção.
“Contudo,
precisamos de alguém que se disponha a estudar e bolar um destino desses
valores que agradaria a todos, como um fundo, entidades contra a corrupção, o
sistema de saúde público, fundo de direitos difusos, fundo penitenciário,
órgãos públicos que combatem corrupção, a transparência internacional Brasil ou
contas abertas etc”, prossegue Dallagnol. “Minha sugestão é propor uma
composição de 5 destinos diferentes, porque o valor é muito alto e dará uma
maleabilidade. Se não gostarem de dado destino, basta recompor a divisão. Quem
se propõe a estudar possíveis destinos? Isso terá de ser, num segundo momento,
se for o caso, levado a outras instâncias, mas é impotante termos boas
propostas e com uma justificativa de 5 linhas para cada. Quem se dispõe a fazer
isso? É algo bavanisso, uma experiência única de possível assets sharing.”
No final, quem
se voluntariou e ficou encarregado do tal estudo – a ser concluído ainda
naquele ano – foi o procurador Roberson Pozzobon. “Vai que é tua Tafarel”,
respondeu Deltan, quando o colega se ofereceu para liderar a tarefa.
Outros
procuradores, que estavam no mesmo chat, se ofereceram para ajudá-lo. “Destino
do $$&. – já estou com ideias…”, escreveu Orlando Martello. “Também tenho
algumas ideias quanto ao destino dos pila. De alguma forma tem que desvincular
do orçamento, senão vira pó”, replicou Antonio Carlos Welter.
Um mês depois,
em 4 de novembro, Dallagnol reforçava, no mesmo chat, o pedido a Pozzobon, a
quem chama de “Robito”.
“Robito, falei
com os americanos hoje e preciso de um prazo para sua proposta, que estudaria,
de destinação do dinheiro fruto de assets sharing da colaboração com os
americanos. Precisamos ter uma ideia mais concreta do que propor. Paulo e
Orlando se propuseram a contribuir, mas preciso que Vc me dê uma deadline.
Sugiro dia 15 de novembro, que tal? Nossas novas conversas estarão mais
pautadas em possibilidades concretas a partir do estudo de destinação.”
Naquele mesmo
dia, Deltan resumiu a Aras a conversa com os procuradores americanos em um chat
privado, às 19:08. O advogado Patrick Stokes, então chefe do departamento de
FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) do DOJ, ofereceu três alternativas aos
brasileiros, incluindo devolver o dinheiro para “aplicação em programas contra
a corrupção”. Dallagnol questiona se os “programas são realmente bons”, já que
o valor é muito alto. “Além disso, eles têm receio de criar precedente e depois
outro país, como Nigéria, pedir o mesmo, e devolverem um dinheiro que creem que
será desviado”, acrescenta.
Um documento enviado pela Lava Jato ao Supremo
Tribunal Federal (STF) no ano passado mostra que a PGR só foi informada sobre a
possibilidade de “multas ou confiscos de valor bastante Elevado” à Petrobrás em
um ofício em 30 de novembro de 2015, mais de um mês após as primeiras
tratativas. Com base nesse ofício, a PGR permitiu que os procuradores
“envidassem esforços nos contatos internacionais, com o objetivo de buscar que
os recursos de eventual punição fossem revertidos para o Brasil”.
Ao longo das
negociações internas e bilaterais sobre a colaboração com o DOJ em relação à
Petrobras, o interesse em obter parte da multa aplicada nos EUA sempre foi um
ponto determinante, embora os procuradores brasileiros sempre tenham insistido
que a Petrobras era uma “vítima” do esquema de corrupção.
No final de
2015, por exemplo, após o rápido avanço das negociações diretas entre o DOJ e
os delatores, Dallagnol explica a Aras que pretendia atrasar interrogatórios
diretos de delatores pelos americanos para ter melhores condições de negociar a
partilha dos valores. “A razão pela qual seguramos até agora é porque estamos
em dúvida ainda se vamos facilitar as coisas para eles e porque queríamos
negociar a questão de assets sharing”, afirmou Dallagnol em 17 de dezembro.
A discussão
continuou, incluindo a possibilidade de uma viagem aos EUA, no ano seguinte,
para discutir a multa. O chefe da Lava Jato chegou a contemplar a possibilidade
de aconselhar os delatores a não colaborar com a Justiça americana, revelam os
chats. A reportagem “Como a Lava Jato escondeu do governo federal visita
do FBI e procuradores americanos” mostra, porém, que essa
postura jamais foi adotada.
No
começo do ano seguinte, as discussões sobre a postura a adotar na negociação
continua. Em 6 de janeiro de 2016, Dallagnol fala com Aras sobre uma reunião
com a SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA. “Vc acha que era o caso
de chamar o DRCI para a primeira parte da reunião, sobre policy issues,
considerando que pode envolver a questão do assets sharing e como realizar
isso?”, pergunta. “Acho melhor não chamar o DRCI agora – para não perdermos
posições de negociação – mas vou assuntar com Saadi”, responde Aras, no dia
seguinte, referindo-se ao delegado da Polícia Federal (PF) Ricardo Saadi, que
na época chefiava o DRCI, departamento do Ministério da Justiça que cuida de
cooperações internacionais.
Em 8 de agosto
de 2017, Aras volta a pedir à Lava Jato cautela com os americanos. Ao longo dos
chats, os membros da PGR mostram-se muitas vezes irritados com a postura dos
americanos, com atrasos em pedidos de informação e, em especial, dificuldades
em obter extradições. Por isso, no começo de 2015 Aras pede que a Lava Jato
negue um pedido do DOJ. Dallagnol, por sua vez, intercede a favor dos
americanos – e mais uma vez, o argumento é a possibilidade dos valores da
Petrobras. “Vlad, entendemos a necessidade de gerar pressão nos americanos e
que alguém tem que pagar o pato. Poderíamos colocar a ‘culpa’ em BSB. Contudo,
tem algumas coisas que me preocupam muito nesse contexto específico da
Petrobras, especialmente a divisão de valores do caso petrobras. Em razão
delas, acredito que seria um risco muito alto suspender nesse caso específico,
neste momento”, afirma ele no chat “LAVA JATO + SCI” às 12:08:41.
80% para o Brasil “mitigariam” má impressão na opinião pública
Segundo o ofício
da Lava Jato ao STF, em 14 de abril de 2016 os procuradores de
Curitiba já haviam conseguido negociar com os americanos para “que se
alcançasse uma posição preliminar no sentido de que pelo menos 60% dos valores
poderiam ser revertidos em favor do Brasil”.
O valor final
só foi acertado um ano depois. No começo de agosto de 2017, após quase dois
anos de negociações, os procuradores de Curitiba foram comunicados, enfim, de
que o valor que o DOJ compartilharia com os cofres brasileiros corresponderia a
80% do valor total da multa, segundo os chats.
Dois meses
depois, porém, Dallagnol deixa claro que, na sua visão, toda a acusação do DOJ
se baseava apenas na investigação brasileira – e os americanos não tinham
sequer um “caso” contra a petroleira. Ele chega a questionar a cooperação de
maneira eloquente aos seus colegas do chat “Filhos de Januario 2 – SAIR”, em 8
de outubro de 2017.
“A multa
imposta nos EUA a partir do trabalho brasileiro é injusta. Lugar dos crimes,
lugar dos danos, lugar do trabalho, o que as evidências mostram, a estrita
aplicação da lei, dano à imagem da investigação brasileira etc…”, afirma ele,
explicando que naquela época falava-se de uma multa de US$ 3 bilhões.
Uma
semana depois, no entanto, a postura da força-tarefa é outra. Em 15 de outubro
de 2017, no mesmo chat, o procurador Paulo Galvão explica que Chris Cestaro, um
dos procuradores do DOJ, chegou a perguntar se deveriam desistir do caso
criminal contra a Petrobras, após uma carta do embaixador brasileiro nos
Estados Unidos pedindo que se poupasse a estatal de petróleo.
Segundo ele,
embora não devesse opinar “a favor ou contra a Petrobras”, o maior problema, na
visão dos procuradores, seria a opinião pública brasileira, “o que estaria
mitigado pelos 80% ficando no Brasil”.
No
final, a Petrobras assinou um acordo com o DOJ, em 26 de
setembro de 2018, em que aceitou pagar uma
multa de US$ 862.560 milhões. O acordo, publicado
pelo governo americano, baseia-se inteiramente em atos de corrupção ocorridos
no Brasil, entre diretores da Petrobras, lobistas e políticos brasileiros,
descritos com detalhes na seção “Statement of Facts”, sem a menção dos nomes
dos delatores. O acordo descreve que os diretores da estatal mentiram ao não
relatar tais esquemas para a SEC, uma vez que a Petrobras vende ações na Bolsa
de Nova York.
De fato, o
acordo garantiu o envio de 80% do valor ao Brasil – US$ 682.560 milhões ou R$ 2,5 bilhões. A
quantia foi depositada numa conta na Caixa Econômica Federal.
Para a
destinação desse dinheiro, a Lava Jato assinou, em 23 de janeiro de 2019, um acordo próprio com a Petrobras que
previa a criação de uma fundação de direito privado, com sede em Curitiba, para
administrar um fundo patrimonial, ou endowment, no valor
depositado.
Do total, 50%
do valor pago no Brasil seria usado para ressarcir ações ajuizadas por
acionistas e os outros 50%, para “projetos, iniciativas e desenvolvimento
institucional de entidades e redes de entidades idôneas, educativas ou não, que
reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”. A finalidade,
segundo o acordo, incluiria a “promoção de uma cultura republicana de respeito
à legalidade e aos valores democráticos”; “promover a conscientização da
população brasileira sobre a importância da integridade no ambiente público e
privado”; “fortalecimento da sociedade civil brasileira e fomento à cidadania
participativa na prevenção e controle social da corrupção”; “desenvolvimento do
controle social, da cultura de compliance e de estudos
sobre corrupção, impunidade e duas causas”.
Segundo
o contrato, caberia ao MPF no Paraná “buscar meios para a constituição da
entidade privada, com sede em Curitiba”, assim como constituir um Comitê de
Curadoria Social para supervisionar a constituição da fundação, pedindo
indicação a organizações da sociedade civil. Além disso, tanto o MPF no Paraná
quanto o MP estadual poderiam pedir um assento no órgão de deliberação superior
da fundação.
Diálogos
vazados mostram que Dallagnol agiu para fundar uma empresa ou um instituto com
perfil semelhante às atividades descritas no contrato com a Petrobras – dois
meses depois da assinatura do acordo da Petrobras com a Justiça americana e um
mês antes da assinatura do acordo da empresa com a Lava Jato, no Brasil.
Em dezembro de
2018, ele se juntou a Pozzobon, o mesmo procurador que fez os primeiros estudos
de destinação da verba da Petrobras, para constituir uma sociedade de eventos
pedagógicos, incluindo palestras sobre combate à corrupção. Segundo revelaram a Folha
de S.Paulo e The Intercept Brasil, os
dois criaram um grupo no Telegram naquele mês com suas esposas para cogitar a
abertura de uma empresa de eventos, congressos e palestras. “Vamos organizar
congressos e eventos e lucrar, ok?”, escreveu Dallagnol em um bate-papo com a
esposa. Para evitar questionamentos legais e críticas, os dois procuradores
decidiram não aparecer como sócios, mas abrir a empresa no nome das esposas.
“Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que
podem ser minhas e do Robito e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs
duas, por questão legal”, afirmou Dallagnol no grupo de Telegram em 14 de
fevereiro de 2019. Administrar empresas é ilegal para procuradores.
Em duas
ocasiões, Dallagnol sugeriu que criassem um instituto em vez de uma empresa. Em
3 de março, ao comentar um evento organizado por um instituto, ele escreveu:
“Deu o nome de instituto, que dá uma ideia de conhecimento… não me
surpreenderia se não tiver fins lucrativos e pagar seu administrador via valor
da palestra. Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos
de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto
perderíamos em termos monetários”, escreveu no chat.
Questionado
pela reportagem se não haveria conflito de interesse, a força-tarefa respondeu
que “ainda que supostas mensagens fossem fidedignas, não haveria conflito de
interesses. Os procuradores jamais deram ou planejaram dar palestras
remuneradas para entidades de combate à corrupção ou mediante pagamento com
recursos oriundos de seu trabalho. Além disso, a fundação de interesse público
que seria criada destinaria recursos para projetos específicos de entidades
reconhecidas com atuação na área de combate à corrupção, cidadania e
atendimento a direitos humanos lesados pela corrupção, com previsão de
auditorias e controles que refletissem as melhores práticas de governança”. A
pedido da assessoria de imprensa, todas as perguntas e respostas estão
publicadas abaixo na íntegra.
O acordo da
Petrobras foi suspenso pelo
ministro do STF Alexandre de Moraes menos de duas semanas depois, a pedido da
procuradora-geral da República Raquel Dodge, quando o seu teor veio à tona,
gerando críticas ao MPF e à Lava Jato. Na decisão, Moraes afirmou que os
agentes públicos “exorbitaram das atribuições que a Constituição Federal
delimitou para os membros do Ministério Público”. Pouco antes, diante da enorme
polêmica em torno do contrato, a própria Lava Jato havia pedido a suspensão da
parte do acordo que previa a criação da fundação. No final, após acordo entre a
PGR e o governo federal, o valor foi destinado para
a educação básica, saúde, ciências e tecnologia, direitos humanos e combate ao
desmatamento na Amazônia.
A força-tarefa
afirmou por email que “o MPF sempre demonstrou junto às autoridades americanas
a sua preocupação com o objetivo de que eventual multa aplicada à Petrobras em
razão dos fatos revelados pela Lava Jato retornasse ao Brasil, já que foi a
sociedade brasileira a maior prejudicada pelos crimes praticados contra a
estatal. Foi isso que permitiu que o dinheiro retornasse ao Brasil”.
Divisão do dinheiro em primeiro lugar
A recuperação
de valores sempre foi usada como maneira de mostrar o sucesso da força-tarefa. Na sua página oficial,
o MPF descreve que obteve R$ 4 bilhões em valores devolvidos aos cofres
públicos – a maioria da Petrobras – e mais R$ 10 bilhões que ainda devem ser
recuperados.
Na Lava Jato,
a preocupação com a divisão de multas com os americanos foi além da Petrobras –
e chegou a levar a força-tarefa a pensar em maneiras de implicar o DOJ em
outras investigações.
É o que revela
um diálogo de 8 de maio de 2016, no qual o procurador Roberson Pozzobon explica
aos colegas no chat “MPF Curitiba 3” como andava a investigação sobre uma
empresa de Cingapura, Keppel Offshore & Marine, fornecedora de serviços
para a Petrobras. Pozzobon afirma que um advogado da Keppel confirmou uma
viagem ao Brasil para se reunir com os procuradores: “Acho que temos uma
perspectiva muito boa de recuperar vários 💸💸💸💸”.
Dallagnol,
porém, tinha outra ideia: sugeriu envolver os americanos, buscando alguma
ligação com os Estados Unidos. “Se fizermos conjunto e com divisão, prov
ampliamos o valor.”
Dezoito
meses depois, a Keppel fechou acordo com o DOJ e concordou pagar US$ 422 milhões em
multas a serem divididas entre Estados Unidos, Brasil e Cingapura. Metade do
valor veio para o Brasil.
Em outubro
daquele mesmo ano, os procuradores da Lava Jato discutiram, frustrados, a
respeito do valor repatriado ao Brasil após a primeira grande multa obtida pelo
DOJ com uma empresa brasileira, a Embraer, em um acordo que havia sido fechado
em outubro de 2016.
Os
procuradores reclamaram do fato de o Brasil ter ficado com apenas 10% da multa
total de US$ 206 milhões pagos às autoridades americanas. Na época, a Embraer aceitou pagar US$ US$ 107 milhões para
o DOJ e US$ 98 milhões para a SEC por causa de propinas em
vendas de aeronaves na Índia, Arábia Saudita, República Dominicana e
Moçambique. Da parte destinada ao DOJ, US$ 20 milhões foram enviados ao Brasil
e repassados para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos do Ministério da
Justiça.
Segundo o
agente da PF Rodrigo Prado escreveu nos chats, a justificativa do então chefe
da unidade de combate à corrupção internacional do DOJ, Daniel Kahn – que ele
considerou “escrota” – era que o procurador Marcelo Müller, que liderou as
negociações, não havia pedido uma porcentagem maior, ou o total poderia ter
chegado a 50%.
A
mesma visão sobre divisão de valores deu o tom nas conversas sobre a JBS após a
Operação Carne Fraca, em março de 2017.
Segundo um
diálogo de maio daquele ano, representantes da empresa tinham procurado o DOJ
pouco depois da operação da PF.
Às 22:03 de 18
de maio de 2017, Andrey Borges de Mendonça afirmou, no chat “Filhos do Januario
1”, que os irmãos Joesley estavam “tratando do doj separado”. Segundo ele, os
empresários buscavam assinar dois acordos diferentes, com a procuradoria no
Brasil e nos EUA. A notícia irritou Dallagnol, para quem separar as multas
seria “muito errado”. “Mas não dá pra fechar valores antes dos EUA. Sob pena de
passar vergonha históricas. Porque fecha aqui por 6 e depois os EUA fecham em
60 e ficamos com cara de troxa”, escreveu.
Numa mensagem
às 22:45:19, o chefe da Lava Jato resumiu: “Roubada. Porque o porrete americano
é bem maior. Com maior leverage na negociação, conseguem maior multa”.
No final, a
JBS fechou um acordo de leniência que
previa multa de R$ 10,3 bilhões naquele ano com o MPF do Procuradoria do
Distrito Federal. A empresa ainda está em
negociações com o DOJ, segundo a Agência Bloomberg.
Respostas da Lava-Jato
Procurada pela Pública,
a força-tarefa da Lava Jato respondeu por email pedindo que seu posicionamento
fosse publicado na íntegra. Seguem as perguntas e respostas:
Os diálogos vazados demonstram que desde 2015 os procuradores da
força-tarefa tratavam sobre a divisão da multa da Petrobras com o Departamento
de Justiça americano. Qual era o interesse da força-tarefa neste “asset
sharing”?
O MPF sempre
entendeu que a Petrobras ocupa a posição de vítima do esquema criminoso,
entendimento que foi levado a conhecimento de autoridades estrangeiras. O MPF
não teve qualquer participação na decisão da Petrobras de cooperar
voluntariamente com as autoridades norte-americanas, fornecendo informações e
provas com o objetivo de reduzir eventual multa que lhe fosse aplicada, decisão
essa embasada na avaliação jurídica de seus advogados. O MPF sempre demonstrou
junto às autoridades americanas a sua preocupação com o objetivo de que
eventual multa aplicada à Petrobras em razão dos fatos revelados pela Lava Jato
retornasse ao Brasil, já que foi a sociedade brasileira a maior prejudicada
pelos crimes praticados contra a estatal. Foi isso que permitiu que o dinheiro
retornasse ao Brasil.
No mesmo ano alguns procuradores realizaram um estudo de
destinação dos valores. Qual o resultado deste estudo?
Ao longo dos
anos, foram feitas uma série de análises e consultados especialistas sobre
possíveis destinações de valores arrecadados na operação, para que a lei e o
interesse público fossem atendidos da melhor forma possível. A destinação de
recursos resultante é sempre registrada em dezenas de atos formais,
procedimentos e processos.
Já se aventava a possibilidade de uma fundação e destinação a
entidades de combate à corrupção. Não haveria conflito de interesses, uma vez
que alguns procuradores davam palestras pagas para esse tido de
entidades?
A afirmação
está equivocada. Procuradores da Lava Jato não deram palestras pagas para
entidades referidas.
Um mês antes de assinaram o acordo com a Petrobras que previa a
criação de uma fundação de direito privado, com sede em Curitiba, para
administrar um Fundo Patrimonial no valor depositado pela empresa, os
procuradores Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon começaram a discutir a
criação de uma empresa ou instituto para realizar eventos, congressos e
palestras ligadas ao tema do combate à corrupção. Não há um conflito de
interesses nessas duas atividades?
Ainda que
supostas mensagens fossem fidedignas, não haveria conflito de interesses. Os
procuradores jamais deram ou planejaram dar palestras remuneradas para
entidades de combate à corrupção ou mediante pagamento com recursos oriundos de
seu trabalho. Além disso, a fundação de interesse público que seria criada
destinaria recursos para projetos específicos de entidades reconhecidas com
atuação na área de combate à corrupção, cidadania e atendimento a direitos
humanos lesados pela corrupção, com previsão de auditorias e controles que
refletissem as melhores práticas de governança.
O ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu o acordo que
previa a criação do Fundo, afirmando que os agentes públicos “exorbitaram das
atribuições que a Constituição Federal delimitou para os membros do Ministério
Público”. Qual a posição da força-tarefa sobre isso?
Há diversos
entendimentos jurídicos a respeito da criação de um fundo para a destinação do
dinheiro oriundo da multa aplicada na Petrobras. A força-tarefa em Curitiba
entende que a melhor opção, perfeitamente legal no entendimento de seus
membros, seria por meio da criação de uma fundação de interesse público, que
segue exemplos internacionais. A Câmara de Combate à Corrupção do Ministério
Público Federal também entendeu que tal solução é plenamente legítima. Diante
da decisão do Ministro Alexandre de Moraes, no entanto, a discussão sobre a
destinação dos recursos perde objeto, já que resolvida de forma definitiva pela
instância máxima do Judiciário.
Fonte: Opera Mundi
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