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terça-feira, 12 de novembro de 2019

Protestando contra a violência doméstica, mulheres do Azerbaijão vão às ruas e às redes sociais

História de violência doméstica de uma menina desencadeou debate nacional.
Em 19 de setembro, Seljan Yagmur de 18 anos postou no Facebook e falou para o mundo sobre a violência doméstica praticada por seu pai. Em seu post, ela envergonhou publicamente o pai pelo comportamento violento com ela, sua irmã e sua mãe. O post foi amplamente comentado: o pai de Seljan, Fuad Gahramanli, é um importante ativista da oposição e o vice-presidente do partido Frente Popular do Azerbaijão. Metade dos que deixaram comentários no post de Seljan, no Facebook, acredita que ela fez o certo, enquanto a outra metade sugeriu que ela está mentalmente doente por falar sobre o comportamento do pai.
Em 19 de setembro, Seljan Yagmur de 18 anos postou no Facebook e falou para o mundo sobre a violência doméstica praticada por seu pai. Em seu post, ela envergonhou publicamente o pai pelo comportamento violento com ela, sua irmã e sua mãe. O post foi amplamente comentado: o pai de Seljan, Fuad Gahramanli, é um importante ativista da oposição e o vice-presidente do partido Frente Popular do Azerbaijão. Metade dos que deixaram comentários no post de Seljan, no Facebook, acredita que ela fez o certo, enquanto a outra metade sugeriu que ela está mentalmente doente por falar sobre o comportamento do pai.
A tendência dos membros do partido político de seu pai foi a de considerar Gahramanli como a vítima.
Isto porque no conservador Azerbaijão, a violência doméstica é vista como um assunto estritamente privado que, de nenhuma maneira, deve sair do ambiente familiar, custe o que custar. Com o post, Seljan quebrou vários estereótipos: a filha que se rebelou contra o pai, falou de quem disse à sua mãe para ficar calada e envergonhou o líder do partido de seu pai por não abordar o assunto publicamente. Neste caso, a vítima não só levantou o assunto abertamente como também provocou um debate nacional.
Em um caso raro de vitória, Gahramanli renunciou o cargo de vice-presidente do partido, embora ainda não tenha se desculpado publicamente por seu comportamento em relação à sua família. Mas o post fez mais do que apenas isso: ele provocou a uma discussão mais ampla sobre a violência contra a mulher no Azerbaijão e como isso é visto.
Mais de um mês após o post de Seljan, diversos relatos sobre casos de violência doméstica começaram a se tornar manchetes no Azerbaijão. Em um espaço de apenas cinco dias, no início de outubro, a mídia do Azerbaijão reportou sobre 12 casos distintos de abuso doméstico contra mulheres, cada um deles com o respectivo relatório policial. Quatro mulheres morreram nesses casos. Além disso, o jornal independente Mikroskop informou que, apenas de janeiro a setembro de 2019, 118 casos de violência e abuso contra mulheres foram relatados na mídia do Azerbaijão; 33 das vítimas morreram por consequência das lesões sofridas, enquanto as outras foram hospitalizadas. O esfaqueamento é a principal causa de lesão.
Os azerbaijanos estão agora falando sobre violência doméstica on-line e na mídia. As mulheres estão compartilhando suas histórias com as hashtags #‎qadınaşiddətəson (“fim da violência contra mulheres”) e #‎Leylaüçünsusma (“não fique em silêncio por Leila”, uma referência a um caso recente no qual uma mulher em Baku foi esfaqueada mais de 12 vezes). E elas também estão tomando as ruas. Em 20 de outubro, um grupo de ativistas da sociedade civil organizou uma manifestação pública em Baku, capital do Azerbaijão, com o lema “Não tolere isso! Marche!”(#DözməYürüşEt). Na descrição, o grupo escreveu:
Recentemente, incontáveis casos de violência doméstica e assassinatos de mulheres têm sido observados no Azerbaijão. Nós lemos histórias de mulheres que são espancadas, mortas ou forçadas a cometer suicídio pelos membros de suas famílias, ou são atropeladas por carros. Por isso, nós iremos marchar a partir da estátua de Khurshudbanu Natavan (a poetisa azerbaijana e filha rei de Karabakh) para elevar nossas vozes contra essa atrocidade, para dizer não à violência contra as mulheres, e para chamar a atenção da sociedade e do estado para esses problemas. No final da marcha, faremos uma declaração sobre a questão. A marcha está aberta a todos que não são indiferentes. Um dos principais lemas da marcha será: ‘não fique em silêncio contra a violência, não tolere a violência!’
Esta não foi a primeira marcha progressista de protesto pelo direito das mulheres este ano no país. A primeira aconteceu no Dia Internacional das Mulheres, em 8 de março, e conscientizou sobre a violência contra a mulher, casamentos com menores de idade e abortos seletivos por sexo no Azerbaijão.
Mas quando em 20 de outubro, um pequeno grupo de mulheres azerbaijanas e alguns homens marchavam e pediam pelo fim da violência contra as mulheres, foram recebidos com violência policial. Algumas dessas cenas podem ser vistas no vídeo a seguir, gravado pela BBC do Azerbaijão:
A triste ironia não foi perdida pelos manifestantes:
Aqui estou, aprendendo a voar na Rua Togovaya (onde as prisões aconteceram).
Os participantes do protesto também exigiam que o país assinasse a Convenção de Istambul sobre prevenção e combate à violência contra mulheres e violência doméstica. O Azerbaijão ainda não assinou a convenção, que apela aos governos pela proteção das mulheres contra todas as formas de violência, pelo combate à violência doméstica e pela promoção proativa da igualdade entre mulheres e homens. Também os obriga a planejar políticas e estruturas regulatórias abrangentes para amparar as vítimas de violência de gênero e a se envolverem em uma cooperação internacional com esta finalidade.
Mas os protestos mudaram algo. Um dia depois, possivelmente devido às duras críticas públicas à agressiva reação policial, o comitê governamental do Azerbaijão para a Família, Mulheres e Crianças anunciou que enviou uma proposta ao parlamento sobre a Convenção de Istambul. Contudo, o comitê não especificou exatamente quando a proposta foi feita, nem exatamente qual o seu conteúdo. O comitê também alega que, apesar de não ter ratificado a Convenção de Istambul, está trabalhando ativamente para promover os direitos das mulheres junto com outras instituições governamentais.
Mas isso é suficiente? Vale lembrar que embora a lei azeri sobre a violência doméstica, adotada em 2010, determine que o governo financie e crie abrigos para as vítimas, isso ainda não aconteceu. Na verdade, os abrigos para mulheres, que funcionam atualmente no país, são estabelecidos e administrados por diversas ONGs. O porta-voz do comitê governamental disse ao jornal Mikroskop que a principal razão da falta de abrigos custeados pelo governo é a falta de recursos.
Por fim, ainda que a assinatura da Convenção de Istambul seja um passo na direção certa, não será suficiente para acabar com a violência doméstica por si só. Normas sociais e estereótipos de gênero enraizados também têm que mudar. Como Michelle Milford Morse, vice-presidente de Estratégia para meninas e mulheres das Nações Unidas, disse em uma recente entrevista: “A violência contra meninas e mulheres ocorre devido ao antigo sistema de desigualdade de gênero de diversos países em todo o mundo. Está enraizada na discriminação, nas diferenças de força e normas sociais prejudiciais. E é por isso que continua hoje.”
O Azerbaijão não é exceção. Os números preocupantes relatados pelo Mikroskop são apenas a ponta do iceberg. É muito provável que existam muitos outros crimes cometidos contra mulheres no Azerbaijão do que os que sabemos. As mulheres são com frequência encorajadas a permanecer em silêncio e nunca, sob nenhuma circunstância, denunciar os abusos domésticos. De acordo com os registros do comitê acima mencionado, existem pelo menos 800 casos de vários “crimes e delitos administrativos” violentos a cada ano, mas há o temor de que mesmo estes números não reflitam a situação real, nem em que proporção sejam de incidentes de violência doméstica.
E ainda, em um país no qual a violência contra as mulheres é uma questão tão grave, uma marcha para aumentar a conscientização sobre o problema está sujeita à repressão policial agressiva. Talvez isso responda à questão do porquê de as vítimas temerem recorrer à polícia.
Fonte: Global Voices

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