Número alto
de feminicídios no Brasil escancara negligência do Estado no combate à
violência contra a mulher, apontam especialistas
Na semana passada, o Rio de Janeiro chegou a registrar quatro casos
de feminicídio em 48 horas. Adriana Valéria, de 33
anos, foi morta pelo namorado no dia em que fazia aniversário. Jéssica da Silva
Salles, de 31, foi morta ao buscar pertences na casa do
ex-namorado. Sirlene Ferreira de Lacerda, de 38, foi assassinada pelo
ex-namorado com um tiro na cabeça.
Os casos são recorrentes e o dado não é novo: a cada cinco dias, no
estado do Rio de Janeiro, uma mulher é assassinada pelo simples fato de ser
mulher, segundo o Dossiê Mulher, estudo feito anualmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP). Já
em termos de País, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de
feminicídios, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos
Humanos (ACNUDH). O país só perde para El Salvador, Colômbia, Guatemala e
Rússia em número de casos de assassinato de mulheres.
A Lei do Feminicídio no
Brasil pode até ser considerada relativamente nova, mas a discussão e o debate
sobre o tema certamente não são. Assim como este 25 de novembro também não é.
Instituído pela ONU há dez anos como dia Internacional para a Eliminação da
Violência contra a Mulher, a data lembra um crime ocorrido em 1960, quando as
irmãs Minerva, Patria e Maria Teresa Mirabal, conhecidas como “Las
Mariposas”, foram mortas a mando do regime do presidente da
República Dominicana, Rafael Trujillo.
No
entanto, mesmo após tantos anos de ativismo e conquistas, ainda há muito a ser
discutido quando o assunto é o combate à violência contra a mulher e aplicação da Lei do
Feminicídio. No Brasil, atualmente, parte central do debate gira em torno da
criação e, principalmente, implementação de boas políticas públicas na área e a
valorização da discussão de gênero em diversas esferas da sociedade, de acordo
com especialistas ouvidas pelo HuffPost Brasil.
O feminicídio é o
ápice da violência contra a mulher, então é essencial essa compreensão de que
ele não é um crime passional.
Nalida Coelho Monte, defensora pública
do estado de São Paulo, coordenadora auxiliar do Núcleo de Defesa e Promoção
dos Direitos das Mulheres
Sancionada
em 2015, a Lei do Feminicídio ― que transforma em crime hediondo o assassinato
de mulheres pelo fato de ser do sexo feminino ― é considerada algo novo e, por
isso, ainda não é aplicada em sua totalidade e também não é totalmente
compreendida pelo governo e pelo Judiciário.
“O feminicídio é o ápice da
violência contra a mulher, então é essencial essa compreensão de que ele não é
um crime passional, portanto, não é fruto de uma circunstância isolada. Mas ele
tem razão ou causa estruturada que reside na desigualdade de gênero e na
omissão do Estado em relação a isso”, avalia Nalida Coelho Monte,defensora pública do estado de São Paulo,
coordenadora auxiliar do Núcleo de Defesa e Promoção dos Direitos das Mulheres.
“Este crime pode ser entendido como a morte de mulheres por serem
mulheres; é um crime de ódio que ocorre em situações em que há desprezo ou
menosprezo à condição da mulher. Acho que um dos principais desafios é que
todos consigam perceber que existe uma vinculação entre a discriminação contra
a mulher e a violência contra a mulher (…) e o termo tem uma função política
fundamental. Traz em si a ideia de que as mulheres morrem por serem mulheres,
portanto reflete a falha do Estado em políticas para combater a desigualdade de
gênero, já que são mortes evitáveis”, completa a defensora.
E, segundo a ONU, em comparação com países desenvolvidos, no
Brasil se mata 48 vezes mais mulheres que o Reino Unido, 24 vezes mais que na
Dinamarca e 16 vezes mais que no Japão ou Escócia.
Dados divulgados no ano passado pela Artigo 19, ONG de direitos
humanos que atua na área há mais de 30 anos, indicam que no Brasil “entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram
por serem mulheres. O Dossiê Feminicídio destaca
que no ano de 2010 se registravam cinco espancamentos a cada dois minutos, em
2013 já se observava um feminicídio a cada 90 minutos e, em 2015, ano em que a
lei foi sancionada, o serviço de denúncia Ligue 180 registrou 179 relatos por
dia”.
Os números citados acima, no entanto, não podem ser considerados
como um grande reflexo da realidade.
“É importante saber que ainda não temos no País boas pesquisas que
nos permitam conhecer como vem sendo aplicada [a Lei do Feminicídio] no sentido
de que não temos bons números a partir dos registros policiais e, o mais
importante, é que não temos pesquisas a partir dos processos para que a gente
possa compreender qual o argumento que está sendo formulado na classificação
dos crimes como feminicídio”, diz Wania Pasinato, socióloga especializada em
gênero e enfrentamento à violência contra a mulher.
Apesar dos 13 anos da existência da Lei Maria da Penha e de quatro da Lei do Feminicídio, é crescente o número de mulheres assassinadas no País.Segundo o Atlas da Violência de 2019, 4.963 brasileiras foram mortas em 2017, considerado o maior registro em dez anos. Na década, a taxa de assassinato de mulheres negras cresceu quase 30%, enquanto a de mulheres não negras subiu 4,5%. Entre 2012 e 2017, aumentou 28,7% o número de assassinatos de mulheres na própria residência por arma de fogo.
“Ainda há muito a melhorar na aplicação para que a lei seja estendida também a situações de homicídios de mulheres que ocorrem fora das relações conjugais, pelas mãos de outros agentes, também em razão do gênero”, completa Pasinato.
A Defensoria Pública de São Paulo, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), disponibiliza cartilhas com orientações de atendimento à mulher vítima de violência, de como ela pode pedir ajuda e sair do ciclo de violência, além de endereços de delegacias especializadas.
Continuação da parte 2 AQUI!
Fonte: Huffpost Brasil
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