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terça-feira, 26 de novembro de 2019

Por que é equívoco pensar que a Lei do Feminicídio é solução para violência fatal contra as mulheres Parte 2

Importância de tipificar a violênciaPode parecer algo meramente técnico e jurídico, já que quando classificado como feminicídio, a pena do autor do crime é aumentada podendo chegar a 30 anos de prisão – enquanto em outros casos de homicídio simples a pena máxima fica em 20, – mas não é apenas isso. Vale lembrar também que especialistas da área não consideram que leis como essas são responsáveis por reduzir o número de casos, mas sim contribuir para a criação de políticas públicas para lidar com a raiz do problema.
Pode parecer algo meramente técnico e jurídico, já que quando classificado como feminicídio, a pena do autor do crime é aumentada podendo chegar a 30 anos de prisão – enquanto em outros casos de homicídio simples a pena máxima fica em 20, – mas não é apenas isso. Vale lembrar também que especialistas da área não consideram que leis como essas são responsáveis por reduzir o número de casos, mas sim contribuir para a criação de políticas públicas para lidar com a raiz do problema.

“A importância que vejo quando você dá um nome específico para violência de gênero, muito embora o termo gênero não tenha entrado na tipificação do feminicídio ― o que é um problema ― mas acho que o grande ponto positivo é você visualizar um tipo específico de violência e ao fazer isso propor novas políticas para a sua prevenção”, explica Maíra Zapater, advogada especialista em direito penal e doutora em direitos humanos.

“Tipificar não é importante em relação às punições como por vezes se pensa, e às vezes surgem argumentos no sentido de ‘poxa, mas os feminicídios têm aumentado ou continuam muito altos mesmo depois da lei?’ Isso é um ponto que temos insistido desde 2015. Vender [a Lei do] Feminicídio como sendo uma solução para violência fatal para as mulheres é um equívoco. A gente só aplica a lei penal depois que o crime já aconteceu, então não vai servir para prevenir”, defende Maíra.

Vender a Lei do Feminicídio como uma solução para violência fatal para as mulheres é um equívoco.
Maíra Zapater, advogada especialista em direito penal e doutora em direitos humanos.

No entanto, segundo a especialista, categorizar uma violência desse tipo cria registros específicos o que pode, ao menos em tese, gerar dados para ajudar no trabalho de prevenção de fato.

“Aqui no Brasil foi estabelecido um protocolo específico de investigação e essa sim é a grande contribuição. Então, quando chega à delegacia a notícia de um crime fatal contra uma mulher, existe um protocolo que as delegacias devem em tese seguir para fazer aquela investigação e verificar se ali foi um crime de feminicídio ou não, o perfil da vítima, perfil do autor do fato, as circunstâncias em que aquilo se deu e começar com isso a produzir dados sistematizados que permitam elaborar diagnósticos e com isso propor soluções”, explica a advogada.

Em abril de 2006, a ONU Mulheres, a antiga Secretaria de Política para as Mulheres do Governo Federal, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, com o apoio da Embaixada da Áustria, publicaram documento intitulado Diretrizes Nacionais Feminicídio - investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres.

O documento se baseia em algumas premissas, dentre as quais se destaca a disposição para mudar o olhar sobre o crime, desde o primeiro profissional acionado para comparecer ao local dos fatos. Isso significa que desde o momento inicial, o agente público deve questionar internamente se aquela morte ocorreria daquela forma, naquele determinado contexto, caso a vítima não fosse mulher.

Outra premissa contemplada nas diretrizes está relacionada à linguagem empregada desde o momento da notícia da morte até o julgamento do caso, passando pela forma como a situação é reportada por agentes públicos à imprensa e à sociedade. Essa linguagem não pode ser reprodutora da violência, culpabilizando a mulher ou acompanhada de estereótipos de gênero. As diretrizes também destacam a importância de reconhecer e promover os direitos das vítimas sobreviventes e indiretas, os dependentes e familiares, assim como a adoção de medidas de preservação e reparação da memória das pessoas.

A socióloga Wania Pasinato destaca também a relevância da tipificação para pensar em prevenção no futuro. “A importância de nomear essa violência e esses homicídios como feminicídio é justamente poder demonstrar que essa violência tem como causa principal essa desigualdade de poder na sociedade. Então, nomear os homicídios contra as mulheres têm o propósito de jogar luz sobre essa causa, sobre essa desigualdade sobre a qual temos que lutar, temos que combater por meio de políticas públicas, e principalmente políticas preventivas, que atuem na área da educação”

Feminicídio nos júris
Com as novas discussões sobre o tema e as novas leis – a do Feminicídio e, anterior a essa, a Lei Maria da Penha – diversos casos de homicídio e tentativa de homicídio contra a mulher passaram a serem tratados de outra forma. Antes disso, por muito tempo, autores de crimes contra suas companheiras ou ex-companheiras eram vistos como “vítimas” de forte emoção e até mesmo movidos por amor para matar.

O caso de Ângela Diniz é um exemplo. A socialite foi morta a tiros pelo então companheiro Raul “Doca” Fernandes do Amaral Street na década de 1970. “[Na época], foi acatada a tese de legítima defesa contra a honra. Construiu-se no júri a imagem de uma mulher sedutora, insaciável do ponto de vista sexual e a imagem de um homem frágil, seduzido e impelido pela emoção e paixão. Decidiu-se que era possível que ele matasse para proteger a sua honra”, conta a defensora Nalida.


Condenado a dois anos de prisão, após intensa campanha do movimento feminista com o slogan “quem ama não mata”, Doca foi a novo julgamento e condenado a 15 anos de cadeia. No entanto, casos do tipo ainda são realidade. “Anos depois, o caso da estudante Eloá [em 2008, a jovem de 15 anos foi morta pelo ex-namorado após ser mantida presa por ele em seu apartamento] ainda foi retratado em diversos meios do mesmo modo. O cárcere privado foi romantizado e visto como uma prova de amor”, resalta a especialista.
Mas, aos poucos, é possível ver mudanças. Manuel Castanheiras, advogado que atuou no caso de Bárbara Penna, sobrevivente de uma tentativa de feminicídio em 2013 – o autor do crime foi a júri em setembro deste ano e foi condenado a 28 anos e quatro meses de prisão – vê evolução na área. 
Em 7 de novembro de 2013, Bárbara, então com 19 anos, sofreu uma tentativa de feminicídio dentro de sua própria casa, em Porto Alegre (RS). Naquela noite, seu ex-companheiro colocou fogo no apartamento em que a jovem morava e depois a jogou da janela do prédio. Os dois filhos pequenos do casal morreram no incêndio, assim como um vizinho de 79 anos, que tentou ajudar.

Parte 1 da matéria AQUI!

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