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terça-feira, 19 de maio de 2020

Brasil, o país da banalização da vida

É angustiante ver que, quanto mais o novo coronavírus avança no Brasil, menos as pessoas ficam em casa. Na semana em que nosso país chegou ao quarto lugar dentre os países com maior número de infectados do mundo e soma mais de 16 mil mortos (tendo um aumento de 5 mil em uma semana), o isolamento social diminuiu para menos de 50% na maioria das capitais.
É angustiante ver que, quanto mais o novo coronavírus avança no Brasil, menos as pessoas ficam em casa. Na semana em que nosso país chegou ao quarto lugar dentre os países com maior número de infectados do mundo e soma mais de 16 mil mortos (tendo um aumento de 5 mil em uma semana), o isolamento social diminuiu para menos de 50% na maioria das capitais.


Tem chocado muitas pessoas que a população brasileira se comova mais com a quantidade de mortes em outros países do que em seu próprio país. Um exemplo disso é como ficamos espantados quando a Itália registrava cerca de 700 mortes por dia, mas quando no Brasil tivemos mais de 800 mortes em 24 horas tratamos apenas como números.

É difícil estabelecer o porquê disso. Acredito que não exista um motivo somente. Ouso aqui a levantar algumas hipóteses.

O país com dimensões continentais

O Brasil é um país com 8,515 milhões de km², o quinto maior do planeta, atrás somente de Rússia, Canadá, Estados Unidos e China. O Brasil é quase do mesmo tamanho da Oceania e um pouco menor do que toda a Europa. Os estados brasileiros são maiores do que muitos países. O Amazonas, por exemplo, com mais de 1,5 milhão de km², tem área superior à da Mongólia, o 18º maior país do mundo. Se dividíssemos o Brasil por suas regiões, Norte, Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, seriam maiores que a grande maioria dos países do planeta.

A dimensão populacional do Brasil também é imensa. Em agosto de 2019, o Brasil ultrapassou a marca de 210 milhões de habitantes, segundo o IBGE. Isso nos torna o quinto país mais populoso do mundo, atrás da China, Índia, EUA e Indonésia.

Isso faz com que por mais que estejamos amargando um número alto de pessoas infectadas, é provável que a maioria da população não tenha contato nem distante com alguém que se contaminou com o novo Coronavírus. Essa situação é diferente, por exemplo, na Itália que tem uma população três vezes menor que a do Brasil e na Espanha com a população quase quatro vezes menor. Isso faz com que os mesmos 200 mil casos de Coronavírus nesses países tenham um impacto maior sobre a população.

Mesmo com essa explicação, ficam muitos questionamentos. Independentemente da porcentagem de infectados nos países, vidas perdidas são vidas perdidas. Ainda que atualmente não tenhamos os 27 mil óbitos da Espanha ou os 31 mil da Itália, a curva crescente de vítimas no Brasil mostra que chegaremos lá. Por isso, ainda que a maioria da população brasileira tenha a justificativa de não conhecer nem mesmo os parentes de quem hoje entra pra lista de óbitos pelo Covid-19, segue sendo muito estranho que brasileiros e brasileiras tenham perdido a capacidade de se comover diante de tantas vidas perdidas.

A convivência cotidiana com a morte 

“Por dia, 14 pessoas morrem por falta de leitos em hospitais do RJ, diz Defensoria”, é o título da matéria do G1 de agosto de 2018. “Segundo a estimativa do estudo, no Brasil, 153 mil mortes por ano são causadas pelo atendimento de má qualidade e 51 mil por falta de acesso a atendimento de saúde”, diz outra matéria do G1 em setembro de 2018. Notícias como essas podem ser a chave para entendermos porque o colapso do sistema de saúde ainda não causa tanto espanto.

Estamos acostumados a conviver com mortes que poderiam ter sido evitadas. É comum conhecer alguém que morreu por falta de acesso a saúde. É um número alto demais de pessoas que sabemos o nome, o rosto, o endereço. Talvez por isso a quantidade de óbitos pelo Covid-19 não comova tanto esse povo calejado por conviver com doenças que não deveriam mais matar e surtos que já deveriam estar extintos, como a Febre Amarela e o Sarampo.

Isso pode ajudar a explicar porque diante de tantas vítimas pelo Covid-19 não vemos a mesma comoção popular que vimos, por exemplo, com acidente de avião dos jogadores Chapecoense. Estamos acostumados a pensar que mortes por acidentes não deveriam acontecer, enquanto as mortes por falta de acesso a saúde são cotidianas.

O discurso de que as mortes são inevitáveis 

“Todos iremos morrer um dia”, foi a fala do presidente da república dia 29 de março, diante do aumento de vítimas do Covid-19. Algumas vezes é difícil compreender como Bolsonaro continua presidente do Brasil diante de uma pandemia, com sua postura negacionista enquanto o vírus avança. Mas verdade seja dita, seu discurso tem muito mais influência do que gostaríamos que tivesse.

Não é à toa que quanto mais Bolsonaro pressiona, mais as pessoas afrouxam o isolamento social, contrariando as medidas dos estados, muitas vezes. Isso acontece porque as empresas ameaçam de demissão se o funcionário não voltar ao trabalho mesmo sendo grupo de risco, o auxílio emergencial não contemplou a todos, incluindo boa parte da população que mais precisa, fazendo com que trabalhadores autônomos tenham que continuar trabalhando. São essas e outras pressões que o governo federal vem fazendo para que as pessoas “voltem a vida normal” e se exponham ao vírus e a morte.

Esse discurso tem mais entrada em uma população acostumada a pensar que mortes que poderiam ter sido evitadas são inevitáveis – uma população acostumada a trabalhar doente e a se arriscar para sobreviver.

É verdade que todos vamos morrer um dia, mas também é verdade que podemos ter uma expectativa maior se tivermos qualidade de vida. Há muito tempo que a expectativa de vida no Brasil deixou de ser 60 anos. Hoje podemos chegar aos 70, 80, 90, 100. De dez a quarenta anos a mais do que a idade de alto risco do Covid-19.

Vale lembrar também que os dados preliminares demonstram que o Brasil está com uma alta taxa de letalidade do Coronavírus em pessoas não idosas e que a quantidade de jovens ocupando leitos nos hospitais é preocupante. Isso demonstra, mais uma vez, a falta de saúde da população brasileira, em que mesmo os mais jovens já tem complicações anteriores que dificultam enfrentar o vírus. Além de tornar mais próximo e alarmante o colapso do sistema de saúde.

Controlar o covid-19 é possível e salva milhares de vidas 

Já é visível como países que apostaram na quarentena o mais cedo possível conseguiram salvar a vida de seus habitantes, como a Argentina e a China. Também aqueles que fizeram testes massivamente, como a Corrêa do Sul, tiveram bons resultados. Em contrapartida, Trump que fazia discurso contra o isolamento social, hoje amarga mais de 88 mil mortes nos EUA, disparadamente o país com mais vítimas. Para compararmos, em segundo lugar está a Itália com pouco mais de 31 mil vítimas.

No Brasil, Bolsonaro escolheu o caminho das mortes. Ele não cansa de falar contra o isolamento social, em nome de uma falsa política econômica e, por causa disso, nossos números de casos e vítimas crescem aceleradamente.

Graças ao isolamento dos Estados, nosso país conseguiu segurar o contagio no mês de março e abril. Mas, com a pressão cada vez maior sobre as pessoas, não é possível saber até quando os Estados suportarão. Sabemos que o Sistema de Saúde já está entrando em colapso no Amazonas, Pará, Maranhão, Fortaleza e Rio de Janeiro, além da cidade de São Paulo.

Os números já são assustadores mesmo com a subnotificação, devido à falta de testes. A subnotificação não é um acaso, é propositalmente pensada para diminuir o mal-estar e fortalecer a política de Bolsonaro, incentivando pessoas a voltarem para uma vida que não tem nada de normal enquanto o vírus estiver circulando pelas ruas.

Vale lembrar que as indústrias, que deveriam estar abertas apenas para produção de alimentos, EPIs e respiradores, seguem operando normalmente. E com seus discursos de morte, Bolsonaro quer garantir compradores para os grandes capitalistas. Aqueles que hoje dizem que é preciso retomar o comércio, em outras palavras estão dizendo que alguns podem ficar em casa esbanjando do dinheiro adquirido em cima do sacrifício daqueles que devem pagar com a vida.

Se o governo estivesse preocupado com o pequeno comerciante, no mínimo estaria obrigando os bancos a congelarem dívidas e abaixar os juros, além de pagar o auxílio emergencial o mais rápido possível e de maneira acessível com segurança. Se o governo estivesse realmente preocupado com as pessoas e as famílias brasileiras, liberaria aposentadorias, investiria em testes públicos e todas as medidas necessárias para o isolamento. Se o governo fosse da classe trabalhadora, estaria obstinado em garantir mais leitos, respiradores e condições dignas para os profissionais de saúde cuidarem de si, de suas famílias e dos pacientes.

Dinheiro o Brasil tem, ou não teria liberado 1 trilhão de reais para os banqueiros no último mês. Além disso, partidos de esquerda, como o PSOL, já apresentaram propostas como a taxação das grandes fortunas (menos de 0,0001% da população brasileira) suficiente para garantir o dinheiro necessário à saúde dos brasileiros e brasileiras.

A dificuldade de compreender essas medidas nos faz questionar como podem pensar que salvar a economia vale mais que salvar vidas? Quando um papel se tornou mais valioso que uma pessoa?

Campanhas de solidariedade são o caminho  

Diante desse sistema injusto que vivemos, a solidariedade tem sido uma das melhores formas que encontramos de incentivar que as pessoas se preservem. No país inteiro, temos visto movimentos sociais fazendo campanhas de doação de máscaras, alimentos e produtos de higiene. Ajudar as pessoas a ficarem em casa sem passar dificuldade também tem sido uma forma de nos contrapor a esse governo e sua política, demonstrando que o país não está normal e que não está tudo bem que os capitalistas decidam quem pode ficar em casa e quem deve se arriscar.

Campanhas de solidariedade também são cruciais para selar uma confiança de classe. Por isso é uma política essencial para nós, de sindicatos, partidos e movimentos, recuperarmos a confiança da população que perdeu a referência na esquerda. A disputa política na sociedade hoje passa pelas campanhas de solidariedade – elas são a principal força para lutar em meio ao isolamento social, sendo capazes de mobilizar as comunidades e toda a classe trabalhadora, seja doando, recebendo doação ou se engajando. Todo momento histórico tem sua vanguarda. A vanguarda do contexto que estamos vivendo está organizando campanhas de solidariedade. É hora de somarmos força!

Fonte: Esquerda Online

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