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terça-feira, 14 de março de 2017

Pró-Esia - Fábrica de Versos...300 anos da aventura aquática de Händel

Em 2017 registramos o tricentenário de um acontecimento único na música clássica. Na quarta-feira 17 de julho de 1717, à noite, ocorreu em Londres um evento real de grande esplendor. O rei Jorge I e a nobreza inglesa embarcaram, com pompa e opulência, em barcas abertas no rio Tâmisa em Whitehall e navegaram rio acima até Chelsea, onde eles participaram de um banquete. A comitiva incluía a Duquesa de Bolton, a Duquesa de Newcastle, a Condessa de Darlington, a Condessa de Godolphin,
Em 2017 registramos o tricentenário de um acontecimento único na música clássica. Na quarta-feira 17 de julho de 1717, à noite, ocorreu em Londres um evento real de grande esplendor.
O rei Jorge I e a nobreza inglesa embarcaram, com pompa e opulência, em barcas abertas no rio Tâmisa em Whitehall e navegaram rio acima até Chelsea, onde eles participaram de um banquete. A comitiva incluía a Duquesa de Bolton, a Duquesa de Newcastle, a Condessa de Darlington, a Condessa de Godolphin, Madame Kilmarnock, e o Conde de Orkney. Tal foi a sensação daquele momento que a festa ainda não havia terminado às três horas da manhã. O rei voltou ao palácio de St. James por volta das quatro e meia.
De acordo com um relato do Daily Courant de 19 de julho, o primeiro jornal inglês de circulação diária:
“Uma das barcaças do rio foi utilizada pelo Musick, na qual tocavam 50 instrumentos de todos os tipos. As mais belas sinfonias, compostas especialmente para esta ocasião pelo Sr. Hendel, agradaram tanto sua Majestade que ele as mandou repetir por três vezes, nas idas e vindas”.
O embaixador prussiano em Londres, Friedrich Bonet, também relatou o evento aos seus superiores em Berlim e lhes deu mais informações sobre a música. Os instrumentos utilizados na apresentação incluíam trompetes, trompas (“cors de chasse”), oboés, fagotes, flautas e cordas, e cada uma das três apresentações durou uma hora. Estes detalhes não deixam dúvidas que a nobreza ouvira o conjunto de peças orquestrais que mais tarde seriam conhecidas como Water Music (Música Aquática) do compositor alemão, naturalizado inglês, Georg Friedrich Händel (1685-1759).
Water Music / Suíte em Ré maior (HWV 349) / Alla Hornpipe:
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E qual foi o contexto dessa celebração? Bonet observou de forma muito perspicaz que o Príncipe e a Princesa de Gales (o futuro rei Jorge II e rainha Carolina) não participaram das festividades – uma referência de que o evento teve um significado político considerável. Durante certo tempo se estabeleceu um distanciamento entre o rei e o príncipe. Em 1717, o príncipe conquistou vários seguidores influentes e foi capaz de obter apoio suficiente no Parlamento, passando a representar um sério obstáculo aos interesses dos ministros do rei. Em consequência, o monarca cancelou os planos para uma visita à sua cidade natal (Hanôver, na Alemanha) no verão e decidiu tornar-se mais presente e visível aos seus súditos do que era de costume. O evento no Tâmisa, realizado no recesso de verão do Parlamento, foi o prelúdio de três meses de atividade festiva, marcada principalmente por uma série de generosas recepções em Hampton Court.
Water Music / Suíte em Ré maior (HWV 349) / Bourrée:
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Procissão de barcas diante da Ponte de Westminster, em Londres. Pintura de Canaletto, 1746 (detalhe).
Procissão de barcas diante da Ponte de Westminster, em Londres. Pintura de Canaletto, 1746 (detalhe).

A iniciativa da Música Aquática pode ter sido uma estratégia de Händel em demostrar que, no conflito entre o monarca inglês e o Príncipe de Gales, sua lealdade primordial era dedicada ao rei – um gesto importante, pois, em Hanôver, Händel tinha sido o compositor favorito do príncipe e da princesa. Nenhum esforço para publicar a obra em sua concepção original parece ter sido feito na época da estreia – Händel possivelmente desejou manter a composição em seu arquivo pessoal – mas a música que tinha dado tanto prazer ao rei jamais poderia ser esquecida. Dentro de poucos anos seria ouvida frequentemente nas salas de concertos de Londres.
Uma lenda diz que, na realidade, Händel teria composto a Water Music para se reconciliar com Jorge I. O compositor havia conquistado uma função na corte do futuro rei quando este ainda era príncipe-eleitor na Alemanha, antes de assumir o trono britânico, como dito acima. Händel, porém, obteve uma licença para apresentar uma ópera na Inglaterra com a promessa de não demorar. Mas o artista não comprimiu o prometido, e demorou demais nas terras britânicas, pois teria caído nas graças da rainha Ana, que o adorava e lhe concedeu prêmios e pensões.  Não é por menos: Händel a presenteou com belíssimas composições, como a magnífica Ode for the Birthday of Queen Anne (vídeo a seguir). A situação do compositor diante do seu patrão germânico, o então príncipe Jorge, não era das melhores, pois ele aguardava o seu retorno. O fato é que Jorge logo acabou se tornando rei da Inglaterra e Händel precisava recuperar o favoritismo do seu antigo admirador. Assim, compôs a Música Aquática e a ofereceu ao rei – tendo pleno êxito em sua estratégia. O novo monarca não só manteve todas as pensões e benefícios reais de Händel, como lhe concedeu mais honrarias.
Ode for the Birthday of Queen Anne / Ária: “Eternal source of light divine”:
Em 1725, a editora do compositor (Walsh) inseriu a abertura da Música Aquática, em Fá maior, em sua terceira coleção de aberturas de Händel – a primeira aparição da música impressa – e arranjos de vários movimentos foram incluídos numa coleção de minuetos de Händel publicados por Walsh em 1729. Já em 1734 a editora voltou a publicar um conjunto de partes orquestrais que chamou de “Celebrated Water Musick”, mas na verdade a edição continha apenas metade dos movimentos. Uma versão completa da suíte, transcrita para cravo solo, foi produzida por Walsh em 1743. A edição de Arnold de 1788 foi a primeira a apresentar todos os números na partitura completa. Essa história da publicação da obra, juntamente com a triste perda dos autógrafos originais, deixa vários aspectos da Water Music abertos a questionamentos.
Water Music / Suíte in Ré maior (HWV 349) / Minueto:
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Muitos debates tentam esclarecer como a Música Aquática foi composta. Embora o Daily Courant e o embaixador Bonet afirmem que Händel teria escrito a música especificamente para o evento sobre o rio Tâmisa de 1717, parece plausível que algumas partes da obra tenham sido compostas mais cedo para outros fins. É improvável, por exemplo, que a abertura, com sua escrita delicada para dois violinos solistas (áudio abaixo), pudesse ter sido concebida para uma apresentação ao ar livre. A Water Music possivelmente nasceu como duas suítes orquestrais independentes ou concertos escritos apenas para sopros e cordas. Em 1717 Handel simplesmente pode ter organizado estes movimentos e acrescentado os números com trompas e trompetes, que são obviamente adequados à apresentação ao ar livre.
Water Music / Suíte em Fá maior (HWV 348) / Abertura:
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A música em si proporciona um magnífico resumo de todo o estilo de Händel no período de suas primeiras óperas para a Inglaterra, sua nova pátria. Como “música de ocasião”, combinando qualidade com fascínio imediato, a Water Music não tinha rival pelo menos até que o próprio Händel produzisse a sua famosa Music for the Royal Fireworks de 1749.
Encerramos este post com um vídeo trazendo a reprodução da estreia da Música Aquática como teria acontecido há 300 anos no rio Tâmisa, em Londres.
Fonte: Blog Euterpe

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