Conversando com alguns Mbya Guarani, pode-se perceber que cada um deles é um artista, um artista da vida; eles são originais, pois possuem origem própria, o contato com o homem branco não lhes fez mal, não os fez perder suas tradições; nesse convívio, os indígenas não apenas crescem, como também reinventam as novidades trazidas pelos brancos a partir de seus próprios critérios de pensamento.Em vez de copiar, eles preferem criar, dar flores, fazer a coisa ao modo Mbya, a arte é verdadeiramente original e como o Mbya Guarani Olívio Jekupé devemos acreditar que a arte, e principalmente a literatura indígena, pode fazer com que a sociedade respeite o índio.
Para os Mbya Guarani não há muita diferença entre tocar um instrumento rudimentar, um violino, ou tomar um banho de rio. O barulho das águas é o primeiro som que nasce em sua cultura e seu corpo o primeiro instrumento musical com o qual tem contato. Caminhar é uma arte, acender o fogo é uma arte, mantê-lo aceso é uma arte, brincar no rio, pela manhã, é uma arte, enfim, viver na cultura Mbya Guarani é fazer arte.
Para falar, é preciso um motivo, mais que um motivo, um objetivo; nesse momento, o de proferir palavras, a questão é a expressão e não a comunicação. O que importa é a qualidade de chama do som, a qualidade de água do som, a qualidade de flor do som, a qualidade de cheiro do som. O som deve ser um nascimento, como um Sol, como uma flor.
Muitas de suas palavras vêm acompanhadas de som e de dança; os Mbya Guarani e a realidade são uma coisa só: suas palavras se transformam em cantos mágicos que fazem o objeto, não representam ou falam sobre ele, mas são a sua própria essência por meio de uma poesia que ainda não diferencia música, ritmo, som, dança e palavra.
Ao proferir ou ouvir essas palavras, podemos “vê-las” transformarem-se em corpos tangíveis, com a qualidade da música e da dança associadas a elas e podemos sentir essa transformação. A qualidade dessa materialização faz o objeto aparecer em cada um dos que tomam contato com essa arte poética por meio do movimento e da dança, mesmo que não haja contato visual com o momento poético. É fácil perceber e sentir a presença do ser/ente no lugar e no momento em que a música e a dança se fazem presentes pela palavra. Ao ouvir ou participar de um canto Mbya Guarani é como se um rio passasse por nosso corpo fazendo-nos sentir a poesia e nos purificando com suas águas.
Uma das fantásticas sensações que se tem ao tomar contato com a kosmofonia Mbya Guarani é a de descobrir que eles ainda não conhecem a linguagem poética porque nunca conheceram outra linguagem que não fosse a linguagem poética.
Ao cantar seus rituais sagrados, as crianças, os anciãos, os indefesos, protegem uns aos outros, cantando sempre belas palavras por cada um deles. A magia da palavra e seu poder não são desprezados, mas transmitidos por gerações com a espontaneidade de algo realmente natural.
A cada noite os Mbya Guarani lançam suas palavras ao céu para que no dia seguinte elas atinjam outros Mbyas Guaranis e os inundem de um frescor, de um alívio para suas angústias.
A cada noite os Mbya Guarani lançam suas palavras ao céu para que no dia seguinte elas atinjam outros Mbyas Guaranis e os inundem de um frescor, de um alívio para suas angústias.
Cantar à noite a poesia aprendida durante o dia para que ela se perpetue e volte para todos como uma brisa de conhecimento e um frescor que alivia seus corações, orienta e limpa os caminhos do próximo dia de Ñamandu(Deus Primeiro). Essa tarefa diária dos Mbya Guarani faz lembrar os ensinamentos e preceitos do filósofo e matemático grego Pitágoras, nesse momento tão distante e tão próximo de nossos índios.
Ainda hoje, e desde que se sabe, ao observarem a primeira luz brilhante do dia, os Mbya Guarani lançam novamente ao céu seus sons, suas palavras verdadeiras, seus cantos para que Ñamandu os ilumine, bem como a todos nós, guiando-nos em nosso novo dia e em nossas vidas.
A identidade musical Guarani nasce da diversidade dos sons naturais com que têm contato; os animais podem cantar, falar, emitir sons, bufar, rugir, uivar; essa percepção parte do silêncio (kiririri – silêncio como som primeiro), até o estrondo de um trovão. As técnicas e formas com que trabalham com esses sons estão vinculadas às danças, aos rituais, aos corais e aos instrumentos simples que representam cada situação que se quer vivenciar.
Muitos de seus instrumentos são como bastões rítmicos de diversos tamanhos e grossuras, fabricados a partir de bambus, que usam como caixa de ressonância o próprio chão ou um pedaço de madeira (bastão maciço) sobre cuja superfície se bate marcando a pulsação básica de uma dança ritual.
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