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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Comissão da Verdade pede a revisão da Lei da Anistia

Em seu relatório final, a CNV afirma que a autoanistia promovida pelo regime ditatorial brasileiro é ilegal diante da legislação internacional


Após mais de dois anos de trabalho a respeito das violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura (1964-1985), a Comissão Nacional da Verdade decidiu pedir, em relatório final tornado público nesta quarta-feira 10, a revisão da Lei da Anistia, que há 35 anos mantém impunes os crimes de lesa-humanidade daquele período. Para a CNV, a lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, é uma lei de autoanistia, o que viola leis internacionais. A anistia, segundo a CNV, não poderia incluir agentes públicos que realizaram crimes como “detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”, pois tais ilícitos são “incompatíveis com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional”, uma vez que se tratam de crimes contra a humanidade, “imprescritíveis e não passíveis de anistia”.
Após mais de dois anos de trabalho a respeito das violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura (1964-1985), a Comissão Nacional da Verdade decidiu pedir, em relatório final tornado público nesta quarta-feira 10, a revisão da Lei da Anistia, que há 35 anos mantém impunes os crimes de lesa-humanidade daquele período. Para a CNV, a lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, é uma lei de autoanistia, o que viola leis internacionais.
A anistia, segundo a CNV, não poderia incluir agentes públicos que realizaram crimes como “detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”, pois tais ilícitos são “incompatíveis com o direito brasileiro e a ordem jurídica internacional”, uma vez que se tratam de crimes contra a humanidade, “imprescritíveis e não passíveis de anistia”. A CNV afirma que a jurisprudência internacional endossa “a total impossibilidade de lei interna”, como é a da anistia, “afastar a obrigação jurídica do Estado de investigar, processar, punir e reparar tais crimes”.
Em sua argumentação, a Comissão da Verdade invoca a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2010 responsabilizou o Brasil pelo desaparecimento de participantes da Guerrilha do Araguaia e considerou que as disposições da lei da anistia “são manifestamente incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação de graves violações de direitos humanos, nem para a identificação e punição dos responsáveis.”
Por fim, afirma a CNV, leis de autoanistia “constituem ilícito internacional”, pois “perpetuam a impunidade” e “propiciam uma injustiça continuada, impedindo às vítimas e a seus familiares o acesso à justiça, em direta afronta ao dever do Estado de investigar, processar, julgar e reparar graves violações de direitos humanos”.
A revisão da lei era um dos assuntos mais divisivos da CNV, e não se deu de forma unânime. Foi aprovada por cinco dos seis integrantes – José Carlos Dias, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Pedro Dallari e Rosa Cardoso – mas rejeitada pelo advogado José Paulo Cavalcanti Filho. Segundo o relatório, Cavalcanti Filho divergiu pelas “mesmas razões” que fizeram o Supremo Tribunal Federal recusar, em 2010, a revisão da anistia.
No julgamento de quatro anos atrás, ao considerar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, o STF considerou, por 7 votos a 2, que não cabia revisão da Lei da Anistia. O voto vencedor, do ministro Eros Grau (aposentado), considerava que a lei não poderia ser modificada pelo Judiciário pois seria fruto de “acordo político” realizado no período final da ditadura.
Apesar da decisão do STF, há significativos fatos históricos a contrapor a tese de “acordo político” vencedora na corte.
A história da Lei da Anistia
A anistia desejada pela sociedade civil no período de distensão do regime ditatorial brasileiro tinha como objetivo anistiar os presos políticos que foram sequestrados, torturados e estuprados nos porões da ditadura, não seu algozes. A pressão por uma anistia vinha desde os primeiros anos após o golpe de 1964, mas cresceu de forma exponencial na década de 1970.
Diante do clamor popular, o governo João Figueiredo decidiu agir e apresentar, em 27 de junho de 1979, um projeto próprio a ser enviado ao Congresso. Escrito pelo então ministro da Justiça, Petrônio Portella, com a participação de Golbery do Couto e Silva (ministro-chefe da Casa Civil), Octávio Aguiar de Medeiros (chefe do Serviço Nacional de Informação), Danilo Venturini (chefe do gabinete militar) e Heitor Ferreira (secretário de Figueiredo), o texto era limitado no que dizia respeito aos presos políticos, mas anistiava todos os agentes do Estado.
A anistia condicional aos presos políticos fez com que a sociedade civil, e a oposição parlamentar, então encarnada no MDB, se tornassem contrárias ao projeto. A proposta era criticada por transformar a ação política em terrorismo e por conceder o perdão antecipado aos torturadores. Como conta a cientista política Glenda Mezarobba no livro Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas consequências, a oposição classificava a proposta de “restrita, mesquinha, discriminatória, burocrática, casuística, parcial, arbitrária, omissa e até mesmo odienta”. Senadores e deputados oposicionistas percorreram o Brasil conversando com presos políticos e seus familiares, enquanto os detidos decidiram realizar uma greve de fome. Diante do limitado projeto do governo, a oposição e a sociedade civil se organizavam para pedir uma anistia “ampla, geral e irrestrita”.
Ao mesmo tempo, havia uma pressão para que os torturadores fossem punidos. O regime, entretanto, se recusava a tratar sobre o tema, postura revelada no próprio discurso de Figueiredo ao lançar o projeto de lei, quando afirmou que “certos eventos, melhor silenciá-los, em nome da paz da família brasileira”. Como afirma a linguista canadense Danielle Forget no livro Conquistas e Resistências do Poder (1964-1984): A Emergência de um Discurso Democrático no Brasil, o governo mantinha “a postura de que a anistia a ele pertence como projeto político, desviando-se da possibilidade de colocar em jogo o regime em seu conjunto”.
Não se tratava, assim, de um “acordo político”, mas da aprovação de um projeto nos moldes do que desejava a ditatura.
Mesmo diante da pressão para que os torturadores fossem julgados, o governo não se curvou. E fez sua vontade no Congresso. O substitutivo apresentado pelo relator do projeto, o deputado Ernani Satyro (PB), integrante da Arena, o partido governista, foi aprovado em comissão mista dominada pela base de sustentação da ditadura.
O Plenário da Câmara analisou o projeto em de lei em 21 e 22 de agosto de 1979, em sessões marcadas por muita tensão dentro do Casa e protestos fora dele. O substitutivo de Satyro foi aprovado de forma simbólica, inclusive pela liderança do MDB, que tinha como estratégia aprovar o texto governista e, em seguida ele, uma emenda de Djalma Marinho (Arena-RN) cujo teor faria da anistia uma “ampla e irrestrita”. O MDB conseguiu amealhar 15 votos de deputados governistas, mas perdeu a votação por cinco votos – 206 integrantes da Arena rejeitaram a “emenda Djalma Marinho”.
Fonte: A Carta Capital

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