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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Escolas ocupadas: Minha esperança é que esses jovens cheguem logo ao poder

Ao invés de chamar alunos, pais, mães, professores e funcionários para dialogar a respeito de sua proposta para o ensino paulista antes de mais nada, o governo Geraldo Alckmin impôs uma decisão. Depois, chamou de burro quem não concordava. Na sequência, bradou ganhos educacionais, mas teve que reconhecer as razões financeiras por trás. Daí, disse que toparia um diálogo – desde que este assumisse a figura de um monólogo. Então, deu uma aula de redação nas vias públicas da capital, sugerindo que bombas, gás e spray de pimenta fossem usados como argumentos dissertativos e ordenando que os alunos escrevessem 30 linhas sobre a frase “Manda quem pode, obedece quem tem juízo''. Por fim, disse que a população não concordava com as ocupações e apoiava sua proposta.
“O jovem não sabe o que precisa. Deve ter a supervisão de um adulto responsável.''
A quantidade de vezes que li essa frase e suas variações mais ou menos escabrosas, nos últimos dias, me lembrou porque a vida inteligente extraterrestre nunca se dignou a entrar em contato conosco.
Desprezar o que pensam crianças e adolescentes, dizendo que toda mobilização contra o projeto de fechamento de escolas e realocação forçada de alunos do governo do Estado e São Paulo não é fruto de sua vontade mas resultado de escabrosas manipulações políticas, é uma ofensa aos estudantes. É considerá-los como seres inanimados, incapazes se sentir, refletir, discutir, reagir. Incapazes de dizer “não''.
Faz parte de uma forma antiga de ensinar que já deveria ter sido substituída por outra que construa o conhecimento a partir da realidade de cada pessoa, fazendo com que esse conhecimento tenha valor para sua vida.
Mas essa frase tem uma variação igualmente violenta:
“A sociedade não sabe o que precisa. Deve ter a supervisão de um político responsável.''
Do alto de sua arrogância, parte da classe política – independente da bandeira ideológica que carregue – acredita que a população não consegue ser protagonista de sua própria existência e sucumbiria ao caos e à lama sem a tutela de seres iluminados – no caso, eles próprios.
(Quando, na verdade, sucumbimos à lama pela incapacidade de governantes de fiscalizarem o bem público e a ganância de grandes empresas.)
Ou seja, se você não concorda com uma medida adotada por eles, você não entendeu o que quiseram dizer. Por isso, te explicam de novo, e de novo, e de novo até que você compreenda a genialidade do plano deles. Ou desista de reclamar.
Mas os estudantes não desistiram. E isso tem irritado muita gente.
Estudante do terceiro ano do ensino médio foi detido acusado por desacato. Ele foi algemado e carregado por quatro policiais (Foto: Mauricio Camargo/Eleven/Estadão Contre)
Estudante do terceiro ano do ensino médio foi detido acusado por desacato. Ele foi algemado e carregado por quatro policiais (Foto: Mauricio Camargo/Eleven/Estadão Contre)
Ao invés de chamar alunos, pais, mães, professores e funcionários para dialogar a respeito de sua proposta para o ensino paulista antes de mais nada, o governo Geraldo Alckmin impôs uma decisão. Depois, chamou de burro quem não concordava. Na sequência, bradou ganhos educacionais, mas teve que reconhecer as razões financeiras por trás. Daí, disse que toparia um diálogo – desde que este assumisse a figura de um monólogo. Então, deu uma aula de redação nas vias públicas da capital, sugerindo que bombas, gás e spray de pimenta fossem usados como argumentos dissertativos e ordenando que os alunos escrevessem 30 linhas sobre a frase “Manda quem pode, obedece quem tem juízo''. Por fim, disse que a população não concordava com as ocupações e apoiava sua proposta.
Isso me lembra a cena com o apresentador José Luiz Datena perguntando ao público, em 13 de junho de 2013, se eles concordavam com protesto com “baderna''. E o resultado da enquete da audiência – diante de cenas de manifestantes pela redução da tarifa do transporte apanhando da polícia e sangrando na rua – vindo com um inequívoco “sim''.
A nossa democracia prevê a existência de espaços em que governo e sociedade discutam políticas públicas e sua implantação, do âmbito local ao federal. Mas o grupo de poder estabelecido tende a não gostar da ideia de ver outros atores ganharem influência, outros que não fazem parte do joguinho. Há gente que teme, com o monitoramento por parte do povo, ficar sem o instrumento clientelista de poder usar a máquina pública ao seu gosto e vontade, por exemplo.
Muitos jovens que vão às ruas desde 2013, reivindicando participar ativamente da política, não estavam pedindo a mudança do sistema proporcional para o distrital puro ou misto, como o governo federal e o parlamento pensaram. Queriam mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós, contudo. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos. Pois, quando a pessoa está atuando através da internet, não reporta simplesmente. Inventa, articula, muda. Vive.
Ou seja, plebiscitos, referendos, projetos de iniciativas populares, conselhos com representantes por tema ou distrito foram os primeiros passos, não os últimos. Com esta geração que ocupa escolas, a política será radicalmente transformada. Participar do rumo das coisas a cada quatro anos não será mais suficiente. Pois, em verdade, nunca foi. Eles querem participar em tempo real. O que inclui decidirem sobre o fechamento da escola em que estudam antes que ela seja decretada.
O artigo 1o, parágrafo único, da Constituição Federal garante a eles esse direito: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente''. Diretamente.
Por fim, se houve melhora na maneira como a cidade trata os mais humildes, isso se deve à sua mobilização, pressão e luta e não a bondades de supostos iluminados ou da esmola das classes mais abastadas. Até porque nossos “grandes líderes'' naufragam em tempos de chuva ou desidratam em tempos de seca.
Como já disse aqui, São Paulo é resistência. Não aquela cantada em prosas e versos, da resistência dos ricos e poderosos, que com seus grandes nomes deixaram grandes feitos que podem ser lidos em grandes livros ou vistos na TV. Mas a resistência solitária e silenciosa de milhões de anônimos que não possuem cidadania plena, mas tocam a vida mesmo assim. Se uma cidade é a soma das histórias de sua gente, gente como esses jovens em luta pelo seu futuro, então São Paulo vale a pena.

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