Conheça iniciativas brasileiras que usam a Lei de Acesso à Informação e a tecnologia para combaterem a corrupção no poder público
58% dos brasileiros estão insatisfeitos com o atual funcionamento da democracia no país, segundo a pesquisa Barômetro das Américas (LAPOP). E boa parte dessa insatisfação está ligada à falta de confiança no Congresso Nacional e nos partidos políticos.
De acordo com a mesma pesquisa, apenas 31% dos brasileiros confiam no Congresso Nacional e 13%, nos partidos políticos. Além disso, quase 80% da população considera que mais da metade dos políticos é corrupta. Isso representa 8 em cada 10 pessoas.
A relação entre corrupção e insatisfação com a democracia também é objeto de estudo para a Transparência Internacional, que através do Índice de Percepção da Corrupção 2018 analisou como os altos índices de corrupção em um país fragilizam o sistema democrático e a visão da população sobre o governo.
A pesquisa classificou 180 nações com uma pontuação de 0 (altamente corrupta) a 100 (altamente íntegra). Países classificados como democracias plenas marcam em média 75 pontos, democracias consideradas falhas possuem em média 49 pontos, regimes híbridos (com tendências autocráticas) possuem 35 pontos e regimes autocráticos têm em média 30 pontos.
Atualmente, o Brasil possui 35 pontos, sua pontuação mais baixa em 7 anos. Quando se analisa a atual composição do Congresso Nacional, entende-se o motivo para a baixa pontuação. 1 em cada 3 parlamentares é investigado ou réu. As acusações envolvem temas como corrupção, lavagem de dinheiro, estelionato, enriquecimento ilícito e até mesmo assédio sexual.
Corrupção e corruptores
“A corrupção, tradicionalmente, pode ser definida como todo ato de ‘apropriação privada de um bem público’”, afirma o pesquisador Leonardo Andrade Rocha, professor adjunto da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
Com foco em pesquisas sobre corrupção, o doutor em desenvolvimento econômico explica que a definição clássica do termo não abrange todas as possíveis formas de corrupção, que podem ser divididas em duas práticas: o “efeito graxa” e o “efeito areia”.
O economista explica que um caso de corrupção de efeito graxa pode ocorrer, por exemplo, quando é necessária alguma forma de corrupção para que um projeto que traga desenvolvimento para o país seja aprovado.
Já o efeito areia é percebido em casos de empresas que criam monopólios ou cartéis que inibem a concorrência, com ajuda do poder público.
Rocha relembra os casos das construtoras e empreiteiras investigadas na Lava Jato como um exemplo de efeito areia na economia. “Isso deturpa o mercado, e qualquer forma de competitividade justa”.
O pesquisador explica que os efeitos da corrupção não podem ser facilmente mensurados, somente estimados. E, de acordo com ele, a corrupção no Brasil “não é de hoje, é algo histórico”.
Rocha também explica que, para analisar os níveis de corrupção em um país, é necessário considerar se os casos são estruturais (algo cultural e coletivo) ou marginais (ato de poucos indivíduos que infringem a lei em benefício próprio).
Acesso à Informação
No debate sobre maneiras de se monitorar o poder público e a qualidade dos serviços e gastos públicos, o acesso à informação é uma das maneiras mais citadas pelos profissionais que atuam na área.
A Lei de Acesso à informação (Lei nº 12.527/2011), que entrou em vigor em maio de 2012, é um dos principais meios utilizados por instituições e profissionais com interesse em fiscalizar o poder público.
A Lei de Acesso à Informação (LAI) possibilita a qualquer pessoa (física ou jurídica), sem a necessidade de motivo prévio, pedir e receber informações de órgãos públicos. A lei é válida para os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) nas esferas Federal, Estadual e Municipal.
“A LAI divulga o que não é inicialmente publicado pelo poder público”, afirma Léo Arcoverde, editor-chefe da agência de dados Fiquem Sabendo. A agência realiza pedidos pela LAI, elabora reportagens a partir das informações obtidas e auxilia organizações da sociedade civil no requerimento de acesso a informações.
A Fiquem Sabendo auxilia, principalmente, na busca por gastos públicos suspeitos dentro dos próprios órgãos públicos ou em organizações parceiras. O editor conta que com a ajuda da LAI é possível fiscalizar projetos de diversos temas, como moradia, segurança pública, saúde e direitos humanos.
Outra iniciativa que utiliza a LAI é a Operação Serenata de Amor, que, a partir da consulta de dados públicos, analisa gastos suspeitos por parte de parlamentares em exercício. O jornalista Pedro Vilanova é um dos fundadores do projeto, e afirma que a ideia inicial era criar algo que unisse análise de dados, inteligência artificial e política.
Rosie, um dos robôs do Serenata de Amor, já analisou diversas informações sobre gastos irregulares consultando o uso da cota parlamentar. De acordo com Rosie, foram identificados 735 deputados com gastos suspeitos.
“A Lei de Acesso à Informação é mais uma das ferramentas para se fiscalizar o poder público, ela é praticamente uma bênção para o nosso trabalho de análise de dados públicos”, brinca Vilanova. O jornalista relata que a qualidade dos dados varia de órgão para órgão: “já vi casos de munícipios que tinham uma ótima base de dados, enquanto outros deixavam muito a desejar”.
Vilanova também se anima ao comentar o interesse da população em querer combater a corrupção e apoiar iniciativas na área: “mesmo em uma sociedade polarizada como a nossa no momento, os dois polos apoiam isso a sua maneira”.
Iniciativas da sociedade civil
A partir do acesso às informações da atuação do poder público, surgem no país novas formas de fiscalizar o Estado brasileiro. Diversas iniciativas de organizações da sociedade civil (OSCs) utilizam ferramentas de transparência para avaliar a qualidade dos serviços públicos e promover o controle social.
O presidente do Observatório Social do Brasil – São Paulo (OSB-SP), Paulo de Oliveira Abrahão, afirma que as investigações realizadas pela instituição estão principalmente focadas em avaliar o andamento de serviços, editais e licitações concedidos pelo poder público.
“Nosso objetivo não é necessariamente identificar corrupção, e sim criar uma parceria com o poder público por uma gestão melhor”, afirma Abrahão. Ele também relata que questionar o sigilo de certas informações é crucial para um país mais transparente, além de identificar inconsistências nessas informações disponibilizadas. “Isso também é uma forma de questionar”.
De acordo com Abrahão, uma organização pública só pode ser considerada transparente se disponibilizar informações de interesse público na internet e divulgar suas ações.
A fiscalização realizada pelo Observatório Social do Brasil é fruto do trabalho de voluntários treinados para isso e de parcerias com outras entidades, como a Transparência Brasil.
O diretor executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, explica que a organização, junto com 21 unidades do Observatório Social do Brasil, mantém o projeto ‘Obra Transparente’, que fiscaliza e monitora a construção de escolas e creches, além de analisar se há ou não transparência na execução desses projetos.
Galdino também explica que outro projeto mantido pela instituição é o ‘Achados e Pedidos’, feito em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI). De acordo com o diretor, “a ideia é capacitar profissionais na busca de dados suspeitos dentro do poder público”. Para isso, eles usam a LAI.
Entre as atividades monitoradas pela Transparência Brasil, o diretor cita a análise de prazos de licitações, editais irregulares, repasses federais suspeitos, fundos municipais, e também fraudes documentais que podem envolver empresas privadas e organizações do terceiro setor.
Fonte: Observatório do 3º Poder
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