Produtor cultural e escritor fala sobre a história do gênero no Brasil e seu papel de manifestação cultural e políticaFoi em meio ao som das baterias de escolas de samba tradicionais da zona norte de São Paulo (SP) que nasceu o hoje escritor e produtor cultural de 39 anos Toni C. O hip hop, porém, foi o gênero musical que tomou conta de sua vida.
A década de 1970 foi palco do florescimento da cultura da música black e do nascimento do hip hop no Brasil, momento que Toni caracteriza como um grande ganho de representatividade da juventude periférica brasileira.
A década de 1970 foi palco do florescimento da cultura da música black e do nascimento do hip hop no Brasil, momento que Toni caracteriza como um grande ganho de representatividade da juventude periférica brasileira.
“A música jovem basicamente era estrangeira. Passar a produzir música em português para a juventude, sendo cantada por ela e falando das suas dificuldades é altamente potente”. Já inspirado na época, ele não imaginaria que, em 2005, seria um dos membros fundadores da Nação Hip Hop Brasil. “A identificação com o hip hop foi instantânea”, lembra.
Hoje, Toni C, que já lançou obras como o documentário É tudo nosso! O Hip Hop fazendo história e o livro "O hip-hop está morto!": a história do hip-hop no Brasil, também impulsiona a valorização do trabalho de outros escritores marginais. Ele é um dos fundadores da LiteraRUA, editora que o escritor caracteriza como um coletivo de subversão literária.
O produtor conversou com o Brasil de Fato sobre cultura, política e representatividade.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Um dos trabalhos de maior vazão que você fez foi o livro Um bom lugar, biografia oficial do rapper Sabotage. No próximo 24 de janeiro completam-se 16 anos desde o assassinato dele. Como ele ainda é atual?
Toni C: Ele é atual para a gente, infelizmente, porque continuam morrendo pessoas pobres nas periferias o tempo todo e essas mortes continuam sem uma pessoa sendo punida, como é o caso da vereadora do Rio de Janeiro assassinada, a Marielle Franco.
Sabotage é a história de Marielle e de todos nós que corremos riscos cotidianamente andando pelas ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de qualquer lugar do país.
O hip hop carrega a tradição de falar dos dilemas e contradições sociais. No período recente, se contarmos desde o golpe que retirou a presidenta Dilma Rousseff, não tem sido diferente. Qual o papel que você vê no hip hop enquanto manifestação cultural e política?
O hip hop é a voz daqueles que não eram vistos, das pessoas anônimas, que são só um número, uma estatística. É exatamente a voz daquele que não tem força, não tem poder, usa justamente essa exclusão para fazer uma denúncia e faz isso com diversão, cultura, informação, de maneira descontraída.
Juntar entretenimento com o poder dessas pessoas que são excluídas de qualquer outra forma de interação, não são ouvidas e não são queridas na sociedade, que só servem para estar reproduzindo o capital, é altamente avassalador. Não à toa, o hip hop é a maior cultura globalizada da história do planeta.
Sempre que uma manifestação cultural chega ao Brasil ou a qualquer outro país, ela é ressignificada. Desde que o hip hop chegou, como ele se modificou ao longo do tempo?
Não sei se o hip hop chegou no Brasil, eu acredito que ele nasceu no Brasil, do mesmo jeito que nasceu em diversos lugares. Se pensarmos em uma dança como o break, por exemplo, que vem de Nova Iorque, há aqui no Brasil também uma manifestação altamente autêntica e específica da nossa cultura que é a capoeira — e muitos dos seus passos vem do hip hop, eu nem sei o que nasceu primeiro. Tem a embolada, o coco, que são formas de rimar desafiando oponente, criando de improviso, que é parecido com o que um rapper faz em suas músicas.
Nossas cores, o verde e o amarelo, estão desde Tarsila do Amaral até as esculturas de um Aleijadinho, além das obras dos Gêmeos, do Bonga ou de outros grafiteiros pelos muros.
Essa é uma das críticas que chega para o nosso movimento. Os detratores dizem que é uma coisa globalizada, que vem dos Estados Unidos, alguns dizem que o negro brasileiro que faz hip hop está sendo submisso e escravo do negro norte-americano, quando na verdade nós temos uma cultura que é troca. Conhecimento é troca, aliás. Eu tenho um conhecimento e você tem outro, nós juntamos e temos dois. A gente não divide ou elimina conhecimento, só soma.
O hip hop é exatamente isso: tem essa cultura local, mas é global ao mesmo tempo e isso não fere e nem desrespeita as outras culturas. Ele se soma às outras culturas.
A LiteraRUA já soma 17 anos de trabalho. Conta um pouco mais desse projeto para a gente…
Nem sei se é exatamente uma editora, gosto mais da ideia de um coletivo de autores, de subversão literária.
Imagina você fazer livros no Brasil. As livrarias grandes e grandes redes estão quebrando. O capitalismo, que diz que tudo pode e que se autorregula, que é um deus por si só, não se comporta, não consegue sustentar uma operação baseada em livros.
Um país que lê pouco, que desvaloriza a educação, a cultura, a literatura, é um país sem memória. Acaba-se, como consequência, elegendo um cara boçal, que parece que representa a média da sociedade, que tem conhecimento mediano, e na verdade é medíocre.
Mas imagine o que é, dentro desse arsenal onde nem os capitalistas sobrevivem, estar produzindo e publicando livros de pessoas negras, faveladas, periféricas, juntando literatura com hip hop. É resistência.
O ano é 2019 e queria saber como você entende que estamos em relação ao respeito e à vazão dados à cultura periférica?
Estamos em um país onde as pessoas aprenderam ou passaram a exercitar a ofensa, o xingamento, às vezes dos dois lados. Por mais que você tenha uma parte da verdade, não se tem a verdade absoluta, e vale a pena ouvir as outras experiências para crescer. A gente troca e cresce com o diálogo. Sem ele, nada acontece, só brigas e guerras.
Nos Estados Unidos tem um presidente querendo cumprir a promessa de campanha dele, que é colocar um muro. A cultura da periferia, sobretudo, tem a promessa de construir pontes.
Fonte: Brasil de Fato
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