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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Pró-Esia - Fábrica de Versos... Toni C: "O hip hop é a voz daqueles que não eram vistos, das pessoas anônimas"

Produtor cultural e escritor fala sobre a história do gênero no Brasil e seu papel de manifestação cultural e políticaFoi em meio ao som das baterias de escolas de samba tradicionais da zona norte de São Paulo (SP) que nasceu o hoje escritor e produtor cultural de 39 anos Toni C. O hip hop, porém, foi o gênero musical que tomou conta de sua vida.

A década de 1970 foi palco do florescimento da cultura da música black e do nascimento do hip hop no Brasil, momento que Toni caracteriza como um grande ganho de representatividade da juventude periférica brasileira.Foi em meio ao som das baterias de escolas de samba tradicionais da zona norte de São Paulo (SP) que nasceu o hoje escritor e produtor cultural de 39 anos Toni C. O hip hop, porém, foi o gênero musical que tomou conta de sua vida.
A década de 1970 foi palco do florescimento da cultura da música black e do nascimento do hip hop no Brasil, momento que Toni caracteriza como um grande ganho de representatividade da juventude periférica brasileira.
“A música jovem basicamente era estrangeira. Passar a produzir música em português para a juventude, sendo cantada por ela e falando das suas dificuldades é altamente potente”. Já inspirado na época, ele não imaginaria que, em 2005, seria um dos membros fundadores da Nação Hip Hop Brasil. “A identificação com o hip hop foi instantânea”, lembra.
Hoje, Toni C, que já lançou obras como o documentário É tudo nosso! O Hip Hop fazendo história e o livro "O hip-hop está morto!": a história do hip-hop no Brasil, também impulsiona a valorização do trabalho de outros escritores marginais. Ele é um dos fundadores da LiteraRUA, editora que o escritor caracteriza como um coletivo de subversão literária.
O produtor conversou com o Brasil de Fato sobre cultura, política e representatividade.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Um dos trabalhos de maior vazão que você fez foi o livro Um bom lugar, biografia oficial do rapper Sabotage. No próximo 24 de janeiro completam-se 16 anos desde o assassinato dele. Como ele ainda é atual?
Toni C: Ele é atual para a gente, infelizmente, porque continuam morrendo pessoas pobres nas periferias o tempo todo e essas mortes continuam sem uma pessoa sendo punida, como é o caso da vereadora do Rio de Janeiro assassinada, a Marielle Franco.
Sabotage é a história de Marielle e de todos nós que corremos riscos cotidianamente andando pelas ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de qualquer lugar do país.
O hip hop carrega a tradição de falar dos dilemas e contradições sociais. No período recente, se contarmos desde o golpe que retirou a presidenta Dilma Rousseff, não tem sido diferente. Qual o papel que você vê no hip hop enquanto manifestação cultural e política?
O hip hop é a voz daqueles que não eram vistos, das pessoas anônimas, que são só um número, uma estatística. É exatamente a voz daquele que não tem força, não tem poder, usa justamente essa exclusão para fazer uma denúncia e faz isso com diversão, cultura, informação, de maneira descontraída.
Juntar entretenimento com o poder dessas pessoas que são excluídas de qualquer outra forma de interação, não são ouvidas e não são queridas na sociedade, que só servem para estar reproduzindo o capital, é altamente avassalador. Não à toa, o hip hop é a maior cultura globalizada da história do planeta.
Sempre que uma manifestação cultural chega ao Brasil ou a qualquer outro país, ela é ressignificada. Desde que o hip hop chegou, como ele se modificou ao longo do tempo?
Não sei se o hip hop chegou no Brasil, eu acredito que ele nasceu no Brasil, do mesmo jeito que nasceu em diversos lugares. Se pensarmos em uma dança como o break, por exemplo, que vem de Nova Iorque, há aqui no Brasil também uma manifestação altamente autêntica e específica da nossa cultura que é a capoeira — e muitos dos seus passos vem do hip hop, eu nem sei o que nasceu primeiro. Tem a embolada, o coco, que são formas de rimar desafiando oponente, criando de improviso, que é parecido com o que um rapper faz em suas músicas.
Nossas cores, o verde e o amarelo, estão desde Tarsila do Amaral até as esculturas de um Aleijadinho, além das obras dos Gêmeos, do Bonga ou de outros grafiteiros pelos muros.
Essa é uma das críticas que chega para o nosso movimento. Os detratores dizem que é uma coisa globalizada, que vem dos Estados Unidos, alguns dizem que o negro brasileiro que faz hip hop está sendo submisso e escravo do negro norte-americano, quando na verdade nós temos uma cultura que é troca. Conhecimento é troca, aliás. Eu tenho um conhecimento e você tem outro, nós juntamos e temos dois. A gente não divide ou elimina conhecimento, só soma.
O hip hop é exatamente isso: tem essa cultura local, mas é global ao mesmo tempo e isso não fere e nem desrespeita as outras culturas. Ele se soma às outras culturas.
A LiteraRUA já soma 17 anos de trabalho. Conta um pouco mais desse projeto para a gente…
Nem sei se é exatamente uma editora, gosto mais da ideia de um coletivo de autores, de subversão literária.
Imagina você fazer livros no Brasil. As livrarias grandes e grandes redes estão quebrando. O capitalismo, que diz que tudo pode e que se autorregula, que é um deus por si só, não se comporta, não consegue sustentar uma operação baseada em livros.
Um país que lê pouco, que desvaloriza a educação, a cultura, a literatura, é um país sem memória. Acaba-se, como consequência, elegendo um cara boçal, que parece que representa a média da sociedade, que tem conhecimento mediano, e na verdade é medíocre.
Mas imagine o que é, dentro desse arsenal onde nem os capitalistas sobrevivem, estar produzindo e publicando livros de pessoas negras, faveladas, periféricas, juntando literatura com hip hop. É resistência.
O ano é 2019 e queria saber como você entende que estamos em relação ao respeito e à vazão dados à cultura periférica?
Estamos em um país onde as pessoas aprenderam ou passaram a exercitar a ofensa, o xingamento, às vezes dos dois lados. Por mais que você tenha uma parte da verdade, não se tem a verdade absoluta, e vale a pena ouvir as outras experiências para crescer. A gente troca e cresce com o diálogo. Sem ele, nada acontece, só brigas e guerras.
Nos Estados Unidos tem um presidente querendo cumprir a promessa de campanha dele, que é colocar um muro. A cultura da periferia, sobretudo, tem a promessa de construir pontes.

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