Tem coisas que são tipo Monalisa.
Uma imagem que você já viu milhões de vezes e que parecem que nem fazem parte do mundo real.
E de repente, você está lá: no Museu do Louvre. Na frente dela. E não é que ela existe de verdade?
E de repente, você está lá: no Museu do Louvre. Na frente dela. E não é que ela existe de verdade?
O carro saiu da avenida principal e virou à esquerda em Santa Cândida. Foi quando eu vi o prédio azul pela primeira vez. “Tenho que te deixar aqui”, avisou o motorista quando chegamos a uma barreira policial. Segui caminhando. Cheguei. Aquela portaria em que o Leonardo Boff esperou por um dia. A frente da PF das fotos da presidenta Dilma estilo filme de ação. Um senhor barbudo que sempre aparece em todo live com um jaleco estampado. O cenário de todos os “ao vivo” com a Gleise e o Haddad.
Era dia 31 de dezembro. E eu estava dentro de uma Monalisa. A Vigília Lula Livre.
Cheguei na hora do boa tarde presidente lula.
Já se passaram muitos dias, tantos que faz quase um ano. E o ritual diário da vigília é assim: tem bom dia às nove, boa tarde às duas e meia, boa noite às sete. Nos intervalos, atividades culturais e políticas. Alguém avisa no microfone que o sol está de rachar mas que tem filtro solar no espaço saúde. Depois emenda com uma canção do Chico. Até que chega a hora.
Começo gritando a plenos pulmões, cheia de energia e feliz por estar ali. Logo a voz vai embargando.
E não é aquilo existe de verdade?
O presidente Lula preso, sem prova alguma. A setenta metros ali de onde estamos. Os zói enche d’água. Como é que pode? O enigma, dessa vez, não é o de um sorriso. Mas olho ao redor e outras pessoas também choram. Estou do lado dos meus companheiros. E ninguém solta a mão do Lula.
Odeio réveillon desde que eu sou criança. Acho que é porque sempre viajávamos para Juiz de Fora para passar o Natal com a família. Eram dias de sonho, uma semana cercada de primos, comendo esfihas e a harice que a vó Nena fazia. Mas quando chegava o ano novo, todos iam para Cabo Frio e só sobrava a gente. Minha mãe dizia que “nós já morávamos numa cidade de praia e não tinha porque ir para outra”. Só quando cresci entendi a lindeza do motivo real, que era estar no ano novo com meus avós. E, contrariadas, eu e minha irmã passávamos a virada vendo Corrida São Silvestre enquanto os primos estavam juntos na Praia do Forte.
Mas esse foi diferente.
Acho que esse foi um dos réveillons mais intensos da minha vida. O mais lindo e o mais triste.
O lugar certo para se estar.
A Vigília Lula Livre fica organizada bem de frente para o prédio da Polícia Federal. Os mais experientes mostram mais ou menos o lugar que o Lula está. Não, não dá para ver a janela mas dizem que da sua solitária ele consegue ver o alto das araucárias. É neste espaço da vigília que rolam os bons dias, onde você pode deixar sua carta para o presidente e música. Alguns vizinhos já se acostumaram. Outros, botaram suas casas a venda ou cercaram a sua calçada para impedir que as pessoas se sentem na grama. Mas os vendedores de picolé deram para aparecer. Na rua que vai dar na PF, bem pertinho, funciona o Espaço Marielle Franco, onde acontecem as refeições coletivas. No primeiro dia do ano, quem estava ajudando na cozinha era o Luiz Marinho, candidato ao governo de São Paulo pelo PT. Cada um paga o que pode pelo almoço que, naquele dia era arroz, feijão, frango e tomate. Descendo um pouco mais, numa rua transversal, tem a Casa Lula Resistência e Luta, iniciativa de militantes. Um pouco mais distante, uma creche que serve de abrigo para as turmas que vem das caravanas.
É muito amor envolvido. Muita luta e muita dor.
Isso faz surgir uma conexão linda demais, uma vontade de puxar papo com que tá do seu lado, a pessoa que for. Pode ser a Jacira, camelô de São Paulo que veio numa caravana. Pode ser o Rogério Corrêa, o deputado mineiro do soco (rs). Pode ser o pessoal do Espírito Santo que ficou segurando a faixa do Coletivo Alvorada do meu lado que eu esqueci de perguntar o nome. Falamos sobre política. Fazemos planos imaginários de resgate e rimos. Depois choramos, também.
Vídeo: Jô Hallack
Um homem de chapéu de cangaceiro faz cooper ouvindo o jingle Lula Lá. Uma senhora dá voltas ao redor da PF rezando uma novena. Uns mininu lindo jovens modernos fazendo tremular a bandeira do arco íris. De repente, aparece gente distribuindo picolé. Ou, senão, abrem umas melancias que o calor tá brabo. Na virada do ano, cantamos como é grande o meu amor por você para o Lula com o Fabiano no trompete. No dia seguinte, cercamos a PF num abraço e soltamos balões. Não teve contagem regressiva nem feliz ano novo o que, para uma pessoa que odeia réveillon como eu, é uma maravilha. Preferimos gritar “solta o Lula”.
Já estou planejando a minha próxima ida à vigília. Demorei demais para ir. É preciso viver o Brasil além das Monalisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário