Enquanto o Rio de Janeiro assiste à intervenção militar e ao assassinato de Marielle Franco, diversos documentários sobre as polícias militares estão enfileirados à espera de lançamento e de apreciação pública
A intervenção militar e a subsequente execução de Marielle Franco jogaram a questão da segurança no Rio de Janeiro num patamar de escândalo político e estupor internacional.
Mais que nunca, a instituição policial virou refém de uma ideologia de guerra vitaminada pela iniquidade do governo Temer e os fascismos cotidianos que nele se viram estimulados.
A história de Marielle deverá ser levada às telas pela produtora Paula Barreto, filha de Luiz Carlos Barreto. Ainda é cedo para definir o papel da polícia, seja no filme, seja na realidade do crime que revoltou a parcela digna da nação. Como alguém já escreveu, não importa tanto descobrir quem matou Marielle, mas desvendar o contexto de ódio, intolerância e déficit de democracia que forjou sua morte.
Enquanto isso, diversos filmes sobre as polícias militares rondam as telas, prestes a serem lançados. No Festival de Brasília do ano passado, Marcelo Pedroso apresentou Por Trás da Linha de Escudos, um documentário filmado dentro do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco, responsável pela repressão de manifestações de rua. A recepção foi polêmica. Marcelo foi criticado por trocar uma postura de denúncia por uma observação "neutra" do cotidiano dos policiais. Sobretudo por se tratar de um cineasta identificado com as causas da esquerda, essa busca da intimidade da tropa foi mal compreendida. Ao que me consta, Pedroso está refazendo a montagem do filme com vistas a um eventual lançamento.
Outro exemplo, este sim alinhado com a visão da instituição sobre si mesma, é o documentário Rio do Medo, de Ernesto Rodrigues, que teve pré-estreia semana passada no Rio. Trata-se aqui de uma série de depoimentos de integrantes da PM do Rio de Janeiro, na ativa ou na reserva, sobre seu trabalho. Oficiais, soldados e médicos militares contam o que os fez escolher essa profissão, como são vistos pelos familiares e pela comunidade, e as circunstâncias que enfrentam no combate ao crime no estado. Temas como a agressividade, estresse, problemas médicos e psiquiátricos são analisados na primeira pessoa do singular ou do plural.
Rio do Medo insiste na caracterização do Rio como zona de guerra e deixa os policiais se apresentarem como vítimas tal e qual os que morrem pelas suas balas. Há pequenos matizes entre alguns mais radicais na opção de obedecer ordens e outros mais conscientes dos dilemas de seu ofício. Um deles, na reserva, chega a expor um pensamento oposto ao militarismo e mais afeito aos direitos humanos, representando uma clara exceção. O diretor dá mais ouvidos a policiais instruídos, pertencentes à elite da corporação, capazes de analisar historicamente a ideologia policial desde os tempos de Leonel Brizola, que propunha uma polícia moderna e menos repressiva nas favelas, até a virada truculenta de Moreira Franco e a defesa das UPPs, apesar da sua deturpação e submersão na rapinagem política do governo Cabral.
Não há qualquer menção à atuação da PM no dissolvimento de manifestações políticas, nem às infiltrações que procuram justificar ações mais violentas. A crer no filme, o único problema do Rio é o tráfico de drogas. Pouco se fala de corrupção, envolvimento com o tráfico de armas, etc. Mais significativo ainda é que Rio do Medo não avança para além do que dizem os próprios PMs. Ora, as razões profundas da "guerra" no Rio são a desigualdade social, o tráfico de interesses econômicos e políticos, bem como a indigência dos valores apregoados pelo capitalismo predatório e pela perda de esperança na construção de uma sociedade mais fraterna e justa. Enquanto Tropa de Elite continuar sendo o filme em que os policiais se sentem representados – como é mostrado em Rio do Medo –, o panorama não deve mudar muito.
A violência policial vai ter destaque, ainda, no novo filme de Julia Murat, Operações de Garantia da Lei e da Ordem. O documentário, já exibido no último Festival de Brasília, pretende discutir o legado das manifestações de 2013 e 2014, envolvendo não apenas o fragor das ruas, mas principalmente a repercussão distinta nas diversas mídias.
Um dos concorrentes brasileiros no Festival É Tudo Verdade, que começa no próximo dia 12 de abril, é Auto de Resistência, de Natasha Neri e Lula Carvalho. A sinopse promete "um panorama contemporâneo de homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em situações inicialmente classificadas como legítima defesa".
Mais que nunca, a instituição policial virou refém de uma ideologia de guerra vitaminada pela iniquidade do governo Temer e os fascismos cotidianos que nele se viram estimulados.
A história de Marielle deverá ser levada às telas pela produtora Paula Barreto, filha de Luiz Carlos Barreto. Ainda é cedo para definir o papel da polícia, seja no filme, seja na realidade do crime que revoltou a parcela digna da nação. Como alguém já escreveu, não importa tanto descobrir quem matou Marielle, mas desvendar o contexto de ódio, intolerância e déficit de democracia que forjou sua morte.
Enquanto isso, diversos filmes sobre as polícias militares rondam as telas, prestes a serem lançados. No Festival de Brasília do ano passado, Marcelo Pedroso apresentou Por Trás da Linha de Escudos, um documentário filmado dentro do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco, responsável pela repressão de manifestações de rua. A recepção foi polêmica. Marcelo foi criticado por trocar uma postura de denúncia por uma observação "neutra" do cotidiano dos policiais. Sobretudo por se tratar de um cineasta identificado com as causas da esquerda, essa busca da intimidade da tropa foi mal compreendida. Ao que me consta, Pedroso está refazendo a montagem do filme com vistas a um eventual lançamento.
Outro exemplo, este sim alinhado com a visão da instituição sobre si mesma, é o documentário Rio do Medo, de Ernesto Rodrigues, que teve pré-estreia semana passada no Rio. Trata-se aqui de uma série de depoimentos de integrantes da PM do Rio de Janeiro, na ativa ou na reserva, sobre seu trabalho. Oficiais, soldados e médicos militares contam o que os fez escolher essa profissão, como são vistos pelos familiares e pela comunidade, e as circunstâncias que enfrentam no combate ao crime no estado. Temas como a agressividade, estresse, problemas médicos e psiquiátricos são analisados na primeira pessoa do singular ou do plural.
Rio do Medo insiste na caracterização do Rio como zona de guerra e deixa os policiais se apresentarem como vítimas tal e qual os que morrem pelas suas balas. Há pequenos matizes entre alguns mais radicais na opção de obedecer ordens e outros mais conscientes dos dilemas de seu ofício. Um deles, na reserva, chega a expor um pensamento oposto ao militarismo e mais afeito aos direitos humanos, representando uma clara exceção. O diretor dá mais ouvidos a policiais instruídos, pertencentes à elite da corporação, capazes de analisar historicamente a ideologia policial desde os tempos de Leonel Brizola, que propunha uma polícia moderna e menos repressiva nas favelas, até a virada truculenta de Moreira Franco e a defesa das UPPs, apesar da sua deturpação e submersão na rapinagem política do governo Cabral.
Não há qualquer menção à atuação da PM no dissolvimento de manifestações políticas, nem às infiltrações que procuram justificar ações mais violentas. A crer no filme, o único problema do Rio é o tráfico de drogas. Pouco se fala de corrupção, envolvimento com o tráfico de armas, etc. Mais significativo ainda é que Rio do Medo não avança para além do que dizem os próprios PMs. Ora, as razões profundas da "guerra" no Rio são a desigualdade social, o tráfico de interesses econômicos e políticos, bem como a indigência dos valores apregoados pelo capitalismo predatório e pela perda de esperança na construção de uma sociedade mais fraterna e justa. Enquanto Tropa de Elite continuar sendo o filme em que os policiais se sentem representados – como é mostrado em Rio do Medo –, o panorama não deve mudar muito.
A violência policial vai ter destaque, ainda, no novo filme de Julia Murat, Operações de Garantia da Lei e da Ordem. O documentário, já exibido no último Festival de Brasília, pretende discutir o legado das manifestações de 2013 e 2014, envolvendo não apenas o fragor das ruas, mas principalmente a repercussão distinta nas diversas mídias.
Um dos concorrentes brasileiros no Festival É Tudo Verdade, que começa no próximo dia 12 de abril, é Auto de Resistência, de Natasha Neri e Lula Carvalho. A sinopse promete "um panorama contemporâneo de homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em situações inicialmente classificadas como legítima defesa".
Fonte: A Carta Maior
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