Na noite desta quarta-feira (14) a vereadora carioca Marielle Franco, do PSOL, foi executada a tiros dentro de seu carro quando retornava de evento sobre direitos das mulheres.
Também morreu baleado o seu motorista, Anderson Pedro Gomes.
Também morreu baleado o seu motorista, Anderson Pedro Gomes.
Coincidentemente, Marielle tinha assumido no dia 28 de fevereiro a relatoria da Comissão legislativa que vai acompanhar e fiscalizar a intervenção militar no Rio de Janeiro.
Outra coincidência: em 10 de março (quatro dias antes de sua morte), Marielle denunciou em suas redes sociais a violência de um batalhão da PM carioca em Acari, exigindo o fim da morte de jovens pelas forças de segurança.
Militante, defensora ferrenha dos Direitos Humanos e conhecida pelo enfrentamento à violência policial, teve sua vida abreviada de forma brusca. Covardemente executada na noite carioca, Marielle partiu.
Mas quem puxou os gatilhos? Quem matou Marielle? A resposta mais confortável e absurda –trazida pela mídia tradicional nas primeiras notícias – é de que foram “assaltantes”. Outra, um pouco menos confortável, é a de que seriam “milicianos”, ou “policiais corruptos”. Mas não é tão simples.
Pessoas que se regozijam com execuções e grupos de extermínio. Que enaltecem torturadores do passado e do presente, e que veem como natural o massacre da população pobre, negra e periférica. Hipócritas, pessoas que se dizem “de bem”, mas que apoiam assassinatos praticados por agentes do Estado.
Gente da turma do discurso do “bandido bom é bandido morto”, e que tem ojeriza à luta de mulheres negras e feministas como Marielle Franco, ou a qualquer luta relativa à defesa dos Direitos Humanos e à emancipação humana. Todos eles a mataram.
E os executores de Marielle sabem disso. Sabem que têm o apoio de grande parcela da população, pessoas que ao invés de se unirem contra a violência estatal, dela usufruem, agindo como cúmplices de crimes inomináveis.
E este apoio, infelizmente, encoraja aqueles que são acostumados a viver nas sombras da covardia, e o resultado pôde ser visto nesta noite do dia 14.
Então, antes de lamentar ou se solidarizar pelas mortes de Marielle e Anderson, as pessoas precisam ter a dignidade de fazer uma autocrítica: até que ponto são responsáveis pelo que houve? O quanto do sangue deles se encontra em suas mãos? O quanto seu ódio e sua crueldade contribuíram para que nos tornássemos um país doente?
Marielle lutou, e sua luta não acaba agora. Ela continuará, e se multiplicará. Podem matar pessoas, mas não ideias. A História nos mostra isso. Pessoas como Marielle tornam-se eternas, e isso nem o mais vil dos fascistóides que infestam este país pode impedir.
Marielle, presente!
Fonte: Justificando
Onda de assassinatos de políticos e pré-candidatos na Baixada Fluminense
escancara a penetração do crime na vida pública
Uma ligação, dez dias atrás, fez tremer o deputado estadual Deodalto José Ferreira: “Ou você para, ou sua família vai pagar as consequências. E vai ser onde você joga bola ou no Parque São José”. Desde então, o pré-candidato a prefeito pelo DEM em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio, desistiu até de ir na feira. Hoje fica grudado em um segurança e passou a viajar em carro blindado.
— Você está com medo?
— Com certeza, muito.
O motivo da ameaça, diz o deputado, é que ele começa a despontar nas pesquisas e a incomodar os adversários, mas há mais: matar na Baixada é muito fácil e uma onda de execuções injetou o medo nos políticos da região.
Desde novembro, nove pré-candidatos e vereadores da região foram executados a tiros. Muitos tiros e alguns em plena luz do dia. Nem todos os crimes têm relação, nem foram necessariamente motivados por disputas políticas – há um crime passional e uma briga de trânsito –, mas a brutalidade dos assassinatos escancarou os perigosos e aceitos vínculos entre o crime – milícias, tráfico e grupos de extermínio – e a política local.
A Procuradoria Regional Eleitoral pediu que a Polícia Federal participe das investigações pela suspeita de que a morte de pelo menos dois desses vereadores e quatro pré-candidatos se tratem de crimes políticos. O procurador Sidney Madruga também solicitou que as Forças Armadas não abandonem o Rio após a Olimpíada e cuidem da segurança durante a campanha, que deve começar em 16 de agosto. A maioria dos entrevistados para esta reportagem acredita que, até as eleições municipais, mais vítimas vêm pela frente.
Em um shopping da Zona Sul do Rio, o articulador de campanha de 350 candidatos na Baixada Fluminense de um partido pequeno mas influente na política nacional explica com naturalidade práticas que diz serem comuns na contenda política, do caixa dois à compra de votos de populações dominadas por narcotraficantes ou milicianos. “Dos 13 municípios da Baixada, há pelo menos quatro onde impera a filosofia de ‘tirar quem atrapalha”, afirma sob condição de anonimato. “Quando se fala de política, se fala de poder, se fala de dinheiro. A milícia não tem medo de polícia, mas tem medo de política e sabe que esse é o único meio para ela se perpetuar.” O articulador afirma que não dá para perceber o medo, mas que ele está aí – dois dos seus candidatos andam escoltados – e reconhece que, antes ou depois da campanha, a conversa com os grupos criminosos é necessária, de prefeitos de grandes cidades a senadores. “Todos têm acordos. Se você não se sentar com eles, você não se estabelece.”
Na manhã do dia 2 de julho uma câmera de segurança gravou a brutal execução de Sérgio da Conceição de Almeida, conhecido como Berém do Pilar, uma referência ao bairro de Duque de Caxias onde morava, a cerca de uma hora de carro do centro do Rio. Dois homens, de luvas brancas, armados com uma pistola e um fuzil deram 21 tiros nele na porta da sua casa e fizeram questão de acertar outros disparos na cabeça quando ele já estava morto. Berém era filiado ao nanico Partido Social Liberal (PSL), aspirava a ser vereador e andava armado. No bairro era conhecido como “o cara que fazia o trabalho sujo” e “cuidava da segurança dos moradores”, segundo um dos seus vizinhos que afirma que, após a morte de Berém, os assaltos se multiplicaram. A polícia suspeita do envolvimento da vítima com um grupo de milicianos e de que sua morte seja resultado de uma disputa de território, agravada, talvez, pela potencial ascensão política do adversário. O vizinho, que insiste em não ser identificado, lembra a presença de várias autoridades políticas locais no enterro de Berém.
A BAIXADA EM NÚMEROS
Fonte: Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de 2015 e FirjanO assassinato de Berém pode ter relação, segundo a polícia, com outras duas mortes, a dos parceiros Leandro da Silva e Denivaldo Meireles, também em Caxias. Leandrinho, pré-candidato a vereador, dono de um depósito de água e gás e supostamente envolvido com a milícia, foi executado a tiros em junho. A vítima era filiada ao PSDB e tinha duas passagens pela polícia por suspeita de homicídio. Denivaldo, que saía com sua mulher e seu filho de oito anos do cinema de um shopping quando foi assassinado, teve uma morte que causou comoção a quem pôde assisti-la na Internet. Dois homens, disfarçados com camisetas da Polícia Civil, abordaram seu carro na saída do estacionamento e atiraram dezenas de vezes contra o veículo parado na cancela. “Polícia, polícia! Perdeu, perdeu!”, gritaram. Denivaldo morreu na hora, a mulher dias depois e o filho, traumatizado e sem poder falar ainda nada sobre o crime, saiu ileso. Apontado como pré-candidato no começo das investigações, a família negou qualquer filiação política, mas a polícia voltou a ver elos com a milícia e as brigas de poder. “Eles veem na política uma ferramenta importante para consolidar seu domínio”, explica Giniton Lages, titular da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, que lida em média com 130 assassinatos por mês.
Nessa terça-feira, o pré-candidato à Prefeitura de Japeri, o petista André Ceciliano, saia às pressas da Assembleia Legislativa do Rio. Era aguardado por um carro blindado e um segurança para ir na delegacia e denunciar sua terceira ameaça de morte. “A milícia forma parte da administração do município”, dispara ao ser questionado sobre quem pode estar por trás dessas ameaças. “A Baixada sempre viveu muito tensamente a questão política, mas hoje está pior que nunca. Mas eu não tenho medo. Se tivesse, não me candidataria”, afirma Ceciliano.
O pré-candidato a prefeito de Caxias pelo PSOL, o professor José Claudio Souza Alves, e outros dois candidatos a vereador, os também professores Rose Cipriano e Edson Teixeira Jr., relatam o medo em torno às suas candidaturas. “Eu ouço das pessoas que não querem votar em mim para me proteger. Dizem: ‘não vou te dar meu voto porque, se você se eleger, vão te matar”, ilustra Cipriano. “Minha mãe me ligou chorando. Estava com medo de eu me candidatar”, lembra Teixeira. O medo deles, porém, é relativo pois, sem representação ainda na Câmara de Vereadores, dizem, não têm suficiente poder para incomodar. “Quanto mais votos, mais riscos”, resumem.
Esse temor é precisamente o que o delegado Lages pretende evitar. Incomodado com a associação prematura de 11 assassinatos a motivações políticas, o delegado mergulhou nos perfis das vítimas para resolver os crimes e não alterar a “normalidade do processo democrático, uma das poucas coisas que funcionam no Brasil”. Questionado sobre a efetividade desse processo democrático onde há práticas que parecem comuns como a compra de votos, ameaças, mortes, proibição de fazer propaganda de determinados candidatos em regiões dominadas pelo crime ou apoio financeiro e logístico da milícia a campanhas amigas, o delegado suspira e assente: “Sim, não posso afirmar que o cidadão tem plena liberdade para votar. Está tudo carcomido, mas eu não quero que o cara de bem deixe de se candidatar por medo”.
Matar quem atrapalha
Geraldo Cardoso, eleito vereador em 2012 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi morto em janeiro com um tiro na cabeça e outro no ombro no estacionamento da Câmara Municipal de Magé, cinco minutos depois de receber a ligação de sua mulher avisando que tinha preparado seu macarrão favorito para o jantar. Geraldão, como era conhecido, liderava uma comissão que investigava o prefeito Nestor Vidal (PMDB), cassado em abril. A polícia acredita que essa disputa motivou o crime. Luciano Nascimento, o LucianoDJ, vereador pelo PCdoB e com antigas ligações com a milícia, segundo a polícia, também era importante no futuro do prefeito de Seropédica, município que assim como Magé e Caxias, arrasta um histórico de crimes políticos. Em novembro do ano passado, Luciano faltou a uma sessão da Câmara que iria decidir sobre o afastamento de Alcir Martinazzo, do PSB, acusado de contratar funcionários fantasmas. Sua ausência, que contrariou o compromisso assumido com sua bancada de votar contra a cassação, impediu o quórum e adiou a votação. 48 horas depois foi alvejado por vários tiros ao sair de uma festa. Políticos e milicianos estão na equação de investigação do crime.
"A violência política que existe na Baixada não existe em outras áreas. Há vereadores e prefeitos diretamente comprometidos com a milícia", explica o especialista em segurança pública Ignacio Cano. "Meu medo é que a milícia sirva como explicação e o Estado não investigue o envolvimento dos grupos de extermínio na política local, um fenômeno tradicional nessa região."
Manoel Primo Lisboa, policial militar de Nova Iguaçu, ainda não tinha carteirinha de nenhum partido, mas preparava seu caminho para ser vereador. Foi morto em junho com mais de 20 disparos no que, segundo as investigações, poderia ser uma represália da milícia. Marco Aurélio Lopes, também era policial e vereador pelo PP em Paracambi, mas foi assassinado em dezembro de 2015 na própria casa. O tráfico, mas também a milícia, podem estar por trás do seu assassinato. “Não se subjugar", lamenta o delegado Lages, "é sinônimo de morte”. “Não podemos afirmar quais são as verdadeiras motivações de cada um dessas execuções, nem que sejam um fenômeno exclusivo do Rio", afirma o procurador Madruga, "mas posso te dizer que não são uma coincidência".
Fonte: El País
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