
Uma vez “unidos pelo matrimônio”, os ajuizados cônjuges viviam uma relação assimétrica. Vejamos sobre isto o que aconselhava O Cruzeiro, em abril de 1960:
“A felicidade conjugal nasce da compreensão e da mútua solicitude entre os esposos. Em uma união feliz, os cônjuges se complementam, porque cada um tem o seu papel naturalmente definido no casamento. E de acordo com esse papel natural chegamos a acreditar que cabe à mulher maior parcela na felicidade do casal; porque a natureza dotou especialmente o espírito feminino de certas qualidades sem as quais nenhuma espécie de sociedade matrimonial poderia sobreviver bem. Qualidades como paciência, espírito de sacrifício e capacidade para sobrepor os interesses da família aos interesses pessoais. Haverá mulheres de espírito avançado que recusem esta teoria sob pretexto de que o casamento. Nesse caso, não é compensador. A estas, […] responderiam as esposas felizes – provando o quão compensador é aceitar o casamento como uma sociedade em que a mulher dá um pouquinho mais”.
O bem estar do marido era a medida da felicidade conjugal e esta adviria, em consequência de um marido satisfeito. E para tal bem estar, qual a fórmula? Seu primeiro componente eram as “prendas domésticas”. Afinal, a mulher conquistava pelo coração e prendia pelo estômago. Outro quesito: a reputação de boa esposa e de mulher ideal. Quem era esta? A que não criticava, que evitava comentários desfavoráveis, a que se vestisse sobriamente, a que limitasse passeios quando o marido estivesse ausente, a que não fosse muito vaidosa nem provocasse ciúmes no marido. Era fundamental que ela cuidasse de sua boa aparência: embelezar-se era uma obrigação: “A caça já foi feita, é preciso tê-la presa” ou “Um homem que tem uma esposa atraente em casa, esquece a mulher que admirou na rua”. A tia de Veríssimo seguia a risca as recomendações:
“Pela manhã, passava longas horas no quarto de vestir, diante do espelho, maquilando-se e usando de um verdadeiro regimento de cosméticos, penteando-se, colocando sobre os cabelos a redinha, metendo-se nos mais finos e bonitos vestidos, enfiando meias de seda e calçando seus melhores sapatos, dando a impressão que se preparava para uma festa. No entanto fazia isso apenas para o marido”.
Outra regra: jamais discutir por questões de dinheiro, aliás, o melhor era não discutir por nada. A boa companheira integrava-se às opiniões do marido, agradando-o sempre: “Acompanhe-o nas suas opiniões […] quanto mais você for gentil na arte de pensar, tanto maior será o seu espírito no conceito dele. Esteja sempre ao seu lado, cuidando dele, animando-o […] reconhecendo seus gostos e desejos”, aconselhava o Jornal das Moças, em outubro de 1955. “A mulher tem uma missão a cumprir no mundo: a de completar o homem. Ele é o empreendedor, o forte, o imaginoso. Mas precisa de uma fonte de energia […] a mulher o inspira, o anima, o conforta […] a arte de ser mulher exige muita perspicácia, muita bondade. Um permanente sentido de prontidão e alerta para satisfazer às necessidades dos entes queridos”. E martelavam os decálogos na imprensa:
Não telefone para o escritório dele para discutir frivolidades.
Não se precipite para abraçá-lo no momento em que ele começa a ler o jornal
Não lhe peça para levá-la ao cinema quando ele está cansado
Não lhe peça para receber pessoas quando não está disposto.
Não roube do seu marido certos prazeres, mesmo que estes a contrariem como fumar charuto ou deixar a luz do quarto acesa para ler antes de dormir”.
Insatisfações femininas? Eram desqualificadas. Certa Yolanda dos Santos escreveu ao O Cruzeiro queixando-se da falta de assistência do marido. Eis o que obteve como resposta:
“É da natureza do homem, principalmente daquele que é bem sucedido em seu trabalho, viver mais para a carreira do que para o lar. Procure suprir com seu equilíbrio e bom senso a lacuna deixada pela falta de assistência do marido. Não lhe guarde rancor […] ele não faz isso para magoá-la […] e certamente confia muito em você”.
Brigas entre o casal? A razão era sempre do homem. Mas se razões houvesse, melhor para as mulheres resignarem-se em nome da tal felicidade conjugal. A melhor maneira de fazer valer sua vontade era a esposa usar o “jeitinho”: assim o marido cedia, sem saber. E mais importante, sem zangar-se. Nada de enfrentamentos, conversa entre iguais ou franqueza excessiva. Se quisesse comprar um vestido, realizar uma viagem ou recuperá-lo depois de um caso extra-conjugal que usasse o jeitinho. Nada de ser “exigente ou dominadora”. O melhor era sempre colocá-lo em primeiro lugar, agindo de forma “essencialmente feminina”. O “temperamento poligâmico” dos homens justificava tudo: “mantenha-se no seu lugar, evitando a todo o custo cenas desagradáveis que só servirão para exacerbar a paixão de seu marido pela outra […] esforce-se para não sucumbir moralmente, levando tanto quanto possível uma vida normal, sem descuidar do aspecto físico”. Afinal, no entender destas conselheiras sentimentais, “o marido sempre volta”.
- “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.
Nas brigas, a razão estava sempre com o marido
A grande ameaça que pairava sobre as esposas, como já visto, eram as separações. Além do aspecto afetivo, as necessidades econômicas – pois a maioria das mulheres de classe média e alta dependia do provedor – e do reconhecimento social – as separadas eram mal vistas – pesavam a favor do casamento a qualquer preço.
Cenas de casamento: assinando o registro, de Edmund Blair Leighton
Fonte: História Hoje
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