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domingo, 1 de novembro de 2015

Retrato da artista enquanto Sontag

Durante minha adolescência, sábado era um dia especial para ler jornal. Neste dia, saíam os suplementos literários. Eu amava sobretudo o caderno Idéias, do Jornal do Brasil…
Com a crise no jornalismo impresso, os cadernos sobre livros foram as primeiras vítimas a serem cortadas. O último foi o Prosa&Verso, de O Globo, que foi “descontinuado” há algumas semanas. Uma pena, porque, como eu, muita gente agradece sua formação intelectual a eles.
Clube do livro Socialista Morena
Durante minha adolescência, sábado era um dia especial para ler jornal. Neste dia, saíam os suplementos literários. Eu amava sobretudo o caderno Idéias, do Jornal do Brasil…
Com a crise no jornalismo impresso, os cadernos sobre livros foram as primeiras vítimas a serem cortadas. O último foi o Prosa&Verso, de O Globo, que foi “descontinuado” há algumas semanas. Uma pena, porque, como eu, muita gente agradece sua formação intelectual a eles. 
Felizmente, agora temos a internet e nossos pequenos espaços de resistência: a partir de hoje, todo sábado terá resenha literária no blog. A primeira é este livro com Susan Sontag.
E, a cada mês, todos os livros resenhados serão sorteados entre os assinantes do blog. Uma espécie de “clube do livro” para estimular o hábito da leitura.
***
Ler é minha diversão, minha distração, meu consolo, meu pequeno suicídio.
(Susan Sontag)
A escritora e ativista dos direitos humanos norte-americana Susan Sontag (1933-2004) tinha 45 anos e acabara de se curar de um câncer de mama quando concedeu uma longa entrevista ao repórter Jonathan Cott, da revista Rolling Stone. Cott conversou com Sontag durante doze horas, em encontros em Paris e Nova York, e apenas uma parte deste papo saiu na revista. A íntegra só seria publicada três décadas depois pela editora da Universidade de Yale, em 2013, e agora foi finalmente traduzida para o português pela editora autêntica.
Acompanhado de memórias do jornalista sobre o encontro, o livro é uma daquelas obras que instigam o pensamento, mas com leveza. É como conversar com Susan Sontag numa mesa de boteco, ouvi-la falar sobre os assuntos mais diversos, sobretudo seu amor pela escritura –e pela vida. Curada, ela tinha publicado um livro inspirado pelo câncer, A Doença Como Metáfora, em que questiona a ideia de “culpar a vítima” pela enfermidade.
Na entrevista, vai além e traça paralelos interessantíssimos entre as doenças e a criação intelectual, como faz com a sífilis. “A sífilis, é claro, provoca a loucura, o sentimento e a morte, mas entre o início e o fim da doença, acontece algo impressionante com você. Sua mente parece explodir, e você se transforma num gênio. Nietzsche, Maupassant – todas as pessoas que tiveram sífilis morreram da doença. Mas todos tiveram esses estados mentais exaltados que faziam parte da genialidade ou que produziram gênios”, diz.
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(Susan Sontag por sua companheira, a fotógrafa Annie Leibovitz, em 1992)
Além do câncer de mama, Susan Sontag também enfrentou um sarcoma uterino em 1998. Sobre a doença, ela dizia ser uma grande metáfora, mas “uma metáfora do mal”. No entanto, abria uma exceção para a leucemia, sem poder prever que em 2004 este terceiro câncer a mataria. “A leucemia é a única parte da metáfora do câncer que atrai valores românticos. Se alguma forma de câncer pode ser considerada romântica, essa forma é a leucemia.”
O aparente desprendimento com que fala da mortalidade, porém, não lhe traria paz nos momentos finais, de acordo com seu único filho, David Rieff. Em artigo para o The Guardian em 2008, ele contou que o pavor da mãe diante da morte acabou tornando tudo mais triste e difícil, sem que os amigos pudessem ao menos se despedir…
Impressionante como as pessoas inteligentes são capazes de atentar para o significado oculto de frases banais, como o comentário de uma amiga para David, em uma roda onde ele era o único homem. “Oh, pobrezinho, tendo que sentar com quatro mulheres!” Quantas vezes não ouvimos ou dissemos isso sem reparar o quão machista é esta frase –e ainda mais partindo de uma mulher? Qual o problema, afinal, em um homem estar só entre mulheres? Sontag não perdoou a amiga: “Você percebe o que está dizendo e a opinião vulgar que tem de si mesma?”
Se delicia o espírito imaginar ter esta conversa num bar, tenta mentalizar, então, dançar ao lado de Susan Sontag no lendário CBGB, templo do rock na década de 1970 no East Village, em Nova York… “O rock mudou a minha vida –sou uma dessas!”, revela a escritora. “Quando vou a um show da Patti Smith no CBGB, eu gosto, participo e aprecio melhor porque li Nietzsche”. Que tal? Sontag era profunda e pop ao mesmo tempo.
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(Sontag por Annie Leibovitz)
A escritora demonstra exasperação com a concepção de que exista uma “escrita feminina” e outra “masculina”, com a ideia de que alguém “escreve como uma mulher” ou “como um homem”. Por isso, se mostra crítica da tendência feminista de propor eventos com este selo de gênero. A divisão parece-lhe segregadora e redutora da capacidade da mulher, em vez de uma exaltação. É a tal coisa: de tão segura de si, Sontag quer se tratada de igual para igual, e não ser enquadrada entre as “mulheres que escrevem”.
Ela fala ainda de amizade, de amor, de fotografia, de maconha… “Fumar maconha –algo que tenho usado numa quantidade muito modesta– mudou meu sistema nervoso. Me ajuda a relaxar. Não preciso fumar para relaxar dessa maneira, mas quando fumo entro em contato com uma parte de mim que poderia relaxar. Eu não sabia que a gente devia relaxar, que era uma coisa boa ou que podia dar algum resultado (rindo), eu simplesmente não sabia como ficar quieta”.
Ler a entrevista de Jonathan Cott com Susan Sontag dá vontade de correr atrás de todos os seus livros –além dos clássicos que ela e o autor citam o tempo todo durante a conversa. Um papo de enriquecer a alma.

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