O presidente do Banco Central Europeu declarou nesta 5ª feira que fará o que for preciso para salvar a Espanha e a Itália da moratória iminente - e o fará de modo suficiente. Ato contínuo os juros tombaram; as bolsas dos dois países subiram. Eureka! Mas, então, por que não o fez antes, há menos de uma semana, por exemplo, quando o mesmo Mário Draghi, cobrado a agir, declarou que o BCE não estava a serviço de países? A resposta começa por aí.
O banco central de UE não foi concebido para servir à sociedade européia, mas aos mercados financeiros que definiram sua supremacia nos alicerces de uma união batizada nas águas neoliberais do tratado de Maastricht. O colapso da ordem neoliberal descarregou sobre esse tabuleiro o peso das contradições letais: aquelas que se confrontam com os seus próprios termos e reduzem as opções a uma conversa entre a morte e a agonia.
Isso explica a diversidade de sentenças peremptórias emitidas pelo normalmente pacato Draghi em tão curto espaço de tempo. Ele e todo aparato definido em Maastricht estão sendo cobrados a servir a uma demanda para a qual não foram concebidos. Enquanto a engrenagem das finanças desreguladas reinava inconteste , o crédito abundante emprestava ares de harmonia entre as instituições e a sociedade. O dinheiro jorrava dos ricos para a periferia. Bolhas se multiplicavam para satisfação de ambos os lado. O fastígio do laissez faire financeiro levaria capitais europeus a bancarem também festa equivalente do outro lado Atlântico, nos EUA, convalidando o novo way of life de consumo sem poupança, com desindustrialização à tiracolo.
Era funcional. O afluxo de recursos externos servia para financiar o rombo das importações chinesas, que revertiam em compra de títulos do Tesouro gringo pelos próprios chineses, mas também por europeus e até latino-americanos. Americanos animados trocaram o emprego pela corretagem da própria casa, incorporando-se a uma corrente que, como se sabe, rompeu-se em 2007 e fundiria em 2008.
Quando o lubrificante da roldana global foi chamado a retornar ao bolso dos seus donos, basicamente bancos e fundos, o cheiro de queimado impregnou o ar. O aparato ao qual o BCE pertence foi convocado então a cumprir seu dever: servir aos mercados. A julgar pelo pêndulo em que se transformou a língua de Mário Draghi cumprir o dever não é tão simples assim. Reconduzir trilhões em créditos de volta aos bolsos de origem implica obter juros em dia.
Quando o investimento feito propicia o lucro imaginado - não é o caso dos 700 mil imóveis encalhados no mercado espanhol -ou a venda do próprio trabalho equilibra as contas, tudo bem. De um modo geral, não é este o cenário na UE. A renda européia medida pelo PIB encontra-se em retração e tão cedo não se recupera; 30% da economia regional quebrou;o desemprego atinge mais de 18 milhões de pessoas e fulmina 25% da sociedade no caso espanhol.
A tentativa de transferir esse gigantesco mico das mãos privadas (salvar bancos locais, basicamente) para os Tesouros nacionais, associada a uma contenção de gastos para honrar os juros, revelou-se um desastre de proporções ferroviárias. De um lado, a recessão aborta a receita fiscal; de outro, a despesa financeira explode pressionada por juros crescentes cobrados por quem se dispõe a financiar Estados à beira da moratória.
Até dezembro, a Itália encara uma rolagem total de dívidas da ordem de 400 bi de euros, mais um déficit de 100 bi, que vai se acrescentar à divida velha.
Outros 400 bi de euros terão que socorrer a equação fiscal da Espanha no mesmo período. O peso do juro nesse conjunto é asfixiante. Até a crise de 2007, a Espanha pagava cerca de 17 bi de euros por ano aos rentistas; em 2012 pagará quase 35 bi de euros. Sua dívida cresceu 102% desde então; a conta dos juros saltou 104% . O contraste com a Alemanha, onde as percentagens são, respectivamente, de 33,5% e apenas 2,3%, é influenciado pela fuga de capitais.
Mais de 500 bilhões de euros saíram da economia espanhola e italiana no ano passado em busca de segurança e qualidade nos cofres soberanos alemães, americanos e suíços. A correnteza permite que os ricos se financiem a juros negativos, repassados a banqueiros, que esfolam Madrid e Roma impondo-lhes taxas acima até de 7,5%, como foi o caso dos últimos dias.
Para afrouxar esse torniquete de muitas voltas Draghi terá que adquirir toda a dívida soberana que não encontrar comprador no mercado - cerca de um trilhão de euros apenas nos casos de Espanha e Itália. A resistência da cúpula do euro a esse aspirador converge para uma palavra: inflação. Apesar da recessão apontar em sentido contrário, os detentores da riqueza temem que uma inundação de dinheiro na praça desvalorize seus direitos de saque sobre os endividados, fazendo na prática aquilo que a política já deveria ter feito: uma desvalorização brutal de ativos. A ver.
O banco central de UE não foi concebido para servir à sociedade européia, mas aos mercados financeiros que definiram sua supremacia nos alicerces de uma união batizada nas águas neoliberais do tratado de Maastricht. O colapso da ordem neoliberal descarregou sobre esse tabuleiro o peso das contradições letais: aquelas que se confrontam com os seus próprios termos e reduzem as opções a uma conversa entre a morte e a agonia.
Isso explica a diversidade de sentenças peremptórias emitidas pelo normalmente pacato Draghi em tão curto espaço de tempo. Ele e todo aparato definido em Maastricht estão sendo cobrados a servir a uma demanda para a qual não foram concebidos. Enquanto a engrenagem das finanças desreguladas reinava inconteste , o crédito abundante emprestava ares de harmonia entre as instituições e a sociedade. O dinheiro jorrava dos ricos para a periferia. Bolhas se multiplicavam para satisfação de ambos os lado. O fastígio do laissez faire financeiro levaria capitais europeus a bancarem também festa equivalente do outro lado Atlântico, nos EUA, convalidando o novo way of life de consumo sem poupança, com desindustrialização à tiracolo.
Era funcional. O afluxo de recursos externos servia para financiar o rombo das importações chinesas, que revertiam em compra de títulos do Tesouro gringo pelos próprios chineses, mas também por europeus e até latino-americanos. Americanos animados trocaram o emprego pela corretagem da própria casa, incorporando-se a uma corrente que, como se sabe, rompeu-se em 2007 e fundiria em 2008.
Quando o lubrificante da roldana global foi chamado a retornar ao bolso dos seus donos, basicamente bancos e fundos, o cheiro de queimado impregnou o ar. O aparato ao qual o BCE pertence foi convocado então a cumprir seu dever: servir aos mercados. A julgar pelo pêndulo em que se transformou a língua de Mário Draghi cumprir o dever não é tão simples assim. Reconduzir trilhões em créditos de volta aos bolsos de origem implica obter juros em dia.
Quando o investimento feito propicia o lucro imaginado - não é o caso dos 700 mil imóveis encalhados no mercado espanhol -ou a venda do próprio trabalho equilibra as contas, tudo bem. De um modo geral, não é este o cenário na UE. A renda européia medida pelo PIB encontra-se em retração e tão cedo não se recupera; 30% da economia regional quebrou;o desemprego atinge mais de 18 milhões de pessoas e fulmina 25% da sociedade no caso espanhol.
A tentativa de transferir esse gigantesco mico das mãos privadas (salvar bancos locais, basicamente) para os Tesouros nacionais, associada a uma contenção de gastos para honrar os juros, revelou-se um desastre de proporções ferroviárias. De um lado, a recessão aborta a receita fiscal; de outro, a despesa financeira explode pressionada por juros crescentes cobrados por quem se dispõe a financiar Estados à beira da moratória.
Até dezembro, a Itália encara uma rolagem total de dívidas da ordem de 400 bi de euros, mais um déficit de 100 bi, que vai se acrescentar à divida velha.
Outros 400 bi de euros terão que socorrer a equação fiscal da Espanha no mesmo período. O peso do juro nesse conjunto é asfixiante. Até a crise de 2007, a Espanha pagava cerca de 17 bi de euros por ano aos rentistas; em 2012 pagará quase 35 bi de euros. Sua dívida cresceu 102% desde então; a conta dos juros saltou 104% . O contraste com a Alemanha, onde as percentagens são, respectivamente, de 33,5% e apenas 2,3%, é influenciado pela fuga de capitais.
Mais de 500 bilhões de euros saíram da economia espanhola e italiana no ano passado em busca de segurança e qualidade nos cofres soberanos alemães, americanos e suíços. A correnteza permite que os ricos se financiem a juros negativos, repassados a banqueiros, que esfolam Madrid e Roma impondo-lhes taxas acima até de 7,5%, como foi o caso dos últimos dias.
Para afrouxar esse torniquete de muitas voltas Draghi terá que adquirir toda a dívida soberana que não encontrar comprador no mercado - cerca de um trilhão de euros apenas nos casos de Espanha e Itália. A resistência da cúpula do euro a esse aspirador converge para uma palavra: inflação. Apesar da recessão apontar em sentido contrário, os detentores da riqueza temem que uma inundação de dinheiro na praça desvalorize seus direitos de saque sobre os endividados, fazendo na prática aquilo que a política já deveria ter feito: uma desvalorização brutal de ativos. A ver.
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Fonte texto: Portal Carta Maior
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