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terça-feira, 14 de abril de 2020

Covid-19: cearense isolada na Índia com bebê de 15 dias relata falta d'água e energia

Quarentena impede Camila Moreira de obter a documentação necessária para retornar com o filho ao BrasilA cearense Camila Moreira, de 39 anos, está isolada em condições precárias em um vilarejo em Tamil Nadu, sul da Índia, com o filho recém-nascido. O Itamaraty viabilizou a repatriação de cerca de 300 cidadãos por meio de um voo que sairá da capital indiana, Nova Delhi, nesta terça-feira (14).A cearense Camila Moreira, de 39 anos, está isolada em condições precárias em um vilarejo em Tamil Nadu, sul da Índia, com o filho recém-nascido. O Itamaraty viabilizou a repatriação de cerca de 300 cidadãos por meio de um voo que sairá da capital indiana, Nova Delhi, nesta terça-feira (14).
Camila e o bebê Hosea, de 15 dias, ficaram de fora da lista por falta de documentos e estão com acesso restrito a água e energia elétrica.A Índia tem 10.541 casos de coronavírus e soma 358 mortes por covid-19 até o momento. O primeiro-ministro, Narendra Modi, decretou uma quarentena de três semanas, que deveria terminar nesta quarta-feira (15). Porém, um dia antes o governo informou que o período de paralisação será estendido pelo menos até o final de abril.


Quebra de expectativas
Moreira é casada há menos de um ano com um cidadão indiano e está em sua quarta visita ao país. Ela desembarcou na Índia pela última vez no dia 24 de janeiro de 2020, grávida de seu segundo menino – o primogênito tem 13 anos e é filho de um brasileiro.
“A princípio, tínhamos planos de o bebê nascer no Brasil”, conta. Como o esposo dela ainda não obteve o visto do consulado brasileiro, a cearense concordou em dar à luz na Índia e retornar no dia 19 de abril.
Hosea nasceu no hospital Apollo, em Chennai, capital do estado e terceira maior metrópole do país. “Meu plano era ficar perto de hospital, de supermercado grande, em um apartamento com ar condicionado, para dar um conforto maior para o bebê”, lembra.
No entanto, por conta da pandemia, ela não conseguiu alugar um quarto e acabou se hospedando no vilarejo Kadavani, na cidade de Tirapattur, onde vivem os sogros, a quatro horas de Chennai.
Depois de passar dois dias no hospital, ela pagou o equivalente a R$ 870 para que a ambulância a levasse até o vilarejo.
“Passamos por três bloqueios policiais. Só abriram caminho porque viram um recém-nascido. Fomos pegos de surpresa com essa questão do corona[vírus] e essas medidas de prevenção tão restritas. Nós ficamos de mãos atadas”, diz Moreira.
Precariedade
Mais de 600 milhões de indianos enfrentam escassez aguda de água, o que dificulta a prevenção ao coronavírus.
Kadavani é um dos milhares de vilarejos do país sem saneamento básico. Para conseguir água, é preciso ir até um poço que fica a 2 km de onde Moreira está hospedada.
“Nós não temos chuveiro. Tomamos banho de balde, e a água é fracionada, então temos que economizar ao máximo. Reaproveitamos a água que usamos para lavar roupa para lavar o banheiro, por exemplo”, conta a brasileira.
“Todo dia falta energia elétrica, e o calor está matando. Desidrata, realmente. Agora mesmo estou com muita dor de cabeça. Meu filho precisa estar o tempo todo sendo amamentado e eu preciso estar toda hora bebendo água, bebendo suco, para poder suportar. Se para a gente está difícil, imagina para ele”, lamenta.
As temperaturas máximas na região em abril podem chegar a 41ºC. “As pessoas não aguentam dormir em casa e levam as camas para fora, de tanto calor. Ventilador não dá conta. O ar passa quente no nariz”, descreve.
A passagem de volta, pela companhia francesa Air France, foi cancelada. “Já dei entrada no registro de nascimento. Mas, como os órgãos governamentais estão parados, a vida da gente está parada também”, lamenta. “Eu preciso transcrever, fazer passaporte, visto do bebê, e tem ainda a parte do meu marido. Preciso transcrever o nosso casamento para o registro de casamento junto à embaixada brasileira”, completa.
Para obter a documentação, ela precisaria viajar 2,4 mil km até Nova Delhi, o que só é possível após a quarentena.
Estou pedindo ajuda para legalizar a documentação do meu bebê, para que a gente possa retornar ao Brasil. Meu filho precisa fazer consultas, tem vacina para tomar daqui a uns dias, e não tem transporte. Nós precisamos que as autoridades indianas, brasileiras, se mobilizem junto ao Itamaraty, junto à embaixada. Não posso esperar o fim da quarentena. Não estou pedindo nenhuma regalia. Só preciso do meu direito, como mãe, como brasileira em outro país

Moreira sabe que o Brasil tem mais casos de covid-19 do que a Índia, mas não tem dúvidas de que precisa retornar o quanto antes. “Lá, eu posso contar com a estrutura da minha casa, da minha família”, finaliza.
Questionada sobre a situação de Camila Moreira e Hosea, a Embaixada do Brasil em Nova Delhi informou que tem conhecimento do caso.
"Contudo, há que registrar que o pai do recém-nascido é indiano e que a própria criança nasceu naquele país. Não é legalmente possível o retorno apenas da mãe e da criança, como solicitado, por configurar tráfico ilegal de menores. A Embaixada tem prestado todo o apoio para a brasileira e buscado soluções que contornem os problemas legais que impedem a melhor resolução do caso", diz a nota.
Fora da lista
A Embaixada não informou o número de brasileiros que solicitaram repatriação e ficaram de fora da lista de passageiros do voo desta terça. No grupo "Resgate de Brasileiros", que reúne turistas que pretendem voltar ao Brasil, são pelo menos 20 nessa situação.
Para além de Moreira, que aguarda documentos para poder levar o filho ao Brasil, a embaixada obedeceu a uma série de critérios para definir quem seria repatriado esta semana. Foram priorizados grupos de risco da covid-19 e não-residentes que já deveriam ter voltado ao Brasil, mas tiveram as passagens canceladas.
A gaúcha Flávia Luiza Pimentel Negri tem 21 anos e ficou de fora da lista. Ela chegou à Índia em dezembro de 2019 e mora em um apartamento com outras cinco estrangeiras em Bangalore, a 2,2 km de Nova Delhi.
“Estamos em quarentena há um mês, e a gente só sai para ir ao mercado uma vez a cada quatro dias. Somos estrangeiras, e por isso a situação não está muito legal”, relata.
“O pessoal acha que, como a gente veio de fora, fomos nós que trouxemos o vírus, ou que a gente tem o vírus. Então, já aconteceu de pessoas, quando viram a gente, saírem correndo com olharem assustados, ou gritarem ‘coronavírus’”, acrescenta Flávia.
A brasileira relata que os mercados começam a apresentar sinais de desabastecimento. “Se você for cedo, consegue comprar. Mas, no final do dia, já não tem mais nada. Normalmente, eles fechavam às nove da noite. Agora, fecham às quatro”, afirma. 
Flávia tem uma passagem de retorno ao Brasil marcada para agosto. Ela tentou remarcar o voo, mas essa opção foi bloqueada por conta da pandemia.
Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores disse que respeita os critérios de prioridade. "Desde o início da crise, o esforço do Itamaraty tem sido o de viabilizar o retorno de nacionais residentes no Brasil que se viram retidos no exterior, em decorrência de cancelamento de voos ou medidas de limitação de movimentação terrestre", informou a pasta, por meio de nota.

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