É no icônico bairro Lagoinha, antigo reduto da boemia de Belo Horizonte, na região Noroeste, que o C.U.R.A. – Circuito Urbano de Arte aporta nesta quinta-feira (5) e promove, até o dia 15, uma série de intervenções artísticas em muros e prédios, a exemplo do projeto que levou pinturas e cores a imóveis localizados no Centro da capital nos dois últimos anos. O festival tem uma programação cultural extensa, como mesas de debates, feira de artes, festas e ações especiais que colocam em discussão a arte urbana e a cultura de rua (confira tudo aqui).
O objetivo principal da atuação do C.U.R.A. na Lagoinha é dar nova visibilidade a um dos primeiros bairros de Beagá, no intuito de contribuir para sua revitalização e jogar luz sobre sua história, arquitetura, gastronomia e atrativos culturais.
O projeto consiste na construção de um mirante – localizado na rua Diamantina, altura do número 720 – de onde as pessoas poderão apreciar os desenhos que começam a ser pintados por oito artistas nesta quinta-feira.
Patrocinado pela cervejaria mineira Wäls, o C.U.R.A. Lagoinha visa o fortalecimento deste território na cidade e terá 11 dias de festa nas ruas da região, com DJs, bar Wäls, roda de samba de rua, shows, oficina, mesas de debate e feira de arte.
Além disso, há exposições, rodas de conversas, exibição de filmes e oficinas de criatividade, tipografia, empreendedorismo periférico e apreciação de cerveja.
No final de semana de encerramento haverá a feira gastronômica somente com cozinheiros da Lagoinha convidados pelo chef Miller, que tem um bar na região. Na ocasião, ele lançará o selo Estômago da Lagoinha, dado para os mais tradicionais cozinheiros do território que é o berço da cultura da capital.
Para que o projeto chegasse à Lagoinha foram necessárias negociações por um ano e meio. De acordo com uma das idealizadoras do C.U.R.A., a produtora cultural Juliana Flores, ‘cutucadas’ por dois moradores amantes do bairro e grandes militantes pela requalificação da Lagoinha – Daniel Queiroga e Filipe Thales –, as curadoras do circuito (Juliana, Janaína Macruz e Priscila Amoni) toparam a ideia de desenvolver um projeto para lá.
“Eles insistiram muito e depois de meses conversando virtualmente, em janeiro fui fazer o ‘Rolezin da Lagoinha, um tour a pé pelo bairro idealizado pelo Filipe Thales, que mostra ao visitante várias nuances da região. Me apaixonei pelo bairro, pela história, pelas pessoas e por tudo que vi que acontece lá. De repente, eu e minhas parceiras vivemos uma reconexão afetiva com a Lagoinha, não apenas pela história do bairro, berço da cultura e da boemia da cidade, mas porque descobrimos que nossas origens vinham de lá”, conta Juliana.
Pouco esperançosas de realizarem o festival de arte urbana lá, pela falta de patrocínio, o destino bateu à porta das curadoras do circuito uma semana depois. “Fui procurada pela equipe da cervejaria Wäls para desenvolver algo para os 20 anos da marca, que é mineira, foi fundada por belo-horizontinos e tem como lema cerveja-arte. Após duas horas de reunião e mil ideias, nada fazia o olho deles brilhar. Até que falei da Lagoinha e do rolezinho que eu tinha feito por lá. E foi isso que os encantou! Eles apostaram na ideia e acreditaram junto conosco que seria lá”, revela Juliana.
Para o publicitário Filipe Thales, de 36 anos, idealizador do Viva Lagoinha – projeto que busca revitalizar o bairro -, o C.U.R.A. vem somar aos movimentos que já ocorrem na região em busca do desenvolvimento de projetos criativos e de empreendedorismo no local.
“A região é uma das mais estigmatizadas da capital na atualidade, concentrando grande parte dos moradores de rua do município e usuários de crack. Para se ter ideia, 12% da população de rua vive aqui. Dos 21 antiquários que existiam na rua Itapecerica, hoje restam apenas seis. Temos mais de uma dúzia de comércios fechados nesta que já foi a segunda rua mais movimentada de Belo Horizonte, nas décadas de 40 e 50. Nós, moradores e empreendedores, queremos mudar esse lugar, mostrar quanta coisa bacana há aqui: cultura, história, gastronomia, e, principalmente, as pessoas”, diz.
De acordo com Juliana Flores, o projeto contou com importante apoio da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Segundo ela, o guarda-corpo do mirante que havia sido arrancado foi recolocado; a SLU fez capina em vários terrenos e limpou tudo.
“A BHTrans refez toda a pintura da rua Diamantina e está implantando a Zona 30km na via. Essa parceria nos deixou muito felizes, pois não dá para fazer um festival se não pensarmos no legado que vamos deixar para as pessoas continuarem a frequentar o bairro e conhecê-lo melhor andando por lá. Eu brinco que o C.U.R.A. sai, mas a Lagoinha fica. Porque apesar de haver a sensação de insegurança, a Lagoinha não é um bairro inseguro e não tem crimes violentos. O Rolezin do Felipe me encantou por isso: pela possibilidade de você descobrir o bairro a pé. Rua com gente é rua segura; rua vazia é que é insegura. E nós do C.U.R.A. queremos isso: levar as pessoas para lá, frequentar a Lagoinha, tomar cerveja lá, comer nos restaurantes de lá”.
Conectando atores locais
Além do C.U.R.A. e dos projetos Viva Lagoinha e Casas da Lagoinha, outras iniciativas de empreendedorismo criativo já presentes no bairro estão juntas na realização do projeto e na extensa programação urbano-cultural que vai rola por lá até o dia 15. Entre elas, a Órbi Conecta, Universidade Popular do Som, Casa Rosa do Bonfim e vários outros.
“Toda a programação está amarrada a atores que já estão na Lagoinha, atuando como articuladores da revitalização da região. São espaços e iniciativas importantíssimos para a vida cultural da Lagoinha, para o empreendedorismo criativo local, espaços que já estão fazendo e acontecendo por lá. Estamos muito felizes de construir um C.U.R.A. afetivo, que olha e se relaciona com o território. Está sendo bem especial para nós”, completa Juliana.
Os locais e os artistas das intervenções
Quatro prédios passarão por intervenções nas mãos dos seguintes artistas:
- Bolinho (Floresta/BH) – Ed. Novo Rio (rua Diamantina, 645);
- Elian Chali (Córdoba, Argentina) – Senai Lagoinha (avenida Pres. Antônio Carlos, 561;
- Luna Bastos (Teresina/PI) – Órbi Conecta (avenida Pres. Antônio Carlos, 681);
- Zé d Nilson (Lagoinha/BH) – Ed. Novo Rio (rua Diamantina, 645).
Já os muros de algumas ruas da região também terão obras retratadas pelos seguintes artistas:
- Wanatta (Alto Vera Cruz/BH) – Mirante Lagoinha (rua Diamantina, s/n (próximo ao 720);
- Rupestre Crew (Lagoinha/BH) – Casa Cura/Univeritás (rua Diamantina, 632);
- Fênix (Santa Mônica/BH) – Mirante Lagoinha (rua Diamantina, 645, em parceria com o Museu de Rua);
- Saulo Pico (Lagoinha/BH) – Mirante Lagoinha (rua Diamantina, s/n, próximo ao 720).
Dois bares da Lagoinha também passarão pela ação: o Armazém Número 8, que terá a arte de Nila (Mateus Leme/MG), na rua Francisco Soucasseaux, 8); e o Restaurante do Luiz Atleticano, por Gabriel Dias (Tupi/BH), na rua Itapecerica, 904.
Lagoinha
Ocupado desde o nascimento de Beagá, por imigrantes, especialmente italianos e árabes, negros e trabalhadores que construíam a nova capital, o bairro Lagoinha sempre teve papel importante na cidade, pela sua proximidade com o Centro e por ser ligação dessa área com a Pampulha. Antes da avenida Antônio Carlos, era a rua Itapecerica que ligava um ponto ao outro, onde havia até bonde, nos idos de 1913.
Na década de 1920, o bairro começou a ser marcado por intervenções urbanísticas: forma realizadas as primeiras desapropriações para a construção da avenida Antônio Carlos.
Na década de 1940, tiveram início as obras do Hospital Municipal Odilon Behrens e do Conjunto IAPI. No início da década de 1970, a construção do Complexo da Lagoinha, repleto das chamadas ‘obras de arte urbanísticas’, com a construção dos viadutos, selou o que os moradores da região chamam de divisor de águas e descaracterização da Praça Vaz de Melo: o bairro se desconectou do Centro.
“A Praça Vaz de Melo, que concentrava o grande comércio da região, os bares e restaurantes, foi dizimada para dar espaço aos viadutos. Nosso maior sonho é re-transformar a rua Itapecerica em eixo cultural da Lagoinha”, diz Filipe Thales.
C.U.R.A.
Em sua primeira edição em agosto de 2017 o festival Circuito Urbano de Arte realizou a pintura em quatro prédios e dois muros, um localizado na rua Sapucaí e outro dentro da Estação Central do Metrô. Em sua edição especial em homenagem aos 120 anos de Belo Horizonte, o festival pintou dois prédios. Na última edição realizada em novembro de 2018 o C.U.R.A. pintou mais quatro empenas e um muro.
Todos os prédios pintados podem ser vistos da rua Sapucaí, transformando a rua num dos primeiros mirantes de arte urbana do mundo. Os murais pintados têm entre 450 e 1.780 metros quadrados, sendo um deles o mural mais alto pintado por uma mulher na América Latina com 56 metros de altura.
Fonte: O Beltrano
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