Algumas ativistas denunciam critérios diferentes para avaliar projetos do segmento ‘sextech’, que movimenta 30 bilhões de dólares por ano, em função de estarem voltados para um público masculino ou feminino
“Adorei falar de sexo com
você, e praticamos quando você quiser.” Após escutar esta resposta à
apresentação de seu projeto, Andrea Oliver não se intimidou. Longe disso. Pôs
no seu devido lugar o investidor que soltou essas palavras e continuou
procurando financiamento para lançar o Emjoy, um aplicativo que,
mediante sessões de áudio, promete melhorar o bem-estar sexual das mulheres, o
que o enquadra no segmento sextech. Composto por aparelhos e
serviços que aplicam a tecnologia à vida sexual, esse mercado movimenta 30
bilhões dólares (123 bilhões de reais) por ano e cresce a um ritmo anual de
30%, segundo Tristan Pollock, sócio da aceleradora 500 startups.
“Eu sabia que seria difícil para mim, porque era
uma jovem de 27 anos tentando levantar capital na Espanha para uma companhia
de sextech orientada exclusivamente para mulheres e centrada
no mercado anglo-saxão, mas fui em frente porque minha ideia estava respaldada
por estudos científicos e sexólogos”, recorda a empreendedora.
Após aquele episódio, as coisas melhoraram, até que
ela arrecadou o necessário para formar uma equipe e lançar o aplicativo, em
julho passado. Nesse mesmo mês, a empresa de capital de risco Nauta Capital,
onde Andrea Oliver trabalhou durante dois anos, anunciou um investimento de um
milhão de euros (4,53 milhões de reais) no Emjoy.
Prova superada? Não totalmente. Ainda faltava
derrubar a barreira da censura. “Um dia depois de fazermos os primeiros anúncios
no Facebook, nossa conta foi fechada. De repente. Tivemos que falar
com a rede social para explicar que não havia nada de pornográfico no nosso
aplicativo, porque nos centramos no âmbito da saúde, e a educação sexual é uma
peça fundamental do bem-estar geral, mas para fazer publicidade sem problemas
finalmente optamos por mensagens mais sutis no Facebook”, conta Oliver.
Ativismo contra os
critérios ambíguos
Mas as propostas relacionadas ao bem-estar sexual
masculino são tratadas do mesmo jeito? Algumas vozes afirmam que a censura no
setor sextech é mais permissiva quando a publicidade se dirige
a homens. Para demonstrá-lo, as empresas Dame e Unbound lançaram recentemente o
jogo Approved, Not Approved, que desafia o usuário a adivinhar quais
anúncios foram permitidos ou recusados nas redes sociais, revistas impressas e
no metrô de Nova York. “Com esta campanha queremos que o público compreenda que
as pautas publicitárias se aplicam de maneira seletiva nas plataformas sociais,
o que limita o acesso às soluções e à educação sexual que algumas marcas
oferecem”, comenta ao EL PAÍS Polly Rodriguez, CEO e cofundadora da Unbound e
que, junto com Lidia Bonilla, criou em 2015 a Women of Sex Tech, uma comunidade
que reúne mais de cem empreendedoras com projetos tecnológicos sobre bem-estar
sexual.
Segundo Rodriguez, existe um padrão que tende a
considerar o prazer como parte da saúde sexual dos homens, enquanto que no caso
das mulheres o prazer se separa da saúde sexual. “Há anúncios relacionados com
a disfunção erétil ou aumento do pênis porque são associados à saúde, enquanto
que os lubrificantes, os vibradores e outros acessórios são catalogados como
produtos para o vício e têm a publicidade proibida no Facebook, Instagram,
Pinterest, Snapchat, Twitter, AdRoll e no metrô”, diz.
A experiência de Patricia López, CEO e fundadora da
Myhixel, de certo modo rebate esse duplo critério ligado ao gênero. O projeto
dessa empreendedora espanhola de 35 anos se centra em melhorar o bem-estar
sexual masculino com uma solução para controlar a ejaculação. Para isso,
combina-se um dispositivo masturbador, que vibra e se aquece até entre 36,5oC
e 37oC, com um programa de exercícios feito a partir de um
aplicativo.
“Fomos banidos do Facebook, Instagram, YouTube… Nem sequer podemos
nos divulgar no Tinder ou em portais de encontros,
por isso, pelo menos no nosso caso, não existe uma maior permissividade por nos
dirigirmos a homens”, comenta López. Qual é então a linha vermelha? Para a CEO
da Myhixel, a censura no sextech não tem a ver com produtos
masculinos ou femininos, e sim com a presença de um aparelho físico ou
brinquedo sexual, mesmo que desenvolvido para tratar disfunções como a
ejaculação precoce. “Nosso masturbador está sendo certificado como dispositivo
sanitário na UE, temos uma metodologia para o controle ejaculatório baseada em
estudos científicos e colaboramos com o Instituto Sexológico Murciano, a
Universidade Miguel Hernández de Elche e o Hospital Virgen del Alcázar de
Lorca. Achávamos que não teríamos problemas, mas a Apple, por exemplo, não
lançou o nosso aplicativo enquanto não centramos a explicação na terapia,
desvinculando-a do aparelho”, afirma López.
Feiras com polêmica
Cada vez são mais frequentes as feiras de sextech onde
dispositivos tecnológicos para o bem-estar sexual são expostos sem problemas.
Mas até agora a apresentação desses produtos tecnológicos era reservada a
eventos sobre brinquedos sexuais ou a feiras tecnológicas. Este último caso
também deu lugar a polêmicas em torno do gênero dos usuários, como a ocorrida
na última edição da popular CS de Las Vegas, em janeiro passado, quando o
vibrador para mulheres Osé foi excluído da zona de exposição por não se encaixar
em nenhuma categoria permitida, apesar de, na convocação inicial da feira, ter
ganhado o prêmio de inovação no quesito Robótica e Drones. Após queixas de Lora
Haddock, fundadora e CEO do fabricante do aparelho, que recordou a presença na
CS de produtos destinados ao público masculino, como bonecas sexuais ou pornô
em realidade virtual, os organizadores do encontro recuaram, em maio passado, e
devolveram o prêmio ao dispositivo, embora sua presença na CS 2020 ainda não
esteja confirmada.
ELAS DOMINAM
Dos 36 expositores confirmados para a próxima edição da Sx Tech de
Berlim, uma feira centrada em sextech, 22 são mulheres, e muitas
delas com projetos centrados no público feminino. "Tradicionalmente, o
homem foi mais liberado, enquanto a sociedade ditou muitas normas à mulher.
Entretanto, uma nova geração de jovens, que crescemos em uma realidade mais
aberta, estamos empreendendo no âmbito da sexualidade e com produtos orientados
ao público feminino porque não gostamos do que encontramos até agora", diz
Andrea Oliver, da Emjoy. Neste sentido, Polly Rodriguez, da Unbound e Women of
Sex Tech, recorda que muitos brinquedos eróticos para a mulher centraram seu
desenho em formas fálicas, quando deveria ter sido dada mais importância às
respostas biológicas do corpo humano. "Para chegar ao orgasmo, 70% das
possuidoras de lábios vaginais necessitam de estimulação do clitóris, algo que
raramente ocorre só com a penetração. Já houve muitos vibradores desenhados sem
levar em conta os comentários de quem os usava, mas agora sabemos que tanto a
vibração como a sucção e a estimulação geral do clitóris são fundamentais na
hora de criar esses aparelhos", salienta Rodriguez.
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