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terça-feira, 2 de abril de 2019

Neurônios-bomba

Sob certas circunstâncias, existem células que apresentam um comportamento auto-destrutivo e acabam sendo atacadas pelo próprio organismo. Uma pesquisa com neurônios de ratos mostra como isso pode ser impedido.

Algumas pessoas apresentam um comportamento auto-destrutivo. Não importa quão bem pareçam, elas sempre acabam fazendo coisas arriscadas — intencionalmente ou não.
Esse comportamento kamikaze pode ter várias causas e nem sempre depende apenas do indivíduo: fatores ambientais e sociais também podem resultar em uma postura auto-destrutiva.
Algumas células também apresentam comportamento auto-destrutivo. Não importa quão bem funcionem, elas acabam se auto-destruindo ou lançando sinais que incitam o sistema imunológico a destruí-las. Como acontece com pessoas assim, a auto-destruição celular depende de vários fatores e nunca da célula em si.
Doenças auto-imunes podem afetar todos os tipos de células e têm resultados debilitantes, mas quando acontecem com neurônios, a situação torna-se mais devastadora. Esse é o caso da Encefalite de Rasmussen (ER). Rara, essa condição auto-imune ataca principalmente o cérebro de crianças e causa convulsões à medida que os neurônios vão sendo destruídos.
A ER é resistente a tratamentos com remédios, o que leva a intervenções cirúrgicas para desconectar ou mesmo remover a área do cérebro sob ataque do sistema imune. Cirurgias assim, claro, podem deixar sequelas. Para tentar evitar isso, pesquisadores da Universidade de Genebra (UNIGE, na Suíça) e do Hospital Universitário daquela cidade (HUG) se uniram para estudar o mecanismo de interação entre neurônios e células imunitárias na ER.
O mecanismo básico da doença não difere muito do de outras doenças auto-imunes: a célula afetada produz algo que pode ser lido como um antígeno pelo sistema imune. Consequentemente, o sistema imune vê tal célula (ou tecido) como um corpo invasor, que merece morrer. No caso da ER, a resposta imunitária causa alterações na estrutura das sinapses, cortando os galhos que facilitam a comunicação neuronal.
Para descobrir por que isso acontece, a equipe coordenada por Doron Merkler — professor-associado de Patologia e Imunologia na UNIGE e membro do serviço de patologia do HUG — estudou o desenvolvimento da doença em um modelo animal: ratos. Publicado na revista Cell, o estudo demonstra que os neurônios não são vítimas indefesas de células imunes enlouquecidas. Pelo contrário, são os próprios neurônios que iniciam o ataque contra si mesmos.


“Tango triplo de consequências trágicas”

Foi assim que Merkler descreveu o mecanismo descoberto ao MedicalXpress. Tudo começa com um linfócito-T CD8+, uma célula envolvida no combate a infecções virais. Quando não reconhece o antígeno produzido pelo neurônio, o CD8+ passa a interagir com ele, produzindo uma proteína chamada IFN-γ. Essa proteína, por sua vez, é reconhecida pelo neurônio e ativa o STAT 1, um ciclo bioquímico que leva à produção da molécula CCL2. Conforme se espalha pela vizinhança do neurônio afetado, a CCL2 chama a atenção de outras duas células imunológicas, dois tipos diferentes de fagócitos. São esses fagócitos que se aproximam dos neurônios e acabam corroendo suas sinapses.
Como dá pra perceber, o que parece uma simples reação e talvez um pedido de socorro do neurônio afetado acaba sendo um comportamento auto-destrutivo (essa é outra semelhança entre neurônios e pessoas auto-destrutivas). Embora o estudo tenha sido feito com ratos, indícios da mesma cascata de eventos foram encontrados em biópsias realizadas pelos pesquisadores em mais de 20 pacientes portadores de ER. Para Merkler e seus colegas, é possível que o mecanismo seja parecido em outros tipos de encefalites.
Uma maneira de controlar ou talvez até evitar esse comportamento auto-destrutivo dos neurônios seria impedir a emissão dos sinais por parte deles. Há várias possibilidades para isso: cortar o antígeno seria o ideal, mas ele ainda não foi identificado. O plano B é anular a ativação da STAT 1 e a produção da CCL2. Os cientistas da UNIGE/HUG conseguiram isso em ratos, impedindo também a ativação de fagócitos e a consequente destruição de sinapses. Esse bloqueio foi conseguido por uma combinação de intervenções farmacológicas e manipulação genética. Assim, a degradação de sinapses é interrompida e a ER fica não curada, mas sob controle.
Os próximos passos da pesquisa são o desenvolvimento e a realização de testes clínicos em humanos e a produção industrial dos medicamentos necessários. Essa etapa deve levar alguns anos e pode ser mais difícil do que o normal por envolver uma população restrita e necessitar da colaboração com alguma indústria farmacêutica. Merkler, porém, está esperançoso: “os princípios que estamos descrevendo provavelmente atuam em outras doenças que causam uma resposta imune grave e podem ter um papel na esclerose múltipla”.
Fonte: Hypercubic

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