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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O que acontece quando mulheres denunciam agressão sexual no Japão?

Uma recente experiência de agressão sexual sofrida por uma mulher canadense em um trem de Tóquio, incluindo a forma como a polícia respondeu, provocou discussões no Twittersobre o problema atual do Japão com chikan (痴 漢 ou abusadores de trem, em português).
A experiência documentada de agressão sexual se assemelha a casos recentes de alta repercussão no país envolvendo a jornalista Shiori Ito, uma blogueira conhecida comoHachu e a atriz de teatro  Shimizu Meili.
Em julho de 2018, uma mulher, que atende pelo nome de “Jenna” no Twitter, começou a compartilhar uma série de tuítes em que relatava ter sido perseguida e apalpada por um homem em um trem de Tóquio. Jenna compartilhou também o que aconteceu quando o abusador foi preso e ela registrou o crime na polícia.
Em uma série de tuítes, conta:
Cerca de 15-20 minutos ou mais de Omotesandō, um homem grande se aproximou de mim pelo meu lado esquerdo. Ele estava me olhando de uma maneira muito lasciva. Foi até mim e sussurrou kirei, que significa “bonita” em japonês. Eu o ignorei e olhei em volta para as pessoas nos bancos; alguns notaram seu comportamento estranho…
Geralmente, casos de abuso cometidos pelos chikan são processados pela polícia sob o Artigo 176 do Código Penal como “obscenidade forçada” (強制わいせつ). De acordo com o Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio, 1.750 casos de abuso sexual ou molestamento foram denunciados em 2017. Mais de 50% desses casos ocorreram em trens, segundo o relatório, enquanto 20% deles aconteceram nas estações de trens. No entanto, vítimas de agressão sexual no Japão lamentam frequentemente que tais casos são difíceis de serem autuados.
Jenna continua a descrever a sua experiência de abuso sexual no trem em toda a sua linha de discussão no Twitter:
…Quando o assento vagou, o homem japonês sentou e continuou olhando para mim, principalmente para o meu rosto e minhas coxas (eu estava de saia). Me senti muito desconfortável, mas, honestamente, eu já havia experimentado coisas parecidas antes e estava bem…
…Ele levantou-se novamente depois de alguns minutos e foi até mim perguntando aonde eu estava indo (em japonês). Eu disse: “Hein?? O quê??” E ele apenas me encarou…
Ainda no Twitter, Jenna disse que cogitou sair da locomotiva antes de chegar ao seu destino para esperar a próxima, mas estava com medo de que o homem a seguisse. “Eu realmente não vi nenhuma opção e me senti desconfortável”,  disse em um tuíte.
Quando sua parada se aproximou, Jenna se levantou e foi em direção às portas de saída do vagão:
…Eu percebi que o japonês estava me procurando e me observando na porta quando de repente, ele praticamente correu atrás de mim de maneira frenética, manteve-se na minha retaguarda, posicionando-se ligeiramente à minha esquerda. Naquele momento, eu fiquei com muito medo e em pânico sobre o que fazer, ele estava claramente indo me seguir fora do trem.
Tudo isso aconteceu em poucos minutos e nos 10 segundos em que ele se pôs atrás de mim, senti a sua mão direita tocar a minha nádega esquerda e apertar com força duas vezes.
Jenna contou que fora tomada por uma onda de adrenalina que a levou a virar e atacar seu agressor. Em seguida, ele tentou fugir. Ela o perseguiu na plataforma da estação de trem, agarrando-o pela roupa, enquanto gritava em japonês que havia sofrido abuso sexual. Os funcionários da estação interviram e a polícia chegou logo em seguida.

Relatando uma agressão sexual à polícia no Japão

De acordo com seu Twitter, Jenna foi encaminhada para uma delegacia de polícia nas proximidades, para o que se tornaria quase 7 horas de interrogatório. Contudo, sua experiência frustrada com a polícia já havia começado no carro:
O motorista fez alguns comentários condescendentes, dizendo que eu não poderia saber que o agressor havia realmente apalpado minha nádega, porque eu não tenho olhos nas costas.
Na delegacia, após seu celular, passaporte e outra identidade terem sido tirados dela, Jenna relatou que começou a ficar assustada:
Depois de tudo o que me aconteceu, eu estava com medo de ficar sozinha e sem telefone no meio de um monte de homens com fome de poder.
Finalmente, a polícia moveu uma divisória para proporcionar privacidade, mas Jenna explicou que:
…Quase 10 membros do quadro de funcionários decidiram dar a volta e ficar na porta da sala em que eu estava, ouvindo a minha história de qualquer maneira.
Um tradutor do sexo masculino foi colocado no viva-voz e durante o tempo em que eu estava explicando a história para ele, aqueles homens intrometidos conversavam e riam. Às vezes, eu nem conseguia ouvir ou explicar adequadamente ao tradutor.
Após contar a sua história, Jenna disse que a polícia recomendou que ela não prestasse queixa porque seu suposto agressor, aparentemente, ainda era menor de idade. Irredutível, Jenna disse que ainda assim queria denunciá-lo.
A polícia mediu e fotografou o corpo de Jenna num processo que durou mais de 3 horas. Prestar queixa também significava ter que realizar uma reconstituição, um requisito comum para denunciar uma agressão sexual no Japão:
Entramos no salão e lá estava um manequim com uma peruca marrom, saia xadrez e camisa branca. O manequim estava me representando. Um dos membros da equipe estava agindo como o chikan. Eles têm que reencenar e fotografar cada momento que aconteceu no trem. E eu tenho que estar nas fotos, apontando para a situação para confirmar que concordo que foi aquilo que aconteceu. Protocolo, eles dizem.
Jenna constatou que nenhuma testemunha em potencial havia sido contatada e que a decisão final sobre prestar queixa ou não estava nas mãos da polícia (no Japão, a polícia endereça as ocorrências criminais a um promotor). O celular e outros pertences foram devolvidos à Jenna. Quase 7 horas depois de ter sido abusada sexualmente no trem, ela foi liberada para ir pra casa.
Eles ainda me perguntaram se eu queria ir para a estação Omotesandō ou para casa. Eu escolhi ir para casa, obviamente. Eles resmungaram, afinal, levariam 1 hora de carro para chegar lá. Mas putz! Se eu não posso pelo menos pegar um carro para sair daquela situação e ir pra casa, eu também não quero pagar $15 para ser abusada sexualmente e gastar 6 horas e meia na delegacia de polícia.
Depois da exaustiva experiência na delegacia, Jeena concluiu:
Se isso acontecer novamente, eu vou me sentir mais impotente em saber que não há nada que eu possa fazer e a polícia também nada fará.

Twitter japonês responde à história de Jeena

Nos dias que se seguiram, os tuítes de Jeena foram compartilhados e discutidos por muitas pessoas que demonstraram apoio e empatia ao redor do mundo. Algumas usuárias japonesas do Twitter também compartilharam suas próprias experiências com assédio e abuso sexual, a fim de prestar solidariedade:
Hi, I've read your tweets. I'm so sorry that you had to go through this. I wish I could put a curse on him! Absolutely unacceptable 😡😡I used to be harassed by 'Chikan' almost everyday as a kid. I'm angry that abuse against women/children is never taken seriously in Japan!
Oi, eu li seus tuítes. Sinto muito que você tenha passado por isso. Gostaria de poder jogar uma maldição sobre ele! Absolutamente inaceitável! 😡😡 Eu costumava ser assediada quase todos os dias por chikan quando eu era criança. Estou com raiva, pois o abuso contra mulheres e crianças no Japão não é levado a sério.
Uma outra usuária do Twitter criou um “momento Twitter” dos tuítes de Jenna:
Nós estamos com você.
Alguns traduziram os tuítes da canadense para o japonês:
Enquanto eu tuitava sobre a sua experiência, alguns caras japoneses criticaram, afirmando que essa história com certeza era falsa. Então, eu traduzi todos os tuítes relacionados ao caso para o japonês. Aqui está o link da tradução: https://note.mu/diafeliz/n/n2472a5c26ed3 …

Polícia pede que a vítima delete os tuítes

No final de julho, o agressor confessou ter apalpado Jenna, mas as autoridades não tomaram providências. Jenna tuitou que a polícia finalmente tomou a decisão de registrar o caso do agressor e esperava que isso fosse o suficiente para impedi-lo de reincidir no crime.
Quando Jenna anunciou que a polícia sugeriu que ela deletasse seus tuítes, sua história foi compartilhada mais de 2.000 vezes:
Lmao the Japanese police suggested I delete the posts I made about my sexual assault. Real nice Japan, try to hide your shitty treatment of me
Estou rindo alto! A polícia japonesa sugeriu que eu deletasse as postagens que fiz sobre minha agressão sexual. Muito legal, Japão, tente esconder o tratamento de merda dado a mim.
Depois, Jenna esclareceu o pedido:
Ok now the police are saying they wanted me to delete it for "my safety" not because they wanted me to hide anything. I don't know if that's true or they're just trying to conver their butts, but I can protect myself, since clearly they won't

Ok, agora a polícia está dizendo que eles sugeriram que eu deletasse a minha conta por uma “questão de segurança” e não para tentar esconder o que quer que seja. Eu não sei se isso é verdade ou se eles estão apenas tentando se livrar, mas eu posso me proteger, já que eles deixam claro que não estão dispostos a me dar apoio.
Fonte: Global Voices 

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